O relatório da Fundação Francisco Manuel dos Santos (FFMS), “Emprego em Portugal: Riscos e oportunidades da automação”, que analisa o impacto da digitalização, automação e inteligência artificial no mercado de trabalho português, revela que o distrito de Leiria, pela sua base industrial assente nos moldes, cerâmica, plásticos e vidro, pode enfrentar impactos com a aplicação de tecnologias de Inteligência Artificial (IA).
O documento sublinha que, tanto Leiria como Braga, Aveiro e Viana do Castelo necessitam de aumentar a sua diversificação económica, enquanto regiões como Lisboa, Porto e Coimbra, com mais serviços e centros de I&D, devem focar-se na inovação.
O estudo agrupa as profissões em quatro áreas: “profissionais em colapso”, com alto risco de automação, “profissionais dos humanos”, com baixo risco e baixo benefício da digitalização, “profissionais em ascensão”, com baixo risco e alto benefício” e “profissionais das máquinas”, com futuro incerto.
Leiria, apesar do seu substrato, consegue inserir-se no grupo dos distritos a meio da tabela, com previsão positiva, entre aqueles que apresentam mais emprego e profissões em ascensão e menor quantidade de profissões em colapso.
O valor é de 22,5, de 0 a 100.
Lisboa, por comparação, alcança 32,8, e Aveiro, 21,7.
Em relação às profissões em colapso, Leiria apresenta um valor de 40, Lisboa apenas 27, e Aveiro 44,8.
Nova “revolução industrial”
“Se fosse há alguns anos, diria que todas as profissões estariam em risco com a IA.
Estava pessimista, mas, agora, estou mais optimista”, afirma o director-geral da Startup Leiria.
Vítor Hugo Ferreira acredita que assistiremos não ao fim de profissões, mas da sua natureza. Após um período de ajustamento, onde ocupações rotineiras e repetitivas serão entregues à IA, poderemos assistir a um aumento de produtividade.
“Em áreas como a TICE [Tecnologias de Informação, Comunicação e Electrónica], a aplicação da IA permitiu, por exemplo, que 30 pessoas façam o trabalho de 100, porque os programadores séniores estão livres, sem a preocupação de operações que podem ser automatizadas”, afirma.
Naturalmente, as pessoas que ficam de fora terão de procurar outros trabalhos em profissões onde as soft skills, aplicadas à IA, são mais importantes, como a criatividade, a cultura geral e o conhecimento sobre o mundo.
Vítor Hugo Ferreira acredita que, na região de Leiria, haverá lugar para mais projectistas ou pessoas na área das vendas, do que para operários em chão de fábrica.
Mas, atenção, o director-geral da Startup Leiria sublinha que, na interacção entre seres humanos e máquinas inteligentes, é indispensável fazer-se uma análise crítica e criativa à resposta fornecida pela IA.
“Infelizmente, vemos nas aulas alunos que não conseguem sequer fazer prompt [dar instruções ou fazer perguntas a um modelo de IA, para que gere uma resposta e execute uma tarefa]”, aponta, concluindo que seria “fundamental” que, no ensino superior, houvesse unidades curriculares de História e Filosofia, pois há o perigo de algumas pessoas menos (in) formadas “levarem à letra aquilo que é cuspido pelos LLM [modelos de linguagem como o Gemini ou ChatGPT].”
Para Miguel Silvestre, director- -executivo do Óbidos Parque, parque tecnológico de Óbidos, as profissões com uma componente mais social, na área da saúde e cuidados ou manuseamento de hardware são das mais seguras perante a revolução da automação.
“Por outro lado, áreas como a programação podem sofrer um abandono”, entende.
Apesar de tudo, acredita que o potencial de negócio que as ferramentas baseadas em IA providenciam é muito grande.
“Haverá uma alteração nos modelos de contratação, com equipas menores, sempre que se puder aplicar automação em tarefas com rotinas e repetição. Mas poder-se-á potenciar o empreendedorismo, apoiado pelas ferramentas de IA”, afirma.
Neste “admirável mundo novo”, novas profissões, em novas áreas, ganharão força, como a de “prompt designer”, o especialista que cria os modelos de interacção com os LLM.
“Em Portugal, há muito receio face às oportunidades. É preciso escolher a bonança e não fazer disto um travão à sua utilização”, afirma Miguel Silvestre, reconhecendo que o assunto tem de ser mais trabalhado nos modelos de economia e nas escolas.
Nos estabelecimentos de ensino, entende, a expressão oral e em ambiente de aula têm de ter um papel mais importante do que os trabalhos escritos, já que estes permitem o uso não controlado da IA.