Como seriam os dias sem o Museu de Leiria, a Casa Varela, o novo Teatro Municipal de Ourém, o Centro de Diálogo Intercultural de Leiria ou o Museu das Máquinas Falantes? Basta recuar dez anos. Todos estes equipamentos – e também o Museu Nacional Resistência e Liberdade, a Galeria do Mosteiro da Batalha, o MIAT – Museu Industrial e Artesanal do Têxtil, a Central das Artes, a Surfer Wall no Forte de São Miguel, a segunda vida do Armazém das Artes e as obras na Igreja da Pena e no Museu do Vinho – surgiram depois de 2014, nos concelhos de Leiria, Alcobaça, Peniche, Batalha, Porto de Mós, Pombal, Ourém e Nazaré.
Ontem, e com concerto do ex-Trovante João Gil, foi inaugurada mais uma casa para a cultura em Leiria: a Black Box (Leia também: Black Box: uma nova incubadora de criação com acesso gratuito até cinco meses). E, até ao final do ano, é expectável que se abram pela primeira vez as portas do Centro de Artes Villa Portela.
Contas feitas, desde 2014, são 15 projectos e aproximadamente 20 milhões de euros, só em paredes e recheio.
O presidente da Câmara Municipal de Leiria e da Comunidade Intermunicipal da Região de Leiria (CIMRL) fala de uma nova geração de políticas (e de políticos) nas autarquias, nos últimos anos, com “maior sensibilidade para este tipo de investimentos”.
Nos ombros da Europa
“Há uma mudança”, acredita Gonçalo Lopes. “Estamos a alcançar um estágio de desenvolvimento que permite diversificar” e “o investimento na cultura passa também a ser um destes considerados prioritários, sobretudo na última década”, por promover “qualidade de vida” e “notoriedade”, considera o autarca, enquanto, no passado, “não havia essa preocupação”. Da lista no início do texto, só o MIAT e o Armazém das Artes são de iniciativa privada, embora contem com apoios públicos. Os restantes têm gestão municipal ou da administração central.
Determinantes, para evitar que os projectos morram na gaveta, parecem ser os fundos comunitários oriundos da União Europeia, que funcionam como incentivo para a tomada de decisão e, em geral, garantem mais de metade do financiamento. “Extremamente importantes”, reconhece Gonçalo Lopes. Em Leiria e noutros concelhos da região, a par da “aposta nas artes de palco”, com “apetrechamento de salas de espectáculos” e algumas “remodelações”, os milhões da cultura têm contribuído, segundo o presidente da CIMRL, para “uma dinâmica de reabilitação do edificado” e para fortalecer a “identidade histórica” e “local”.
Faltam direcções artísticas
Funcionários, dinheiro para programar, público. É depois da inauguração, perante o vazio do dia seguinte, que muitas vezes se colocam os maiores desafios. “O que falta ao território são estruturas de continuidade profissionalizadas que profissionalizam os seus actores”, assinala a investigadora Lígia Afonso, especialista em curadoria, gestão e programação cultural, que dá aulas na Escola Superior de Artes e Design de Caldas da Rainha (ESAD.CR). E “direcções artísticas”, com mandato para vários anos. “As câmaras devem dar orçamento e autonomia e capacitar equipas”, aponta. “As instituições têm de ser orçamentadas” e “a visão tem de ser negociada e discutida”.
Através dos museus, galerias, salas de espectáculos e centros de experimentação e criação instalados fora de Lisboa e do Porto, a descentralização torna-se uma palavra com significado real e acrescentam-se apeadeiros para a circulação de obras e artistas, além de condições para o florescimento de redes de encontro entre o local, o nacional e o internacional – e, na perspectiva de Lígia Afonso, que trabalhou na Guimarães 2012 e na candidatura de Leiria a Capital Europeia da Cultura, “é fundamental” que os projectos “trabalhem em parceria com as escolas, nomeadamente, sendo capazes de absorver nas suas equipas estudantes e ex-estudantes com formação nas áreas da programação e gestão cultural”.
Próximos investimentos
E depois da Black Box e da Villa Portela, há “mais obra para fazer no castelo” e “mais reabilitação de património histórico”, antecipa Gonçalo Lopes, que também admite o alargamento da biblioteca municipal e a reconversação das instalações do Instituto da Vinha e do Vinho num espaço ligado às indústrias criativas. “Na área da cultura, há tendência para manter este investimento”, afirma.
Entretanto, os municípios estão em simultâneo focados noutras prioridades, que vão pontuar o futuro próximo, mais uma vez em sintonia com as orientações da União Europeia: sustentabilidade, energia, mobilidade, transportes, habitação.
2024: Black Box, Leiria
Com inauguração ontem, 22 de Maio, feriado municipal, é uma nova plataforma de criação artística que também pode acolher espectáculos. Está instalada nos níveis inferiores do antigo Paço Episcopal, o edifício onde funciona a Loja do Cidadão de Leiria. Custou milhão e meio de euros e soma 1.931 metros quadrados distribuídos por três pisos.
2024 (previsão): Villa Portela, Leiria
Uma espécie de Serralves ou Gulbenkian à escala de Leiria, com obras contemporâneas e um imenso jardim. A transformação do chalê do século XIX em centro de artes para exposições, residências e espectáculos representa um investimento de 2,8 milhões de euros. Deverá abrir ao público no final do ano ou no início de 2025. Rita Gaspar Vieira assume a direcção artística até 31 de Dezembro de 2024. Só no chalê, o projecto prevê 334 metros quadrados de área expositiva.
2024: Museu das Máquinas Falantes, Alcobaça
Os fonopostais enviados para o ultramar, os rádios que Salazar quis para propaganda, o fonógrafo de Edison, os gravadores favoritos dos agentes secretos, e muito mais. Inaugurado nos 50 anos do 25 de Abril, após um investimento de 400 mil euros. Em 320 metros quadrados, no centro histórico de Alcobaça, descobrem-se aproximadamente mil objectos (de um acervo com 5 mil itens) alusivos a 200 anos da história da música mecânica, das telecomunicações e da radiodifusão.
2024: Museu Nacional Resistência e Liberdade, Peniche
A abertura, com o projecto de musealização concluído, aconteceu a 27 de Abril de 2024, meio século após a libertação dos presos políticos. Logo à entrada da Fortaleza de Peniche, há 2.626 nomes já identificados no memorial, que se refere ao período entre 1934 e 1974. Um investimento de 4,3 milhões de euros para investigar, preservar e comunicar a memória da resistência ao regime fascista português.
2023: Reabertura do Armazém das Artes, Alcobaça
Talvez o maior centro cultural da região, com dois mil metros quadrados de área expositiva, um auditório e várias zonas de trabalho. A menos de cem metros do Mosteiro de Alcobaça, é um abrigo para o cinema, a fotografia, o teatro, a dança, a arquitetura, a escultura, a literatura, a pintura e a música. Estava encerrado desde 2012 e reabriu em Março de 2023.
2023: Galeria do Mosteiro da Batalha
A antiga cozinha do Mosteiro da Batalha funciona desde Janeiro de 2023 como galeria para exibição de peças de escultura, pintura ou fotografia e já recebeu exposições de António Carmo, Florentina Voichi e Nelson Ferreira. É a primeira vez que o monumento tem um espaço exclusivo para o encontro entre as artes e o público.
2022: Central das Artes, Porto de Mós
Em tempos, tinha sala de cinema, onde o electricista-chefe projectava filmes. Construída nos anos 30 do século XX, e inactiva durante décadas, a antiga central termoeléctrica a carvão é, desde Junho de 2022, a Central das Artes, em Porto de Mós, fruto de um investimento de 3,2 milhões de euros. Acomodou, entretanto, exposições com autores nacionais e internacionais, como Álvaro Siza, Joana Vasconcelos, Vhils ou Malangatana.
2021: Casa Varela, Pombal
No antigo armazém grossista em Pombal desenhado, há mais de cem anos, pelo arquitecto Ernesto Korrodi, descobre-se uma programação contemporânea e progressista. Aberto ao público em Abril de 2021, após obras no valor de 700 mil euros, o centro de experimentação artística coloca em primeiro plano a música, as artes visuais e as artes performativas, através de residências, workshops, concertos e espectáculos.
2021: Requalificação da Igreja da Pena, Leiria
Causou polémica, a reabilitação inaugurada em Maio de 2021, por transformar, profundamente, a aparência da Igreja de Nossa Senhora da Pena, construída na Idade Média, no Castelo de Leiria. A ruína antes aproveitada, por exemplo, para concertos do festival Entremuralhas, é agora uma sala de espectáculos coberta, com capacidade para algumas dezenas de espectadores, onde já actuaram Carlos Zíngaro, os Telectu e o Sei Miguel Trio, entre outros.
2021: Requalificação do Museu do Vinho, Alcobaça
Novas áreas de exposição e de acolhimento de eventos, e um novo núcleo museológico, depois do investimento de 460 mil euros, inaugurado em Maio de 2021, em Alcobaça, naquele que é considerado o maior e mais completo museu do vinho do País.
2021: Requalificação do Teatro Municipal de Ourém
António Zambujo, Camané, Capitão Fausto, Adriana Calcanhoto, Tim Bernardes, Mário Laginha, entre muitos outros, da música ao teatro, da dança ao novo circo, actuaram no Teatro Municipal de Ourém, que, dirigido por um antigo director-geral das artes, João Aidos, tem marcado a agenda cultural desde a reabertura, em Junho de 2021. O investimento avaliado em 2,7 milhões de euros criou um moderno auditório de 441 lugares e uma segunda sala, mais intimista, vocacionada para cinema, exposições e espectáculos de menor dimensão.
2020: MIAT – Museu Industrial e Artesanal do Têxtil, Mira de Aire
Convida a descobir uma época de ouro do têxtil em Portugal, em que Mira de Aire (onde o MIAT está instalado, numa antiga fábrica de tapetes, resultado de um projecto de 700 mil euros) e Minde formaram um dos mais importantes eixos industriais. Em dois pisos, mostra equipamentos e dá a conhecer ciclos de produção.
2017: CDIL – Centro de Diálogo Intercultural de Leiria
A partir da reabilitação da Igreja da Misericórdia, construída no século XVI no lugar da sinagoga medieval e já dessacralizada, abriu ao público, em Julho de 2017, após um investimento de 700 mil euros, o Centro de Diálogo Intercultural de Leiria, que interpreta a convivência, ao longo de séculos, de três religiões: o cristianismo, o judaismo e o islamismo. Em paralelo, mantém uma programação com concertos, espectáculos e conferências.
2016: Surfer Wall, Nazaré
Janela para as ondas gigantes da Praia do Norte, o Forte de São Miguel Arcanjo está aberto todo o ano com centro interpretativo desde 2015 e inclui um espaço museológico (inaugurado em 2016) que presta homenagem aos surfistas que mais se têm destacado na Nazaré, a Surfer Wall.
2015: Museu de Leiria Um investimento de 2,8 milhões de euros tornou o antigo Convento de Santo Agostinho na casa do Museu de Leiria, inaugurado, nas actuais instalações, em Novembro de 2015. Através da arte, da numismática e da arqueologia apresenta uma narrativa desde a pré-história à época moderna. Várias vezes premiado, destacam-se o Stilletto Prize, a integração no clube The Best In Heritage e o Dibner Award, todos internacionais. A programação contempla regularmente música ao vivo, teatro, literatura e outras artes.
E ainda: 2010-2014
No período de cinco anos entre 2010 e 2014, surgiram o MCCB – Museu da Comunidade Concelhia da Batalha (2011), o Centro Cívico de Leiria (2012), o Núcleo de Arte Contemporânea do Museu do Vidro da Marinha Grande (2013), o Museu e Centro de Artes de Figueiró dos Vinhos (2013), a Casa da Cultura de Pedrógão Grande (2013) e ainda, no contexto da requalificação do Teatro Stephens, a Casa da Cultura da Marinha Grande (2014).