As escolas reabriram para o segundo período uma semana mais tarde, mas as infecções por SARS-CoV-2 não abrandaram. O vírus que provoca a Covid-19 entrou em força nas escolas e apesar de ser menos perigoso, causar poucos sintomas na maioria dos casos, a verdade é que pais, professores, diretores e as próprias crianças estão à beira de um ataque de nervos.
Todos os dias aparecem vários casos e começa a ser difícil encontrar uma turma completa em sala de aula. Há também vários docentes a faltar, muitos não por estarem infetados, mas para darem apoio aos filhos. Se algumas escolas optaram pelo ensino misto, dando aulas presenciais e à distância, outras não têm a tecnologia necessária para o fazer.
Filinto Lima, presidente da Associação Nacional de Directores de Agrupamentos e Escolas Públicas desvaloriza. “Existem várias estratégias para os alunos manterem as aprendizagens e não passa apenas pelo ensino online. Além disso, o isolamento diminuiu para sete dias, pelo que os alunos acabam por perder apenas cinco dias de aulas”, constata ao JORNAL DE LEIRIA. Este não é o caso da família Correia.
Em casa são seis: os pais e quatro filhos. À medida que os casos vão surgindo há mais um período de isolamento e os sete dias podem passar a muitos mais. Dois dos filhos testaram inicialmente positivo. Mais tarde, pais e irmãos também foram infectados. “Agora os dois estão negativos e já podem regressar à escola, mas com os pais em isolamento não têm quem os leve. É toda uma logística que estamos a tentar resolver”, explica Sara Correia.
Com três filhos em anos diferentes – o mais novo está no pré-escolar – o acompanhamento escolar tem sido distinto, mesmo naqueles que se encontram no mesmo agrupamento. “Depois do meu contacto com a directora de turma, os trabalhos foram disponibilizados via Teams para haver acompanhamento da matéria. Mas se há alguns professores muito disponíveis e prontos a falar com os meninos para lhes tirar dúvidas, outros apenas se limitaram a enviar informação”, revela. Sara Correia acredita que as aprendizagens, sobretudo, do mais velho, que frequenta o 7.º ano, vão perder-se. “O estudo é mais autónomo e vai ficar com algumas lacunas, pois nem toda a matéria que é dada na sala de aula está nos livros”, afirma, lamentando que não seja possível avançar para o regime misto.
“No instituto de línguas, a minha filha tem tido aulas assim, o que possibilita interagir e colocar questões”, refere. Para esta mãe, no agrupamento “já deveria ter havido uma evolução maior neste aspecto” e terem “estabelecido uma estratégia”, porque “são os alunos mais velhos que são os mais afectados”. Quanto ao aluno do 4.º ano, Sara Correia constata que a professora tem um “acompanhamento excepcional e ajuda muito”.
[LER_MAIS]Segundo Sara Correia não são só as aprendizagens que se vão perder, mas também todo o envolvimento sócio-cultural. “A minha filha de 5 anos nunca foi a uma festa de aniversário nem a uma visita de estudo. Quando a pandemia começou ela tinha 3 anos. São vivências que não se recuperam. Perdem-se aprendizagens na escola, mas também a convivência com os outros e os limites que têm de perceber que existem.”
Filinto Lima também se mostra mais preocupado com as lacunas sociais e emocionais dos jovens. “Os pais estão muitos preocupados com as aprendizagens, mas eu estou mais focado no bem-estar e na saúde mental. Não há socialização e quando os alunos regressam do isolamento vêm mais agitados e ansiosos e temos de nos preocupar com isso”, alerta.
Vários planos de ensino
O representante dos directores acrescenta que “cada escola tem o seu plano de ensino à distância” e que não tem de passar obrigatoriamente por aulas online. “Pode ser o uso do Classroom, a visualização complementar de episódios do Ensino em Casa [telescola] ou aulas assíncronas. Os pais acham que o facto do aluno passar uma manhã inteira em frente ao monitor aprende mais. Não é verdade. Existem várias estratégias de aprendizagem diversificadas, tal como sucede numa sala de aula, onde o professor pode ter aulas expositivas, práticas ou de trabalho mais autónomo”, salienta Filinto Lima.
Este docente considera ainda que esta nova medida da Direcção-Geral da Saúde de manter os alunos na escola, sem isolamentos imediatos após um caso positivo na turma, é “melhor” do que estarem em casa.
No Agrupamento de Escolas (AE) Dr. Correia Mateus, em Leiria, os casos têm-se sucedido desde o dia 10 de Janeiro. Além dos 94 positivos espalhados por todas as escolas do agrupamento, há 80 pessoas em isolamento, na sua grande maioria alunos. “Não temos aulas online, mas criámos um plano de apoio com uma hora por dia no 1.º ciclo e uma hora por semana, por disciplina, nos 2.º e 3.º ciclos, com professores disponíveis para tirar as dúvidas”, explica Jorge Dias.
O director da Correia Mateus adianta que o agrupamento não tem condições técnicas para avançar com o ensino misto, não havendo disponibilidade de equipamentos nem de internet. “Essa hipótese foi logo posta de parte.” Também no AE dos Marrazes há “muitos casos de alunos em isolamento ou porque testaram positivo ou porque têm familiares positivos”.
“Com os meios que temos, no 2.º e 3.º ciclos colocamos um portátil na sala de aula para que os alunos possam acompanhar à distância. No 1.º ciclo não é viável este método, mas há um acompanhamento destas crianças. São formas de minimizar o impacto, tendo em conta todos os constrangimentos”, adianta Jorge Edgar Brites.
O director do AE dos Marrazes revela que, na terça-feira, tinha em isolamento 26 alunos do 1.º ciclo, 17 dos 2.º e 3.º ciclos e três do pré-escolar, reconhece que há “um cansaço enorme dos professores” e algum stresspor parte dos pais, que se sentem, por vezes perdidos, até porque as regras estão sempre a alterar-se. “Apostamos numa comunicação muito clara e assertiva e não deixamos informação por dar para tranquilizar os encarregados de educação. Na maioria, temos pais colaborantes e compreensivos.”
Nos AE de Vieira de Leiria e no AE Marinha Grande Poente, o esforço tem sido para garantir aulas mistas, até porque há casos a aparecer diariamente, como constatam os seus directores. “Colocamos na plataforma Teams todas as matérias que são dadas nas aulas e há uma câmara na sala, que permite transmitir as aulas para quem está em casa poder acompanhar à distância e até intervir com o professor”, esclarece Lígia Pedrosa.
A directora do AE da Vieira de Leiria admite que se os casos continuarem a aumentar será difícil ter câmaras em todas as salas. Além das faltas dos alunos, há também professores a ausentarem-se não só por estarem positivos, mas porque têm de estar em casa a acompanhar os filhos. “Toda esta situação é muito difícil. Temos muita gente envolvida na logística. Temo que possamos chegar a um ponto que não vamos conseguir dar resposta”, resigna-se Lígia Pedrosa.
Cesário Silva afirma que no AE Marinha Grande Poente há muitas faltas, sobretudo ao nível do 1.º ciclo e pré-escolar, o que obriga a uma “gestão difícil” para “tentar compensar a ausência. “Tem sido um trabalho difícil para os professores, mas tentamos garantir a maior proximidade”, acrescenta. Nos ciclos superiores, há aulas mistas, sendo disponibilizados materiais nas plataformas.
“Com os mais pequenos é mais difícil porque precisam do apoio dos pais. Como o período de isolamento está encurtado o prejuízo não é muito grande. Mas a situação é imprevisível e temos de ir gerindo a instabilidade dentro do dito normal”, confessa. O docente reconhece também que os pais andam um pouco perdidos, salientando o papel dos directores de turma, que têm um “canal aberto 24 horas por dia”.
Maria Guarino reconhece o esforço dos docentes. Mãe de dois rapazes, o mais velho testou positivo, acabando por contagiar o irmão e agora a mãe. “A escola está a dar a resposta possível. Também há muitos professores a faltarem, mas a disponibilidade tem sido enorme”, revela.
No 6.º ano, o filho mais velho recebeu as tarefas via Teams, com instrução do que tinha de fazer. As dúvidas surgiram, mas a escola disponibiliza aulas de apoio para quando os alunos regressam poderem esclarecer a matéria. O mais novo entrou este ano para o 1.º ciclo, o que torna tudo “mais desafiante” e “necessita de apoio” em casa.
Maria Guarino considera que este contexto apela a que os pais “mantenham a calma e a serenidade”. “Não é necessário testar sempre que há um caso positivo na turma. Só testei o meu filho quando apresentou sintomas ou por indicação da escola”, remata, acreditando que é possível “recuperar as aprendizagens”, sobretudo por a ausência não ser superior a uma semana.