As empresas portuguesas da indústria estão a pagar, em média, a 73 dias, mais dez do que os normalmente combinados. Prazos que ficam acima da média europeia, que não chega aos 50 dias.
As conclusões são do último estudo da Intrum Justitia, que revela que em Portugal 85% das empresas já aceitaram datas de pagamento mais alargadas do que as acordadas.
O relatório Industry White Paper apurou ainda que quando as empresas lidam com a Administração Pública a situação se agrava.
“Na indústria, o prazo médio de pagamento concedido é 50% superior ao da Europa e, mesmo assim, o prazo médio de pagamento é largamente ultrapassado, com uma demora, em média, de 106 dias para liquidar as suas dívidas, bem superior à da Europa, que demora apenas 49 dias”, explica o trabalho.
“O pagamento tardio na indústria é comum, e continuamos a verificar um aumento do risco e da pressão para que as empresas aceitem prazos de pagamento mais longos. A não inversão desta situação é preocupante e os atrasos de pagamento têm várias consequências negativas na estabilidade e saúde financeira das empresas”, aponta Luís Salvaterra, director-geral da Intrum Justitia.
Uma das indústrias onde se verifica o aumento dessa pressão é a dos moldes. “Sente-se de ano para ano, de mês para mês”, aponta João Faustino, presidente da Cefamol.
O dirigente diz que há cada vez mais pressão da parte dos clientes, por norma da indústria automóvel, para que a primeira factura seja emitida apenas 18 meses depois de iniciada a encomenda.
João Faustino, também administrador da TJ Moldes, na Marinha Grande, diz que na indústria de moldes a norma é que os clientes paguem aos fornecedores a 90 dias, mas que isso raramente se verifica.
E aponta um exemplo concreto. “Se a minha empresa emitir uma factura com data de 5 de Abril, os tais 90 dias só começam a contar no final desse mês. Deveríamos receber no fim de Julho, mas o que acontece é que só nos pagam a 20 de Agosto”.
“Esta é uma questão, mas não é a única”, diz o empresário. “Pode haver contratos que estipulem que a primeira factura só pode ser emitida cinco meses depois do início da encomenda”, exemplifica.
No seu caso, admite já ter perdido encomendas por não aceitar esta “pressão louca” para alargar os prazos de recebimento. Além da exigência de emissão das facturas cada vez mais tarde, os clientes tentam ainda dilatar esses prazos de pagamento acordados, acrescenta o empresário.
“Os fabricantes de automóveis não querem ter stock. Da saída do carro da fábrica até à sua venda há todo um processo logístico e quanto mais tarde o fabricante começa a encaixar dinheiro mais tarde começa a pagar aos fornecedores”, refere João Faustino. “Andamos nós [empresas de moldes] a financiar a produção das ferramentas necessárias para fabricar o carro”.
[LER_MAIS] Para aguentarem, as empresas “têm de ter uma estrutura financeira muito sólida”. De qualquer maneira, pode sempre haver o risco de quebras de tesouraria. “Podemos recusar uma ou outra encomenda, mas começamos a não ter muito por onde escolher, porque aquela é já uma prática generalizada na indústria automóvel”, explica o empresário.
“Todos procuramos alargar os prazos de pagamento aos nossos fornecedores. Infelizmente, há clientes que, por terem poder negocial para o fazer, exigem prazos acima do que seria razoável”, refere por sua vez Jorge Santos. Isto cria desequilíbrios e dificuldades de tesouraria às PME, que se vêem assim obrigadas a atrasar igualmente os seus pagamentos, aponta o presidente da Nerlei.
O também director-geral da Vipex, na Marinha Grande, adianta que “este ‘jogo’ de negociação de prazos cada vez mais alargados acaba por funcionar como uma bola de neve, sendo por isso natural que a pressão para prazos cada vez maiores se sinta”.
“A necessidade de garantir que não se perdem clientes, ou que se ganham alguns novos, é o principal factor que leva as empresas a aceitarem prazos cada vez mais alargados”, aponta. “Depois, infelizmente não temos um Estado exemplar neste tema que sirva de referência”.