PUBLICIDADE
Na primeira troca de palavras fica claro que o futebol é uma das paixões de João Carlos. “Sou apanha-bolas em Figueiró [dos Vinhos]. Mal a bola sai, já lá estou”. Mas rapidamente percebemos que tem outro amor: a jardinagem e as ervas aromáticas.
Em passo apressado, quase como se fosse atrás de uma das bolas saída do relvado, conduz-nos por um corredor, ladeado de canteiros com diversas espécies de plantas, para nos mostrar a sua “preferida”: a erva-príncipe.
Pelo meio, explica-nos como chegaram àquele ponto. “Primeiro, preparámos o terreno, como se fosse uma cama. Tirámos as pedras e as raízes e pusemos a tela. Depois, plantámos. Agora, já estamos a colher”, descreve, sublinhando que se trata de um trabalho de equipa, “como no futebol”. “Acho que nasci para isto”, confessa, com os olhos postos nos canteiros.
João Carlos é um dos 16 beneficiários do Ervas da Vila, um projecto da Cercicaper, instituição de Castanheira de Pera que apoia cidadãos com deficiência ou incapacidade e em risco social, que visa a integração dessas pessoas no mercado de trabalho.
Iniciado em 2016, o projecto envolve o cultivo de plantas aromáticas, condimentares e para infusões e surgiu associado ao curso de jardinagem ministrado no centro de formação profissional da instituição.
“Queríamos criar uma resposta nova, que desse trabalho a quem termina a formação”, explica Joana Santos, técnica da Cercicaper. Depois de “vários percalços”, devido “à falta de experiência e de conhecimentos na área”, o projecto ganhou uma “segunda vida” em 2019, com uma candidatura ao programa Portugal Inovação Social, à qual o município se associou como investidor social.
“O nosso compromisso é que os beneficiários ganhem competências[LER_MAIS] que os ajudem a inserir-se no mercado de trabalho. Sabemos que não é fácil no meio em que a Cercicaper está inserida, mas quisemos dar o exemplo à comunidade”, afirma Suzel Santos, presidente da Direcção da instituição, revelando que dois dos formados já conseguiram colocação no mercado de trabalho.
Esse é também o desejo de Cristina, que o JORNAL DE LEIRIA encontrou a arrancar ervas em redor dos pés de fisális que crescem na estufa do projecto, desenvolvido em terrenos adjacentes ao centro de acolhimento temporário da Cercipaper.
“Temos aqui um pouco de tudo: hortelã- maçã, camomila, alfazema, lúcialima, cidreira, erva-príncipe, cavalinha…”, enumera Cristina. Conta que“nasceu e cresceu no campo. “Não estudei. Só tenho a terceira classe mal feita.” Mas se de letras “pouco” sabe, de plantas percebe bastante, afiança Joana Santos. “É o Ronaldo do campo”, brinca a técnica.
Cristina não se atreve a tamanha comparação, mas assume que gosta “muito” do contacto com a terra. “Prefiro estar aqui do que na área das embalagens”, confessa. Também não aprecia a parte das vendas.
É que, além da produção das ervas, os beneficiários do projecto participam em “todo” o processo, desde a secagem, passando pela embalagem e pela venda, feita em mercados e feiras da região, eventos e, desde Janeiro, na loja online do projecto.
“Fazemos questão de os envolver na comercialização, através do contacto com os clientes, e até no marketing, com vídeos de promoção nas redes sociais”, salienta Francisca Carvalho, também técnica da instituição, frisando que essa é uma forma de os beneficiários desenvolverem competências sociais.
E, se Cristina é “o Ronaldo do campo”, João Carlos e Paulinho são uns craques nas vendas. “Fazem uma boa dupla”, garante Carla, que prefere “mexer na terra”. “Gosto do ar puro. Não gosto de estar muito tempo fechada”, alega, enquanto vai arrumando algumas ferramentas, sinal de que a jornada de trabalho está a chegar ao fim.
A criação da loja online faz parte da estratégia para incrementar as vendas, que incluiu também a “entrada ao serviço” de um equipamento de desidratação e a transformação de uma antiga garagem anexa aos terrenos num espaço de apoio ao projecto, avança Joana Santos, relevando ainda que está a ser implementado um sistema de segurança alimentar, para “garantir produtos com a melhor qualidade possível”.
O grande objectivo “é tornar o projecto auto-sustentável”, assume a presidente da Cercicaper.
Constituída há 45 anos, a Cercicaper dispõe de um centro de actividades de capacitação e inclusão, um lar residencial, uma casa de acolhimento residencial para crianças em risco, uma residência autónoma e um centro de formação profissional.
Tem ainda uma equipa local de intervenção precoce na infância, que actua nos concelhos de Castanheira de Pera, Figueiró dos Vinhos e Pedrógão Grande, e é centro de recursos para a inclusão nos agrupamentos de escolas de Castanheira de Pera e Figueiró do Vinhos.
