Quando quis saber mais sobre o período em que o pai, Horácio Araújo, estudou e viveu no seminário dominicano de Aldeia Nova, na zona de Ourém, nos anos 50 e 60 do século passado, o realizador Filipe Araújo surpreendeu-se: a maioria dos antigos seminaristas abandonou a vocação e constituiu família e o que se imaginaria como colégio interno conservador, longe do afecto das origens, a funcionar num imóvel sinistro controlado por homens de branco no isolamento de uma aldeia sem electricidade nem água corrente, revela-se, afinal, uma experiência feliz para dezenas e dezenas de adolescentes e pré-adolescentes e um lugar onde se sentiam mais livres, entre paredes, do que os habitantes da povoação, do lado de fora, governados em plena ditadura salazarista no Portugal do Estado Novo.
“O que estes jovens ganham é acesso ao mundo numa altura em que o País está fechado sobre si mesmo”, explica Filipe Araújo. “Acesso a todo o tipo de conhecimento, às ciências”, num espaço que o realizador descreve como “uma pequena ilha, um farol de luz”, a brilhar em meio rural. “Foi um pequeno milagre que aconteceu ali”.
O Casarão estreou comercialmente na quinta-feira, 18 de Novembro, em salas Cinema City de Leiria e Lisboa. O filme assinado por Filipe Araújo foca-se no edifício, entretanto vendido, que apodrece abandonado à sombra do mercado imobiliário e à espera da palavra inevitável: investimento. Em tempos, “o mais progressista seminário católico português durante a ditadura”. É assim, pelo menos, que muitos o recordam.
Um grupo de antigos alunos reencontra-se todos os anos, em Outubro. Filipe Araújo descobriu-os por acaso na internet, depois da morte do pai. E o documentário começou a ganhar forma. “Sim, eu andava à procura do meu pai nos seminaristas”, admite. Acabou por descobrir o que os une: o humanismo aprendido no seminário dominicano de Aldeia Nova, onde em tempos também deu aulas frei Bento Domingues.
O caseiro, António, guia a narrativa de O Casarão, em contraponto com a voz colectiva dos antigos alunos, construída a partir de cartas, diários, textos dispersos e até um excerto do romance Gente Feliz com Lágrimas, do escritor João de Melo, antigo seminarista de Aldeia Nova.
Meio século separa o Portugal de então e o Portugal de hoje e a ligação encontra-se no imóvel com história caído no esquecimento, metáfora visual do processo de laicização do país e retrato da progressiva desertificação da província, que funcionou como seminário de 1947 a 1975.
Memórias desse período, Filipe Araújo recebeu-as do pai, efabuladas e contadas como histórias para adormecer. Horácio Araújo, professor universitário e investigador, único de cinco irmãos de uma aldeia do Minho a seguir os estudos, tinha 10 anos quando ingressou no seminário de Aldeia Nova, que frequentou de 1954 a 1964, numa fase em que os estratos da sociedade com menos possibilidades económicas, nos contextos rurais, viam a via militar e a via religiosa como únicas alternativas para o acesso a conhecimento sistematizado e escolarização.
Com música de Ana Araújo, irmã de Filipe Araújo, O Casarão tem 72 minutos e é uma co-produção Blablabla Media com a RTP.