O que mais admira nos Estados Unidos?
Serem o quartel-general da Humanidade. Têm lá tudo. O que há de melhor, o que há de pior e tudo entre esses dois pontos.
Trocava o estilo de vida americano por outro modelo de sociedade?
Já estou muito habituado. Há um grande sentido de liberdade e ao mesmo tempo de privacidade. É um país grande, com espaço, não estamos todos em cima uns dos outros. Eu gosto disso e gosto de as oportunidades estarem lá para nós as aproveitarmos. Tive oportunidade de fazer coisas nos Estados Unidos que nunca teria tido oportunidade para fazer aqui. Consegui entrar no Pentágono e alguém me passar um dossiê vermelho marcado como secreto com informações que eu queria para uma reportagem. Nunca teria conseguido fazer isso no Ministério da Defesa em Portugal, porque não tem esse tipo de relação com a imprensa.
Se as eleições fossem hoje, Trump era reeleito?
Não sei, mas é bem possível, porque neste momento ainda não se perfila nenhum candidato forte que lhe possa fazer frente. Não é de excluir a hipótese de ele ser reeleito.
A guerra comercial com a China, e as medidas proteccionistas do lado da economia, têm o apoio dos eleitores?
Em geral as pessoas não entendem o suficiente, há, sobretudo, muitos indecisos. Haverá com certeza mais pessoas contra quando perceberem que a guerra comercial tem mais desvantagens do que vantagens. Mas Trump acha que isso lhe dá o ar de homem de barba rija que está a dar o murro na mesa e a pôr toda a gente na ordem. E para a sua base eleitoral, isso funciona.
O ritmo de crescimento económico está a corresponder às expectativas?
Até agora não estragou nada. Barack Obama herdou uma crise económica brutal, a grande recessão de George W. Bush, com o desemprego a bater nos 10% pouco depois de Obama ter tomado posse, e Obama deixou uma taxa de desemprego próxima dos 4%. A linha descendente do desemprego tem vindo a continuar, o crescimento não está tão acelerado porque aquela euforia do ano passado era na expectativa das alterações que iam ser feitas à lei dos impostos, e do aumento da competitividade das empresas, através, sobretudo, da eliminação das suas obrigações, não só laborais, mas também ambientais. No fundo, tudo aquilo que Obama fez ele quer desfazer. Se Obama disse as empresas não podem poluir, ele diz que as empresas podem poluir. Há um retrocesso claro.
A desvalorização dos acordos relacionados com as alterações climáticas é um aspecto para o qual a sociedade americana está sensibilizada?
Há quem esteja e quem não esteja. Há pessoas que percebem, sobretudo quem vive na costa, com a subida do nível das águas do mar. Em Boston, onde eu moro, houve cheias como nunca tinha havido, agora no último inverno. O interior rural da América, onde Trump é muito popular, não se preocupa com isso. Eu acho que não podemos ser os nazis do meio ambiente, mas também não podemos ser exactamente o oposto. Há que haver um equilíbrio que permita defender o meio ambiente sem isso ser tão oneroso que ao fim ao cabo arruina toda a gente. Quer dizer, há uma maneira de equilibrar os interesses empresariais e dos consumidores e de preservar o meio ambiente. É esse equilíbro que se estava a tentar procurar em administrações anteriores e que está a desaparecer.
Como é que se explica que a votação em Donald Trump também venha de uma parte da comunidade imigrante?
Não é muito expressiva, mas em todo o caso, há sempre imigrantes, sobretudo aqueles que já tiveram algum sucesso, que acham que podem ter mais sucesso esquecendo-se de onde vieram.
Alguns deles luso-descendentes.
Também. Há congressistas luso-descendentes que são os maiores apoiantes de Donald Trump.
A questão das armas e o discurso contra os imigrantes ilegais são sintomas de um país violento e com conflitos raciais?
Sim, há conflitos raciais nos Estados Unidos. Não são tão graves como há uns anos, mas está a piorar porque Donald Trump tem estado a dar conforto moral a neo-nazis e racistas e eles perderam a vergonha, sentem-se à vontade para se expressarem em público outra vez. A questão das armas não está directamente relacionada, agora, havendo mais problemas sociais, poderá aumentar o tipo de crimes que se podem considerar crimes raciais. A questão das armas de fogo é porque os Estados Unidos, realmente, são uma sociedade violenta. Há tiroteios constantes. E cada vez que há um tiroteio o lobby das armas consegue convencer os políticos que a solução para os tiroteios é haver mais armas porque se as pessoas se puderem defender matam os bandidos. Claro que quanto mais armas houver, mais violência haverá, mas os Estados Unidos estão viciados. E todo o vício é irracional – e o vício americano pelas armas é irracional. Porque a constituição, na segunda emenda, garante o direito ao uso e porte de armas, mas não sem regulamentação. Não tem havido coragem política.
Diria que se vive uma situação de ressurgimento do racismo?
Há, porque o exemplo vem de cima. É a própria voz na Casa Branca que contribui para isso, com insultos constantes. E não é só em relação aos negros, é em relação a toda a gente que é diferente. Chamar animais aos imigrantes ilegais, por exemplo. Há um ambiente social que está a deteriorar-se. Sempre foi uma das grandes vantagens dos Estados Unidos, a capacidade de serem tolerantes e abrangentes. Mesmo com problemas, havia sempre uma reserva de tolerância e de compromisso que se sobrepunha às crises e ajudava a estabilizar as coisas. Agora há menos.
A eleição de Donald Trump é mais surpreendente para os europeus e para o resto do mundo do que para os americanos?
Também foi uma grande surpresa para os americanos e, a crer naquele livro Fire and Fury, até para o próprio Trump. O discurso que ele faz, o discurso de vitória na noite das eleições, é um deserto, é de uma pessoa que não sabia o que havia de dizer. Acho que ele não estava preparado para ganhar. Foi só mais tarde que conseguiu organizar-se.
Há aspectos da personalidade dele que fazem sentido para os americanos e são difíceis de compreender para os europeus?
Fazem sentido para a base de apoio dele. Para a maioria dos americanos não, porque 60% dos americanos continuam a ter uma ideia negativa dele e da sua presidência. Há milhões de americanos para quem nada daquilo faz sentido.
Há mais semelhanças ou diferenças entre Donald Trump e o líder da Coreia do Norte?
O Kim Jong-un é o ditador que talvez o Trump gostasse de ser. Não sei se Trump mandaria matar os adversários, tenho dúvidas, mas pelo menos mandava prendê-los. Ele gostaria de ter aquele poder absoluto que Kim Jong-un tem e que toda a gente fizesse aquilo que ele manda.
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Um mundo de uma única super-potência é mais ou menos perigoso do que, por exemplo, o período da guerra fria?
É mais perigoso. Era bom haver guerra fria, até para os Estados Unidos, porque tinham que estar sempre a provar que eram melhores do que o adversário. Em parte, nós temos Trump hoje porque já não há guerra fria. Houve, progressivamente, um retrocesso naquilo que era considerado desejável nos Estados Unidos. Por exemplo, já não há uma prioridade muito grande em manter o nível de prosperidade da classe média que existia dantes, porque já não há um comunismo para confrontar e derrotar.
Mas em que medida é mais perigoso para o resto do mundo?
Depende até onde a super-potência quer ir nas intervenções regionais. Quando havia guerra fria, as intervenções regionais eram medidas conforme os interesses das superpotências. Agora não. O Trump, por exemplo, meteu-se num problema entre os Emirados, Omã, Qatar e Arábia Saudita que não tinha de se meter. Ao interferir foi agravar a situação.
Com um presidente com o perfil do Trump, estamos mais perto de um conflito internacional?
Estamos porque mesmo que ele não queira tomar uma acção bélica, há sempre o receio do outro lado de que ele possa querer fazer isso, e isso pode, por si só, despoletar um conflito.
Como é Portugal visto nos Estados Unidos?
Como um país bom para viajar, com boa comida, bom vinho, gente acolhedora. Os americanos gostam de Portugal para turismo. A base das Lajes, os americanos tenderão a não ter lá uma presença. Em termos económicos, nós precisamos mais do mercado americano do que eles precisam de nós. No fundo, Portugal é um país que é conhecido pelo turismo, pela comida, pelo vinho.
Figuras marcantes
"Eusébio e a relação que ele tinha com Plácido Domingo"
Se lhe pedissem para fazer uma peça de cinco minutos sobre estes 38 anos de vida em directo, o que não podia faltar?
Com certeza, a história do Papa, no estádio municipal de Coimbra. Quando o Papa João Paulo II terminou a missa e se dirigia ao seu papamobile, eu atravessei-me à frente dele na passadeira vermelha, pus-lhe o microfone à frente e pedi-lhe uma declaração exclusiva para a Rádio Renascença, que ele não deu. Olhou para mim com ar incomodado e estendeu- me o anel para beijar. Eu estava em directo, beijei o anel do Papa e continuei a reportagem. Foi de certa maneira importante, porque criou- – se uma imagem de marca de mim como um repórter desembaraçado. Uma coisa que me viria a ajudar mais tarde. Nós próprios podemos ir traçando o risco e pisando para nos tentarmos superar naquilo que conseguimos fazer.
Outros momentos?
Salman Rushdie. Em 1999, seis jornalistas de todo o mundo iam passar o fim-de-semana numa zona de Nova Iorque com Salman Rushdie. Fui lá, entrevistei-o, e depois nessa noite tivemos um jantar em casa do reitor da universidade onde ele estava a ficar, e foi uma noite fabulosa. Outro momento, certamente, um momento em Angola, com Jonas Savimbi durante a campanha eleitoral de 1992. O chefe de segurança entra no quintal da vivenda, abre o portão e o chão está completamente alcatifado com soldados da Unita deitados ao lado uns dos outros. O sistema de alarme. O general Bock começa a andar por cima deles, eu ali a tentar não pisar as pessoas ostensivamente e o general ofende-se comigo. O que eu não queria fazer, afinal, foi o problema, porque o general sentiu que os seus soldados estavam a ser desrespeitados pelo meu cuidado com eles.
Que figuras mais o marcaram?
Uma figura muito interessante foi Eusébio e a relação que ele tinha com Plácido Domingo. Tinham uma admiração brutal um pelo outro. É interessante como duas pessoas tão diferentes se relacionavam com muita simplicade e uma amizade invulgar.
Trabalhou em rádio, jornais, televisão, começou há quase 40 anos, o que mudou no jornalismo assinado por si?
Em primeiro lugar, os instrumentos de trabalho. Quando entrei numa redacção pela primeira vez, escrevi com uma máquina mecânica, com aquelas fitas pretas e vermelhas de que só os mais velhos se lembram. Hoje em dia trabalhamos com telemóveis e tudo é monitorizado. Outra questão importante foi o ter aprendido que não se podem fazer coisas só com uma fonte. Caí duas vezes nessa asneira cedo na minha profissão e nunca mais voltei a fazer isso.
O livro deixa alguma mensagem às novas gerações de jornalistas?
Várias. Tenho histórias de como cheguei aos Estados Unidos e em oito anos construí uma rede de fontes que me deu acesso à Casa Branca. E de como é que se consegue ser relevante. Não menos importante é a dignidade humana. A necessidade constante de defender a dignidade humana. Sem sensacionalismo.
Luís Costa Ribas acaba de lançar o livro de memórias Uma vida em directo, sobre 38 anos de jornalismo. Começou em Portugal, mas logo em 1984 aterrou nos Estados Unidos, para trabalhar na rádio Voz da América. Foi correspondente daRádio Renascença, agência Lusa, semanário O Jornal, O Independente, Público, TSF e, actualmente, trabalha para a estação de televisão SIC. Natural de Lisboa, com raízes em Ourém, pelo lado da mãe, originária do Casal dos Crespos, Luís Costa Ribas tem 59 anos de idade e reside na zona de Boston, a um quilómetro do mar. "Era a minha condição para ir para um sítio tão frio". No livro Uma vida em directo, relata aventuras em mais de 50 países, do furacão Katrina às favelas de Lima, passando pela luta de um homem para encontrar a mulher após um desabamento de terras na Nicarágua. Viagens que o levaram a conviver com personalidades como Jonas Savimbi, Bill Clinton, Salman Rushdie e Eusébio, entre outros.