Durante a primeira vaga de migração judaica para a Palestina, sob o pretexto da Declaração Balfour, de 1917, um homem refugiado e empobrecido chega da Europa após a Primeira Guerra Mundial e instala-se na casa de uma mulher. Gradualmente, tenta exercer controlo e expulsá-la dali, apesar de ela viver feliz, com os frutos dos seus pomares de laranjeiras.
A história, que abarca um período de 75 anos, é contada na peça Oranges and Stones, que a companhia Ashtar Theatre, da Palestina, leva a palco no próximo domingo, 13 de Julho, em Leiria (18 horas, estúdio Leirena Teatro, no salão da união das freguesias de Marrazes e Barosa).
Contratado em parceria com a embaixada da Palestina em Portugal, o espectáculo – sem palavras, baseado inteiramente em acção física e música original – marca o último dia da edição de 2025 do Festival Novos Ventos.
Que história estão prestes a apresentar em Leiria?
A nossa performance, Oranges and Stones, explora a experiência humana sob ocupação e os fragmentos do quotidiano que se tornam simultaneamente pesados e esperançosos. É um vislumbre poético da resiliência — as pedras simbolizam a resistência e a luta, enquanto as laranjas evocam a terra, a memória e o sentimento de pertença. Para nós, não se trata apenas de contar uma história da Palestina, mas de convidar o público a sentir, a questionar e a recordar que a liberdade e a dignidade são universais.
O que significa para vós poderem conectar-se com público de outros países?
É profundamente significativo. Cada vez que actuamos no estrangeiro, criamos um espaço de diálogo que transcende a política e as manchetes, mas que também ensina o contexto histórico da ocupação. Permite parcerias significativas, inspiração, troca de ideias e conversas, colaborações, fortalecendo a solidariedade através da experiência directa connosco — permitindo ousar fazer perguntas e acolher verdades que, por vezes, são desconfortáveis. Para nós, encontrar públicos noutros países é um acto de ligação e solidariedade; é uma forma de lembrar ao mundo que nós, enquanto artistas, guardamos histórias que não só merecem ser ouvidas e sentidas, mas que têm de ser contadas e partilhadas, e assim continuamente documentadas. Estes encontros permitem-nos humanizar a nossa luta e construir pontes de compreensão e compaixão, apesar de todas as tentativas feitas para o tornar impossível.
Acreditam que os artistas e a arte podem ajudar a encontrar o caminho para a paz? Como?
Sem dúvida. A arte tem o poder de tocar onde a política muitas vezes não consegue: no coração e na imaginação, de inspirar a planear o futuro, a resistir em conjunto. Enquanto artistas, somos embaixadores — não pretendemos ter todas as respostas, mas muitas vezes carregamos o fardo de responder a perguntas, apesar das dúvidas constantes e da situação em constante mudança. Também colocamos as questões que precisam de ser feitas. O teatro, em particular, dá às pessoas permissão para sentir, para ver o “outro” como humano, e para imaginar novas possibilidades. No nosso caso, as nossas performances criam espaço para o luto, a resistência e a esperança, assim como para o planeamento do futuro — tanto o mais próximo como o mais distante. Neste espaço, plantamos sementes de pensamento crítico, de afirmação individual e colectiva, de união e de uma recuperação cívica do poder.
Qual é a vossa rotina actualmente? Foi fácil viajar para Portugal?
Vivo em Jerusalém. Desloco-me diariamente até ao Ashtar, uma viagem que deveria durar 20 minutos, mas que demora mais de uma hora (por vezes muito mais), devido à ocupação israelita da Palestina. Este é o nosso tempo, o nosso dinheiro, a nossa vida que é artificialmente (e intencionalmente) dificultada, senão desperdiçada. Como muitos artistas da nossa companhia, permaneço lá apesar de todas as dificuldades. A minha rotina é preenchida com ensaios, oficinas com jovens, criação constante, bem como o trabalho de arquivo e documentação do nosso percurso artístico dos últimos 35 anos — tudo marcado pelos desafios de viver sob ocupação. Viajar para o estrangeiro nunca é fácil para os palestinianos: autorizações, fronteiras, postos de controlo, vistos, verificações adicionais, perguntas injustas e abordagens tendenciosas tornam a mobilidade complicada, cansativa, dispendiosa, frequentemente perigosa, e por vezes mesmo impossível. Ainda assim, estar aqui em Portugal é um testemunho da nossa perseverança e do poder da troca cultural — do poder das nossas nações a trabalharem juntas para desafiar a força colonial que nos quer silenciar e tornar inacessíveis. Estamos gratos por sermos acolhidos aqui.