Meu Caro Zé, “Aproxima-te um pouco de nós, e vê? O País perdeu a inteligência e a consciência moral. Os costumes estão dissolvidos e os carateres corrompidos.
A prática da vida tem por uma única direção a conveniência. Não há princípio que não seja desmentido, nem instituição que não seja escarnecida. Ninguém se respeita. Não existe nenhuma solidariedade entre os cidadãos.Já não se crê na honestidade dos homens públicos.
A classe média abate-se progressivamente na imbecilidade e na inércia. O povo está na miséria.
Os serviços públicos são abandonados a uma rotina dormente. O desprezo pelas ideias aumenta em cada dia. Vivemos todos ao acaso.”
Calma, Zé! Isto não são palavras minhas, mas de Eça de Queiroz há quase 150 anos, em Uma Campanha Alegre. E pelo que vejo, ouço, e leio, tive receio que pensasses que eu estava a descrever o que se passa hoje em Portugal, achando que eu estava a exagerar.
Concordo! É óbvio que é exagero e nem tudo é assim. Mas, já agora, deixa-me respigar só duas frases: “A prática da vida tem por única direção a conveniência” e “Já não se crê na honestidade dos homens públicos”.
Porquê? Porque elas permitem uma reflexão séria sobre o votar em Portugal hoje, em que, para o comum das pessoas, a “política” (porque não há política sem aspas) está desacreditada. E não pode estar! E, para isso, o primeiro passo está em alterar a prática da vida, isto é, não viver nem estar por conveniência!
É que “estar por conveniência” dá razão a Eça de Queiroz quando refere falta de solidariedade, princípios abalados, falta de consciência moral.
E pergunto-te a ti, a mim, e a todos: se cada um de nós vota por conveniência, que legitimidade, que autoridade moral temos para exigir honestidade e sentido de serviço aos nossos políticos? Não são eles uma emanação da sociedade [LER_MAIS] que criamos?
Então, não será altura de percebermos que está em causa o bem comum e não só o de cada um? E para escolhermos os nossos representantes no Parlamento, não deverá ser esse o critério de escolha? Mas, chegado aqui, quase desespero!
É que não nos deixam votar em candidatos a deputados, mas sim nuns “emblemazinhos”, alegadamente representativos de partidos que já fizeram uma primeira escolha. Dizem que podemos escolher programas, mas estes são apenas um conjunto de promessas (não de compromissos dinamicamente escrutináveis) pelos quais não podemos pedir contas a ninguém especificamente.
Espera! Talvez não seja assim! É que parece que, afinal, estas eleições são para escolher um “primeiro- – ministro”.
Mas eu não vejo a cara deles em nenhum dos boletins de voto e nas últimas eleições parece que a escolha não foi exatamente essa. Para dar a volta a isto, temos de mudar o sistema.
E o primeiro passo a dar agora é ter muita atenção em cada círculo eleitoral, não só, nem principalmente, aos tais candidatos a primeiro-ministro, mas àqueles que figuram na nossa lista, procurando conhecê-los bem, se possível.
Não muda tudo, mas é um passo para uma maior legitimação democrática. Sem isso, continuaremos com uma “campanha alegre” de Eça.
Até sempre,
*Professor universitário
Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990