É de sorriso aberto, que manterá durante toda a sessão, que Emília Costa, de 90 anos, recebe Teresa Antunes, uma das 12 voluntárias do Entre Linhas, um projecto da Academia dos Sonhos do Centro Social Paroquial dos Pousos, em Leiria, que leva a leitura de contos à cabeceira de utentes acamados.
Ainda antes de Teresa tirar o livro da sacola, já Emília lhe estica a cara, a pedir um beijo. “O que mais gosto são dos beijinhos doces”, acabará por confessar já no final da sessão. Antes, foca o olhar nas imagens do livro Corações ligados, que Teresa vai folheando e lendo. “A minha alegria é a tua alegria”, lê, uma frase do livro que retrata o espírito com que as voluntárias encaram este projecto.
“Queremos proporcionar bem-estar a estas pessoas, ajudá-las a serenar, para que tenham uma noite o mais tranquila e serena possível”, diz Teresa Antunes, empregada de escritório, que é a coordenadora do Entre Linhas, iniciado em 2019.
Alexandra Neves, responsável pela Academia dos Sonhos, explica que o projecto se inspirou num outro – o Nuvem Vitória -, que conta histórias à cama de crianças internadas na pediatria dos hospitais, incluindo no de Leiria.
“A Teresa é uma ‘nuvem’ [voluntária no projecto hospitalar]. Trabalhamos juntas noutros programas e ela desafiou-nos a adaptar o projecto à nossa realidade”, refere a dirigente, adiantando que procuram recorrer a livros de contos que permitam “trabalhar as emoções, como a esperança, a intergeracionalidade, a fé ou o amor”.
A par da leitura, as voluntárias mimam os idosos com massagens no rosto, pescoço, cabeça, braços e pernas e acompanham o momento com música, criando um ambiente de tranquilidade. “O grande objectivo é que a pessoa relaxe e tenha uma noite mais tranquila”, reforça Alexandra Neves.
“São um espectáculo”, afiança Emília Costa, enquanto se deleita com a massagem que Teresa Antunes lhe faz na perna esquerda, aquela que “dói mais”. “Sabe bem”, atesta, saboreando depois a massagem na cabeça. Despedem-se, voluntária e utente, com um beijinho e um ‘até p’rá semana’.
Atenuar a solidão
“Fazemos sessões semanais, de meia hora cada. Gostamos que eles tenham ‘fome’ de nós. Que não se cansem da nossa presença”, justifica a coordenadora do Entre Linhas. “O tempo passa num instante. Mal chegam e já têm de ir embora. É um abrir e um fechar de olhos”, lamenta-se Henrique Abrantes, em tom de elogio, pela “boa companhia”.
Henrique, de 85 anos, é um dos mais recentes beneficiários do projecto, que agora, além das visitas das voluntárias ao lar, faz também o acompanhamento no domicílio a idosos que vivam sozinhos. Neste caso, o objectivo passa, sobretudo, por “atenuar a solidão”.
“Falamos com eles e, mais do que isso, ouvimos”, explica Teresa Antunes, frisando que as actividades desenvolvidas são adaptadas a cada utente, em função dos seus gostos e interesses. “Uma senhora, com depressão profunda, aceitou fazer uma caminhada. Há muito tempo que não saía de casa, mas saiu naquele dia e já temos planeado várias caminhadas ao longo do ano”, exemplifica a coordenadora do Entre Linhas.
Já com Henrique Abrantes, a dupla de voluntárias encarregue de o acompanhar ajudou-o a mudar rebentos de plantas para “caqueiros”, a expressão que o utente usa para se referir a vasos.
“Também já jogámos o jogo do galo. Ensinei-o e agora já me ganha, sem eu dar conta”, brinca Paula Costa, uma das voluntárias, que, no dia em que o JORNAL DE LEIRIA acompanhou o projecto, ajudava Henrique a fazer um puzzle.
“Na semana anterior, disse-me que nunca tinha feito e que gostava de experimentar”, conta, enquanto incentiva o utente a procurar mais uma peça. A conclusão terá de ficar para uma próxima sessão. A conversa “foi tanta, que não fizemos quase nada”, reconhecem ambos. “Bom, bom, era ser todos os dias”, confessa Henrique, entre risos.
Avaliação de impactos
O impacto do projecto nos utentes vai ser alvo de uma avaliação, no âmbito de uma tese de doutoramento que está a ser feita na Universidade de Salamanca sobre os efeitos de acções não farmacológicas em idosos, como a musicoterapia, a terapia com cães ou a fisioterapia adaptada.
“Ao nível do Entre Linhas queremos tentar perceber, por exemplo, se as pessoas dormem melhor e se aumentam o apetite durante o dia. Ou seja, se melhora a saúde física e mental”, avança Alexandra Neves.
Além do impacto nos utentes, a responsável da Academia dos Sonhos acredita que o projecto é também uma mais-valia para os voluntários, que estão “a ser capacitados e educados para envelhecer activamente”.
Desde que foi criado, em Novembro de 2019, o Entre Linhas já acompanhou 997 utentes. Presentemente, estão abrangidas nove pessoas residentes no lar do Centro Social Paroquial dos Pousos, que estão acamadas, e outros tantos idosos que se encontram no domicílio