Portugal quer duplicar exportações de calçado técnico para 100 milhões de euros até 2029, aproveitando investimento NATO na defesa. Mas um sector dominado por interesses próprios poderá representar dificuldades.
A APICCAPS – Associação Portuguesa dos Industriais de Calçado, Componentes, Artigos de Pele e seus Sucedâneos revelou que pretende duplicar as exportações de calçado técnico, para que os fabricantes nacionais consigam atingir um volume de negócios de 100 milhões de euros até 2029.
Para isso, está a desenvolver a agenda mobilizadora FAIST, com 45 parceiros, cuja meta é o desenvolvimento de tecnologia para responder ao mercado.
“Estamos atentos ao aumento de investimento previsto na defesa”, revelou o presidente da associação Luís Onofre, em declarações à PortugalNews, órgão digital do Aicep.
Recordando que Portugal conta com uma tradição no fabrico de fardamento e calçado para o “fornecimento das principais forças de segurança e militares europeias”, e prevendo um “expectável reforço da dotação orçamental dos países da NATO em matéria de defesa”, considera haver uma oportunidade para a indústria portuguesa de calçado.
Florbela Silva, coordenadora da FAIST, citada pela mesma fonte, acredita que esta agenda está a “reposicionar a indústria de calçado em Portugal no plano internacional” e que a “reindustrialização e o uso de processos de elevada produtividade estão a permitir às empresas fabricar mais rápido e a preços competitivos, conseguindo entrar nas grandes cadeias de distribuição, nomeadamente nos segmentos mais técnicos”.
Optimista, está também Reinaldo Teixeira, presidente do Centro Tecnológico do Calçado, que destaca a capacidade instalada, que permite, na sua óptica, “alargar a oferta, mesmo no segmento militar”, salientando que, no contexto actual de aumento de investimento na defesa, “a indústria portuguesa será uma opção natural”.
Já Teófilo Leite, responsável pela delegação nacional da International Chamber of Commerce (ICC Portugal), ressalva que “a produção de calçado prossional é muito exigente”, obrigando a certicação em diversos parâmetros.
“Rigor e paciência são os primeiros requisitos, antes mesmo de idealizar bons modelos, seleccionar os melhores materiais, ter as melhores equipas produtivas, investir em tecnologia de vanguarda, ter capacidade diária para testar materiais e produtos”.
Receio dos poderes instalados
O gerente da Trofal, da Benedita, Luís Couto mostra-se hesitante em relação a um negócio e uma oportunidade que, de outro modo, consideraria, uma enorme “mais-valia” e uma “excelente oportunidade” para a indústria portuguesa de calçado especializado e também para a de fardamento, “se fosse um esforço sério e honesto”.
“Somos das poucas empresas especializadas em Portugal para o fabrico militar, mas preferimos não concorrer”, afirma, sem esconder a revolta.
O industrial instalado há 47 anos, na Benedita, acusa “a alta corrupção que existe na aquisição de calçado militar”, como responsável pela perda, só no seu caso, “de milhões de euros”, em possíveis encomendas.
“Fomos a primeira empresa, em Portugal, a receber a certificação ISO 9002(9001) que nos permitia produzir para várias forças de segurança, contudo, fomos excluídos por razões inexistentes, quando não alinhámos em esquemas nas encomendas”, denuncia e recorda que a Trofal chegou a receber como justificação para exclusão o argumento de que os seus produtos não eram produzidos segundo o sistema Goodyear, quando foi esta a empresa pioneira na introdução da técnica no País.
“O poder político, se estiver mesmo interessado em abrir-nos as portas deste novo mercado, tem de ter conhecimento daquilo que vai ter de enfrentar!”
Luís Couto mostra-se ainda mais pessimista na previsão de entrada de empresas nacionais no sector, descrevendo uma recente reunião, no Porto, destinada a preparar a produção e fabrico de botas militares para a frente de batalha na Ucrânia e onde estariam presentes fabricantes de calçado especializado.
“Na véspera, foi tudo adiado uma semana. Na semana seguinte, foi novamente adiado e nunca mais aconteceu. A panelinha estava toda feita!”, resume.
O empresário assegura que já foram feitas denúncias, mas que não surtiram quaisquer efeitos.
“Nos últimos 30 anos, as Forças Armadas gastaram, todos os anos, o triplo daquilo que precisam, com receio que lhes cortem os orçamentos anuais”, acredita.