O espaço público é um barómetro da cidade. Onde ele é vivo, cruza gerações, grupos sociais e proveniências culturais, a cidade partilha valores. Onde ele acolhe actividades diversificadas, a cidade cria oportunidades, quer facilitar a inclusão.
Assegurar qualidade ao espaço público será pois um objectivo prioritário da política urbana. Depende de uma multiplicidade de factores, e não apenas do seu desenho e da sua configuração estética. Não há um receituário que garanta a qualidade do espaço e seja penhor da sua utilização colectiva.
É necessário pensar cada caso e ter a atitude prudente de testar as soluções e corrigir aquelas que não se revelem adequadas. Sigo com particular atenção os trabalhos do colectivo madrileno “Paisaje Transversal”, formado em 2007 por cinco arquitectos urbanistas com distintas formações complementares em comunicação e em gestão.
Trata-se de uma equipa que se dedica a investigar e desenvolver projectos de transformação urbana. Uma visita ao seu blogue (www.paisajetransversal.org) justifica-se para quem queira saber mais sobre este laboratório de ideias e experiências.
Recentemente (trata-se de uma edição de 2018), a “Paisaje Tranversal” publicou através da Arquia – uma fundação que apoia projectos de índole cultural e social nos campos do urbanismo e da arquitectura – um livro que reflecte as suas intervenções na requalificação de espaços públicos em diversas cidades de Espanha.
Intitula-se “Escutar e Transformar a cidade: Urbanismo Colaborativo e Participação Cidadã”.
O grupo propõe neste ensaio uma fórmula para avaliar a qualidade do espaço público, operação prévia ao lançamento dos processos de desenho urbano baseados numa metodologia que associa os destinatários à elaboração do projecto.
Essa fórmula exige [LER_MAIS] que o plano da intervenção técnica se faça acompanhar de um diagnóstico de caracterização do espaço público a partir de três items: acessibilidade e visibilidade; conforto e imagem; uso e gestão. A relação de uma praça com o que a rodeia é o primeiro aspecto a analisar.
Ela deve poder ser avistada de longe e não apenas de perto, e ser acessível a todos, nomeadamente aos que se deslocam em transportes colectivos.
A visibilidade é condição de segurança e a acessibilidade é condição de conectividade. O desenho das praças garante conforto quando critérios ambientais são respeitados.
Mas, além da qualificação paisagística, importa que sejam percebidas pelos habitantes e visitantes como lugares únicos.
É a singularidade que permite ancorar um sentimento de pertença. A imagem de uma praça remete para o plano do simbólico, do imaginário cultural. Sem actividades não há espaço público, há vazio.
A dificuldade está em propiciar a cada praça actividades diferenciadas, que atraiam públicos diversos, ser inclusiva mas não monofuncional. A praça é um recurso de identificação relacional, de inclusão e de comunicação.
Este levantamento é obtido por inquérito e observação participante. O planeamento técnico é pensado e discutido com os que frequentam o espaço, vivem nas imediações, ou o visitam.
Permita-me caro leitor que o desafie a classificar a qualidade do espaço público com o qual está mais familiarizado na sua cidade. Esse é o primeiro passo – escutar a cidade que usamos – para um urbanismo colaborativo.
Se o Jornal de Leiria concordar (agora que concluí um ano de colaboração neste semanário), voltarei ao tema e a esta interpelação da vossa escuta cívica, no próximo mês.
*Docente do Instituto Politécnico de Leiria