Faltavam uns minutos para as 18 horas de segunda-feira quando começaram a chegar os primeiros miúdos. Acompanhados pelos pais, o entusiasmo estava estampado nas pequenas faces, apesar de os sorrisos serem abafados pela máscara gigante. De garrafa na mão, equipados de azul, passavam pela posto de controle montado pelo clube que não admite entradas além de jogadores e treinadores.
Passados quase três meses, os jovens futebolistas da Academia CCMI, da Cruz da Areia, em Leiria, voltaram a estar com colegas, treinadores e em contacto com a bola. Foram dos primeiros na região que voltaram a dar uns chutos na bola, numa lista restrita que também inclui o Grupo Desportivo da Boavista, por exemplo.
Bandeira da Ética hasteada esta sexta-feira
Durante a semana, todas as equipas da Academia CCMI terão oportunidade de regressar por uma hora aos treinos. Para assinalar a data, amanhã, sexta-feira, pelas 16:30 horas, o clube fará uma cerimónia, momento no qual será hasteada a Bandeira da Ética, uma iniciativa do Plano Nacional de Ética no Desporto (PNED) e do Instituto Português da Juventude e Desporto (IPDJ), recentemente atribuída a esta associação devido a uma iniciativa solidária que envolveu o Internato Masculino de Leiria. João Paulo Rebelo, secretário de Estado da Juventude e do Desporto, e Vítor Pataco, presidente do IPDJ, vão marcar presença.
No entanto, para ali estarem a fazer o que mais gostam, ainda que de forma “diferente” do que estão habituados, o clube que representam teve de tomar uma série de medidas e cumprir algumas burocracias, explica o presidente da Academia CCMI.
Pedidos os pareceres à Direcção-Geral da Saúde, à Câmara Municipal de Leiria, à Associação de Futebol de Leiria – “que não se pronunciou por ser treino físico e não futebol” – e ao Instituto Português do Desporto e Juventude, decidiram avançar.
Inscreveram-se neste regresso à actividade 200 atletas, dos 5 aos 18 anos, de um universo de 250. “Há sempre pais apreensivos e nós respeitamos”, sublinha Renato Cruz, confiante que, ainda assim, o número irá aumentar. “Esta fase de habituação, agora ou em Setembro, teria sempre de ser feita”, esclarece.
Burocracia
O manual de procedimentos de protecção de praticantes e funcionários foi então enviado aos progenitores, que tiveram de assinar dois termos de responsabilidade.
“Um a dizer que autoriza a presença do filho no treino de preparação física e outro em que garante que o filho não teve febre nem esteve doente nos últimos dias”, relata o responsável.
O clube teve ainda de fazer um seguro para este período de actividade, pois o anterior “já tinha sido cancelado” pelas entidades competentes.
Os miúdos entravam no recinto e entregavam a máscara, que ficava fechada num envelope com o nome do craque. Como a utilização de balneários está absolutamente interdita pela Direcção-Geral da Saúde, foram criadas três estações ao ar livre, onde cada uma das equipas que treina por dia pode calçar as chuteiras, sempre com a distância entre futebolistas garantida.
[LER_MAIS]“Uma equipa entra às 18 horas, outra às 19 e outra as 20. Quando a primeira terminar o treino, regressa à sua estação e só então os outros podem ir para o campo.Não há qualquer contacto entre os jogadores das várias equipas”, esclarece o responsável.
Às 20 horas foi a vez da equipa de iniciados. Desertinhos para voltarem a dar uns pontapés na bola, tiveram, ainda assim, de ser pacientes. Primeiro aguardaram, em paz, que a equipa anterior regressasse à base.
Só depois tiveram autorização para sair da estação e rumar ao relvado. Com calma, sentaram-se no relvado, em filas, salvaguardando as distâncias de segurança, e ouviram durante uns bons minutos o treinador Sandro Jorge a explicar os procedimentos, os cuidados e as exigências.
“Cada um com uma bola, que no final do treino será desinfectada”, o treino foi muito mais recreativo do que propriamente futebol, mas o esférico acompanhou-os sempre, o que permitiu matar saudades.
Cá fora, alguns progenitores, impedidos de entrar no recinto, acompanhavam pela vedação. “Estão a levar uma sova! Só lhes faz bem! Não faziam nada há dois meses”, atira um pai, entre gargalhadas.
Segurança
“Garantindo que não havia riscos, achámos que era hora de começar a actividade. Basicamente, o objectivo foi trazê-los de volta ao campo, movimentarem-se um pouco e fazerem alguma prática desportiva”, explica o coordenador da Academia CCMI. Rui Bandeira esclarece que o “trabalho é individualizado, com o espaço bem delimitado e definido por cada atleta, com uma bola para cada um”.
“Nunca se cruzam”, enfatiza o responsável, que admitiu que havia “alguma atenção” dada a tenra idade dos mais novos. “O principal receio tinha que ver com a capacidade que os miúdos poderiam ter para manter as distâncias. Ficámos satisfeitos, porque até os mais pequenitos, de 6 e 7 anos, tinham consciência das responsabilidades. Não de distraíram e acataram as indicações. Criámos todas as condições, mas mesmo controlando o processo, o abraçar o amigo não aconteceu. Fomos avisando, mas até mesmo para nós é um pouco difícil manter a distância”, sublinha Rui Bandeira.
O balanço é “muito positivo”. Os atletas puderam sair de casa, mesmo que não fosse para jogar futebol. “Os pais tiveram de ficar de fora, mas a reacção foi positiva. “Observaram de fora e viram que estávamos a fazer bem as coisas. Foi com satisfação que viram os filhos voltarem a fazer algo diferente. Acredito que para a semana vai haver ainda mais miúdos”, prevê o treinador.
O ar de felicidade dos miúdos, para pais e treinadores, não tem preço. “Só por isso, valeu a pena o esforço”, enfatiza Renato Cruz. São 21 horas e Sandro Jorge apita para o fim do treino. Os miúdos estão cansados, com as bochechas vermelhas, e sorriso indisfarçável no rosto. E deixam uma certeza: “mister, para a semana estamos cá outra vez!”