A descoberta aconteceu em 1988, pelo mão de Pedro Cortes, engenheiro agrónomo que, no estudo ecológico da ribeira de Seiça, em Ourém, identificava uma pequena lampreia que, admitia, poderia representar “uma nova espécie para a Península Ibérica”. A confirmação chegou anos mais tarde, no final de 2012, mas com uma novidade ainda maior: tratava-se de uma espécie única no mundo, catalogada dessa forma por investigadores das universidades de Évora e de Lisboa e do Museu Nacional de História Natural e da Ciência, que a baptizaram com o nome de Lampetra auremenis (lampreia-do-nabão).
Quase uma década depois dessa classificação, que reconhece as características genéticas únicas da lampreia em causa, há boas notícias, que apontam para o alargamento da sua distribuição populacional ao troço da ribeira de Seiça que atravessa a cidade de Ourém. “Na última Primavera, em plena fase da desova, foi detectada a sua presença do troço citadino da ribeira, o que já não acontecia há muitos anos”, revela Domingos Patacho, membro da associação ambientalista Quercus, que explica este ressurgimento com a “melhoria do ecossistema ribeirinho”, em resultado do investimento na rede de saneamento e na construção da ETAR de Seiça, agora requalificada.
“Há 30 anos, havia esgoto a correr directamente para a ribeira. A situação é, hoje, incomparavelmente melhor. Voltar a haver lampreia é um sinal disso mesmo”, afirma o ambientalista. Mas, se a poluição já não será um problema para a espécie, há outras ameaças, alerta Domingos Patacho, que chama a atenção para a necessidade de adoptar “boas práticas” na gestão das linhas de água, evitando o recurso a maquinaria pesada em trabalhos de limpeza.
A lampreia-do-Nabão é um dos endemismos – designação dada a espécies limitadas a uma área geográfica e que não são encontradas naturalmente em nenhuma outra parte do mundo – que povoam a região. A propósito do Dia Mundial da Conversação da Natureza, que se assinalou no domingo, dia 28, o JORNAL DE LEIRIA dá a conhecer algumas dessas preciosidades.
Endemismos das Berlengas
Entre as mais de 100 espécies de porte herbáceo e arbustivos identificadas no arquipélago das Berlengas encontram-se, segundo o levantamento feito no livro Sítios de Interesse Botânico de Portugal Continental – Tombo II, quatro endemismos: Armeria berlengensis (armémia-das-berlengas), Pulicaria microcephala (erva-pulgueira-das-berlengas), Herniaria berlengiana (herniária-das-berlengas) e Echium rosalatum (viboreira-da-berlenga).
“Devido à antiguidade e isolamento da ilha e às particularidades do substrato rochoso”, estas plantas “adquiriram características que as tornam diferentes das congéneres continentais”, explica, no seu site, o Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas (ICNF), que classifica aquelas espécies como vulneráveis, “dada a pequena dimensão da área de distribuição”, mas “em bom estado de conservação”.
Entre as ameaças àquelas plantas estão, segundo o ICNF, a “agressão física e química causada pelo sobre-povoamento de gaivotas”, no caso da Armenia berlengensis, e a expansão de chorão (Carpobrotus edulis), que “abafa as populações de Hermiaria”, assim como a limpeza dos trilhos de forma não selectiva.
Subsolo guarda preciosidades
As profundezas dos maciços Estremenho e de Sicó albergam perto de duas dezenas de espécies únicas do mundo, entre insectos, pseudo-escorpões, bichos-de-conta, aranhas e escaravelhos. “[O Parque Natural das Serras de Aire e dos Candeeiros] É o único local do mundo habitado pela aranha cavernícola Nesticus lusitanicus”, exemplifica o ICNF, frisando que uma das “grandes particularidades” desta área protegida prende-se com o facto de albergar espécies endémicas de vida subterrânea. Estes animais, “denominados por troglóbios”, vivem exclusivamente no ecossistema subterrâneo, composto pelas grutas e fissuras ao longo dos calcários,
“São organismos altamente especializados e perfeitamente adaptados ao meio subterrâneo, sendo dele exclusivos. São de tal forma especializados que não sobrevivem na superfície”, salienta a investigadora Sofia Reboleira. Em declarações ao JORNAL DE LEIRIA, a bióloga frisa que estamos em presença de espécies com uma distribuição geográfica “muito reduzida”, que vivem “confinadas a determinadas grutas e aí ficam, tornado-se únicas desses territórios”.
Só bichos-de-conta endémicos desta região, a investigadora identifica nove espécies (três em Sicó, uma em Alcobaça, uma em Caldas da Rainha, uma em Fátima, uma em Casaredas e duas no Maciço Estremenho). Em Sicó, mas já no concelho de Penela, existe o “único escaravelho cavernícola aquático de Portugal”, o Iberoporus pluto, descrito em 2019 por Sofia Reboleira, que é docente na Faculdade de Ciências da Universidade de Lisboa e especialista em fauna cavernícola, e por Ignacio Ribera, ligado ao Conselho Superior de Investigação Científica de Espanha.
Subindo à superfície, existem várias espécies de flora com distribuição restrita aos calcários do Centro-Oeste – Sicó, Aire e Candeeiros e Montejunto. É o caso da Axifraga citrana, “uma erva perene descrita a partir de material colhido na serra de Sintra, de onde parece ter desaparecido”, e que “é um endemismo dos calcários do Centro-Oeste, com as populações mais vigorosas a ocorrerem no Parque Natural das Serras de Aire e Candeeiros”, descreve António Flor no livro Sítios de Interesse Botânico de Portugal Continental – Tombo II. Outro dos endemismos deste território é a Arabis sadina, que, num estudo feito em 2019, por Sandra Lourenço dos Santos, foi observada em 42 locais.
44.016
A Lista Vermelha das Espécies Ameaçadas da União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), cuja actualização foi apresentada na última conferência das Nações Unidas sobre Alterações Climáticas, no final de 2023, inclui agora 157.190 espécies, das quais 44.016 estão ameaçadas de extinção.