Partilha da opinião do bispo de Hiroshima que, na recente peregrinação ao Santuário de Fátima, apontou “a arrogância como o maior inimigo do mundo”?
Arrogância entendida como a soberba humana que prescinde de Deus e quer fazer por si tudo e que se vira contra a própria Humanidade, como demonstraram as duas guerras mundiais e a existência de regimes totalitários e ateus, quer de direita quer de esquerda. Penso que foi isso que ele quis dizer, chamando a atenção para a necessidade de uma atitude de mais humildade, por parte da Humanidade, com maior aceitação de uns e de outros e maior acolhimento, deitando abaixo os muros de divisão e de separação.
À arrogância acrescentaria também o mal da corrupção?
A corrupção é um cancro social, que está a lançar metástases por todo o corpo social e que está a ser aceite de uma maneira passiva. As pessoas sentem-se indignadas quando vêem na televisão determinados casos de corrupção, mas depois, na prática quotidiana da vida social, admite-se isso. A corrupção é como o roubo. Começam por pequenos furtos para depois se tornarem grandes ladrões. O mesmo se passa com a corrupção. E isso destrói o tecido social, destrói a confiança e a convivência pacífica. É uma cultura de morte. Morre a honestidade, morre a confiança e a convivência social.
Sente que, em Portugal, há esforços para combater esse cancro?
Alguma coisa se vai fazendo, nomeadamente no campo da justiça. Nos últimos anos, deu-se um passo significativo, mas continuamos a encontrar exemplos de corrupção que se estendem a vários campos, como os negócios e o desporto. É um fenómeno cultural. Temos de lutar por uma cultura da honestidade e da transparência, não só na política mas nos vários campos da vida social. Cria-se um ambiente de pressão sobre aqueles que querem levar uma vida honesta. Sentem- se impotentes e, muitas vezes, até descartados, postos de parte, por não colaborarem no sistema da corrupção. Esta é uma das urgências da sociedade, à qual devemos dedicar uma atenção especial, a começar pela educação, a educação familiar e nas escolas mas também dentro da Igreja.
Como vê o crescimento de fenómenos extremistas e de populismo?
Estamos a assistir a uma perda de credibilidade da democracia e da solidariedade. São muitos os factores que levam a isto. A globalização traz coisas muitas positivas, mas acarreta também o risco de levar a perdas de identidades locais. E as pessoas reagem. Isto é explorado, suscitando o medo e a desconfiança face ao estrangeiro que chega, criando receios que, muitas vezes, são irracionais. Diz-se, por exemplo, que vêm tirar os empregos, quando as pessoas desses países não querem esses empregos. Isso depois provoca desilusões e fenómenos de corrupção. [LER_MAIS] Veja-se o Brasil. Os brasileiros sentem que houve um sistema de corrupção que querem pôr de parte e, como o associam a determinado partido, voltam-se agora para outro extremo. Isto é uma pobreza em ordem à democracia e em ordem à solidariedade, porque se fundamenta num egoísmo individualista, que não pensa no bem colectivo. Às vezes, isto vai por ondas, como a lei do pêndulo. Espero que se encontre um equilíbrio. Em Portugal, neste aspecto, somos afortunados. Temos tido a sorte de não cairmos nesses extremos. Temos tido políticos que têm revelado arte de saber fazer a conciliação.
Qual o papel de Fátima e da sua mensagem, como lugar e mensagem de paz, no diálogo inter-cultural e inter- religioso?
Fátima tem três vertentes. A primeira é a profecia: olhar a história e perspectivá- la no seu caminho, que passa pelo anúncio da paz, num tempo de guerras tremendas e horríveis. Mas é uma paz sempre ameaçada. Como diz o Papa Francisco, estamos a viver a terceira guerra mundial em episódios, espalhada aqui e além. Portanto, o tema da paz, tão ligado a Fátima, é sempre actual e atraente. Toca as cordas do coração de todos. E hoje há uma sede de paz. Fátima tem também a vertente mística. É uma espécie de oásis espiritual, onde as pessoas vão regenerar a sua fé e a sua espiritualidade. Fátima tem também a sua praxis reparadora, de reparar os estragos que o mal provoca nas pessoas, nas famílias, nos povos e no mundo. Fátima está aberta ao mundo, continua actual e adaptada às novas circunstâncias. Uma característica de Fátima é que acompanha sempre a história da Humanidade, nos seus anseios e nos seus dramas. E é também um espaço aberto ao diálogo inter-religioso. Há peregrinos, sobretudo, da parte do Islão, que vêm muito a Fátima porque têm devoção à Senhora de Fátima. O Corão tem um capítulo dedicado à Virgem Maria. Vêm, visitam e rezam. Depois da guerra do Iraque, houve um ministro do Iraque que veio a Portugal e quis visitar Fátima. Foi à Capelinha e rezou à maneira dele. As lágrimas caíam-lhe dos olhos, certamente a pensar na destruição que a guerra provocou. Pode ser que, no futuro, se abra um campo ainda maior para este diálogo inter- religioso.
Já admitiu que, no início da sua caminhada na fé, Fátima não lhe dizia muito. Já é devoto de Fátima?
Sim, porque fiz uma leitura profunda da mensagem de Fátima. A mensagem foi transmitida há 100 anos, nos conceitos próprios daquele tempo e numa linguagem própria, infantil, de acordo com os destinatários que depois a transmitiram. Muitas vezes, as pessoas tomam isso à letra. Então, fazemos a interpretação dos Evangelhos e da Bíblia e depois não fazemos a interpretação de uma mensagem que tem um data e um conteúdo que é perene? Foi isso que descobri e que me levou a ver a actualidade e a pertinência da mensagem de Fátima, seja ao nível pessoal, na dimensão mística, seja ao nível universal, na dimensão profética.