Houve um momento em que os sonhos pararam de crescer. Sempre sonhou muito e, de certa forma, permitiu que fossem esses sonhos a comandar os seus dias. Vivia em função do que sonhava e do que conseguia concretizar. E por isso é que sorria tanto.
Por isso é que dizia tantas vezes: “Sinto-me feliz.” Porque se sentia em equilíbrio entre o ideal e o possível.
Mas veio o momento em que percebeu que os seus sonhos já não se multiplicavam com a mesma espontaneidade de antes; já não faziam com que o seu olhar brilhasse e as suas mãos se agitassem com o mesmo entusiasmo.
Não quis falar do assunto a ninguém, mesmo quando começou a ouvir comentários sobre o facto de andar a sorrir menos. Mas começou a ficar apreensiva; e depois, com medo.
Sonhava com menos intensidade. Sonhava mais pequenino. E sentia-se incapaz de contrariar esse facto. Como nascem os sonhos?
De que se alimentam? Que parte do corpo ou do espírito está doente quando os sonhos começam a escassear? A que médico se vai? Tinha medo de perder a capacidade de sonhar, como outras pessoas perdem a capacidade de andar ou de ver. Medo de ficar deficiente. Quanto menos sonhava, mais o medo crescia. E foi ao consciencializar isso que entendeu: “É esse o problema. O vazio.”
Os seus sonhos diminuíam, deixando espaço livre; e esse espaço teria inevitavelmente de ser ocupado. E estava a ser preenchido pelo medo. Como numa versão pessoal daquela lei que afirma que na natureza nada se perde e tudo se transforma.
No seu caso: nada se esvazia, tudo se preenche.
“Se sonho menos, temo mais”, pensou. Como se existisse uma relação directa e proporcional entre sonhar e temer. Quanto percebeu isto, acalmou. As leis da física sempre a acalmaram, tal como rezar ou contemplar o mar ou comer chocolate acalmam outras pessoas.
As leis da física lembram-lhe que o universo é gigante e complexo, intrincadamente perfeito; lembram-lhe que perante a misteriosa perfeição do universo, as suas apreensões são insignificantes e risíveis. (Tinha criado uma lei da física apenas para si: “Se sonho, estou viva; se estou viva, sonho; e entre as duas coisas, durmo. Se durmo, sonho; se sonho, estou viva; e etc.”)
Nunca sentira medo, antes; talvez por estar tão ocupada a sonhar? Ou porque tinha medo de ter medo? Sim: receava que ao dar importância a um medo, ficasse sua refém. Mas não era precisamente isso o que acontecia em relação aos sonhos? Dominavam-na.
Não queria ser prisioneira dos medos mas talvez fosse prisioneira dos sonhos; o que consistia numa enorme contradição: os sonhos eram a expressão máxima da sua liberdade; como poderiam aprisioná-la? Quando pensou nisto, explodiu numa gargalhada. Um riso libertador. E tudo se compôs.
Quando intuiu que era no equilíbrio entre sonhos e medos que residia aquilo que habitualmente se designa como “envelhecer”, passou a rir mais.
Descobriu que rir diante do medo pode ser pelo menos tão libertador como sonhar. E foi então que os sonhos voltaram a crescer; mas menos descontroladamente.