A humanização crescente relativa aos animais de estimação, no seio das famílias, face à mudança de paradigmas e configurações familiares, é absolutamente clara.
Augura-se o fim do estigma da servidão animal da qual decorre que o animal existe para servir o Homem, atenuando o peso da visão utilitarista do animal a favor da visão humanista.
Por decisão do Parlamento, os animais de estimação poderão acompanhar os seus donos aos estabelecimentos comerciais cujos proprietários o permitam.
Tal medida faz-nos crer que é nossa prioridade acompanhar condutas de países desenvolvidos. Porém, face à realidade portuguesa, antes de legislar sobre esta matéria há um longo caminho a percorrer.
Na Finlândia, por exemplo, os animais podem acompanhar os seus donos na grande maioria dos estabelecimentos comerciais, mas quando saímos à rua, e passeamos nas avenidas e jardins, não nos deparamos com dejetos e afins.
Os números relativamente ao abandono de animais e consequentes acidentes de viação e disseminação de doenças também são diminutos.
A nossa prioridade foi a de legislar para que os proprietários dos estabelecimentos comerciais possam vir a ser, verdadeiramente, apelidados de amigos dos animais, alargando, assim, os seus direitos.
Já que a tónica incide nos direitos dos animais, por que não legislar, de forma exigente, em relação aos maus-tratos e utilização dos animais para fins de entretenimento?
Numa altura em que se realizam referendos, relativamente à existência do espetáculo tauromáquico no programa da queima das fitas, a Universidade de Coimbra deu o pontapé de saída votando, notoriamente, contra as garraiadas.
[LER_MAIS] No que diz respeito às touradas, uma das principais expressões da tauromaquia, parece haver alguma contradição no que à defesa dos direitos dos animais diz respeito, numa sociedade cada vez mais consciencializada e sensibilizada para os mesmos.
Evocamos a arte, a cultura e a tradição quando nos referimos a uma diversão, com indiscutível peso económico, envolta de uma crueldade desmedida assente no regozijo dos participantes, ávidos de sangue na arena, em nome da tão afamada identidade nacional.
É bom relembrar que a tortura e as mortes na fogueira, também elas consideradas tradição, foram banidas no mundo dito civilizado. Não queremos, com toda a certeza, voltar à arena romana nem tão pouco à inquisição.
A cultura não é estática, está em permanente mutação, assim sendo a própria tradição reinventa-se, transforma-se. Tem vindo a manter-se a tradição sob o pretexto de que gostos não se discutem.
Discutem sim! Sobretudo quando implicam desrespeito, violência e crueldade face a um bem maior – a vida.
Está na altura de mantermos alguma decência civilizacional. Não temos, efetivamente, o direito de produzir sofrimento em qualquer animal, e pior, assistir impávidos e serenos à tortura bárbara e ainda apelidá-la de arte, cultura ou tradição, o que nada abona a favor de uma sociedade dita civilizada.
Só demonstra que o mais temível de todos os seres continua a ser o Homem. Há um longo caminho a percorrer, muito antes de proporcionar um bem-estar de "luxo" aos animais, concedendo-lhes uma ida ao restaurante!
Comecemos pelos bens essenciais dos quais dependem a sobrevivência e a vivência condigna de uma sociedade civilizada.
*Socióloga
Texto escrito de acordo com a nova ortografia