Agora que já passou o Dia de Reis, o último do tempo das festas, terminou uma época repleta de solicitações, atenções, alegrias, partilhas, e encontros; ou também, por vezes, pontilhada por tristezas, desencontros ou mágoas antigas, que por estes dias recrudescem, ganham espaço, e ficam a bailar em silêncio, como lágrimas nos olhos, por entre a agitação da felicidade em volta. Terminaram os dias de excessos.
Dos bons e adoráveis excessos que sempre parecem ser inevitáveis mesmo quando se jura que, desta vez, se irão mesmo evitar.
Terminaram os desejos de Boas Festas no final de todas as conversas, os abraços demorados em cada despedida, a curiosidade de saber e a vontade de contar quem vai chegar de longe para se juntar à consoada, a procura dos presentes mais úteis e dos que apenas existem para que se possa mimar, e os doces carregados de ovos e canela.
Terminaram as férias. Terminaram os dias agregadores de pessoas, deixadas ir em embalos de ternuras, risos fáceis, delicadezas e pequenos perdões, apostadas em não deixar escapar qualquer possibilidade de se sentirem felizes, cientes de que no sorriso dos outros pode sempre vir a crescer o nosso.
Terminaram os dias de louças bonitas, toalhas especiais, receitas de mães e avós, uvas passas, brindes, e propósitos sérios. Passou o Dia de Reis e tudo se aquietou de repente.
A vida voltou ao costume e sabe bem voltar, assim, ao Sol. O ar permanece adocicado e feliz, mas agora há um silêncio quase novo, só para nós.
A cidade apagou os brilhos do Natal e ficou um pouco mais escura, talvez um pouco triste, mas entrega-se agora a um calendário propício a novidades de novo ano.
Para lá dela, os caminhos estão cheios de florinhas amarelas enterradas na terra escura, [LER_MAIS] alongam-se as sombras desgrenhadas das árvores nuas, e no verde tão vivo da erva desenham-se a carvão as vinhas adormecidas.
A geada que chegou atrasada ao Natal brilha agora ao sol coado por um ar translúcido e esbranquiçado, a acinzentar o azul onde se desenha com imprecisão a linha do horizonte.
Há telhados, e fumo de chaminés, e pacatez. Há oliveiras e pinheiros e eucaliptos de folhas imóveis, e campos cuidadosamente sulcados, à espera; e tudo o mais parece estar à espera também. Não sei bem o que se espera, mas sei que este esperar faz bem.
Depois de tanto e de tantos, fica uma espécie de eco no silêncio que se faz agora e uma solidão tranquila nesta espera ignorante que afinal não o é, porque estamos apenas nós a voltar a nós lentamente, observando-nos, pensando-nos, e percebendonos depois da vida no olho do furacão de emoções e sentimentos.
Quem nos importa, afinal? O que nos faz bem, afinal? O que, e por quem, esperamos, afinal? Quem nos quer bem? O que nos lembra tanto que não é preciso lembrar, afinal, porque está, estará, perpetuamente ali? Não será assim para todos este tempo das Festas, não. Mas tomara que fosse.
Já comi todos os Ferrero Rocher, mas ainda não se apagou a luz da minha Árvore de Natal.
*Professora de dança