A situação arrasta-se há anos, mas António Gaspar ainda sente alguma tristeza quando passa junto ao antigo campo do Sport Clube Leiria e Marrazes, fechado e inutilizado. A euforia das tardes de futebol de outros tempos deu lugar ao silêncio e as ervas vão ganhando terreno no campo onde o guarda-redes Rui Patrício deu os primeiros passos na modalidade.
“Pelo menos, fecharam-no para impedir o vandalismo e vão limpando”, consola-se o morador, um dos “muitos” que trabalharam na construção do campo, inaugurado em 1969. “Ajudei nos muros, fiz os bancos de suplentes e a vedação. Mais tarde, trabalhei no bar”, conta António Gaspar, admitindo que já perdeu a esperança de voltar a ver o espaço ocupado com actividades desportivas. “O melhor é fazer casas. O sítio é bom e já tem casas à volta”, alega.
A ideia deste morador é partilhada por outros ouvidos pelo JORNAL DE LEIRIA, mas há também quem defenda a criação de um jardim com estacionamento e quem ainda sonhe com o regresso do desporto ao local.
O actual executivo da junta admite retirar da gaveta a proposta do plano estratégico, elaborado há quase 20 anos, que previa habitação, espaços comerciais, jardim, uma praça e ligação à Mata, mas o presidente da autarquia não se compromete com datas, já que antes é preciso encontrar uma solução para o pavilhão, que serve a EB 2,3 de Marrazes, o hóquei em patins do SC Leiria e Marrazes e a Associação de Patinagem Artística de Marrazes.
“Falta coragem”
“Se eu mandasse, era para o desporto. Só vejo ali desporto. Talvez campos de treinos para os escalões de formação”, diz João Rocha, antigo jogador do Marrazes, que representou entre 1963 e 1974. “Vivemos ali grandes dias de glória e outros momentos menos bons. O melhor foi a subida à II divisão nacional em 1976/77. Foi o culminar da minha carreira”, recorda o ex-atleta, que se mantém ligado ao clube como um dos treinadores dos petizes.
Quem já perdeu a ilusão de voltar a ver futebol no antigo campo dos Marrazes é Joaquim Silva, que foi dirigente do clube durante “mais de 20 anos”, tendo sido presidente em 1984. “Gostava de ver ali um parque desportivo para prática de futebol e outras modalidades, mas não acredito que isso venha a acontecer. O futuro passará pela urbanização do espaço, com a construção de casas. Nos tempos que correm, não me choca”, afirma, assumindo “já não sofrer” com o estado em que se encontra o espaço onde passou “muitas horas”. “Já me habituei. Não penso nisso”, confessa, lamentando, no entanto, o arrastar do processo. “Falta corarem para fazer alguma coisa.”
A mesma crítica é feita por Pedro Dinis, actual presidente da Direcção do Sport Clube Leiria e Marrazes, que considera “urgente” encontrar uma solução para o espaço que, “tal como está, não dignifica a história do clube e do local e o esforço das pessoas que trabalharam em prol do campo”.
“Lamento que o clube tenha sido empurrado para uma situação que o prejudicou, com a mudança para a Aldeia do Desporto, mas também lamento que, passados estes anos, continue sem haver uma solução para o antigo campo”, diz o dirigente. Questionado sobre o destino a dar à ex-casa do clube, Pedro Dinis admite a “rentabilização” do espaço, através da sua urbanização, mas com condições: “Que o clube seja envolvido e que sejam considerados os seus direitos e que no sítio fique marcada a história” do local.
“Não podemos continuar a ter uma visão romântica. É preciso avançar com a rentabilização do espaço, com uma solução harmoniosa e que se enquadre na zona”, acrescenta, frisando que se trata de uma opinião pessoal e não da direcção do clube.
Já Rui Craveiro, também morador na freguesia, considera que, se não tivesse sido construída a Aldeia do Desporto, o antigo campo devia ter sido remodelado. Como “agora não é possível”, defende que o espaço seja transformado “num grande jardim”.
Nova centralidade
Antiga presidente da Junta de Marrazes, Sofia Carreira lamenta que o plano estratégico de 2005 “não tenha saído do papel”, porque “era bom” para a freguesia, permitindo criar “uma nova centralidade” e “desafogar” aquela zona. “O que se preconizava era urbanizar de forma equilibrada e previa contrapartidas para o clube”, refere, defendendo que é preciso olhar para o futuro do antigo campo “com realismo, diálogo e ambição”.
Paulo Clemente, que lidera a junta, vê virtualidades nas propostas do plano estratégico, porque “respondem a várias necessidades”, nomeadamente habitação e ligação à Mata, mas assume que “não há recursos financeiros para fazer a enorme mudança” prevista.
“É preciso revolver o problema do pavilhão e decidir se fazemos um novo ou se o mantemos ali. No curto prazo, são necessárias obras, porque não está a cumprir com algumas regras”, avança o autarca, que admite que a solução para o antigo campo de futebol encontra-se “num impasse”. “Há muitas decisões a tomar.”