Deram-se a conhecer na véspera do 25 de Abril e anunciam música de intervenção para os tempos de agora. O punho que erguem a partir de Leiria traz inscrito um programa com objectivos imediatos. Esquerda, novo projecto extraído do espaço cultural Serra, na Reixida, não fica em cima do muro nem procura compromissos. Pelo contrário, chega ao público sem pedir desculpa e entrega um apelo para construir e reconstruir.
No single de estreia, já disponível nas plataformas digitais, com vídeo produzido em modo colaborativo, a vocalista Carolina Chora protagoniza o “grito cru” com que o colectivo se apresenta ao mundo. “Não é só uma canção – é manifesto”. E a mensagem materializa-se, doa a quem doer. “Quem não sangra tem tanto direito de ser mulher como quem sangra sem saber (…) a gaja, a boa, a mãe obediente, a pura, a porca, a puta, a feia, a gorda, a magra e a tesuda… eu não sou nenhuma delas”.
À medida em que cresce com energia rock e uniforme para a pista de dança, “Sangue Menstrual”, primeiro avanço do grupo em que também figuram Nuno Rancho (baixo), Idalécio Francisco (guitarra) e Rafael Traquino (bateria), transmite, segundo a nota de divulgação, “uma denúncia ao estigma em torno do corpo feminino” e “uma chamada à acção contra o apagamento e a vergonha”. Pode ler-se no mesmo texto: “Um tema que incomoda e celebra”, que convoca “resistência, raiva e esperança”.
“Parte muito de uma experiência pessoal” – explica Carolina Chora – “a questão de ser mulher”, que, demasiadas vezes parece “dependente de rótulos” e privada de “uma existência per si”. Estereótipos herdados de outro século que provocam, segundo a cantora, “uma constante anulação de cada um só por não preencher o critério A ou B”. E, no meio de guerras culturais e contragolpes totalitários, a letra da canção procura afirmar o princípio de que a identidade existe para além das convenções sociais e das características biológicas.
“Ser neutro já é uma posição”, portanto, os quatro Esquerda alistam-se para a linha da frente. “Partilhamos valores e ideias muito semelhantes e sentimos apatia à nossa volta em relação a certos assuntos. Tínhamos coisas a dizer e decidimos dizê-las”, comenta Carolina Chora durante a conversa com o JORNAL DE LEIRIA. E antecipa: “Não queremos estar com metáforas nem com grandes rodeios. Não queremos que [o projecto] seja só político, mas, inevitavelmente, é”. Procura dar voz, “de forma urgente”, ao pensamento sobre a crise da habitação, a desinformação e a influência do capitalismo na vida dos jovens, entre muitos outros aspectos que marcam a civilização na actualidade, pelo menos, nos países mais desenvolvidos do hemisfério Norte.
O grupo está abrigado no Balneário Studio, de Nuno Rancho, que além de uma carreira a solo e como produtor, tem percurso em bandas como Kyoto, Team Maria, Jerónimo, Bússola ou Few Fingers. Idalécio Francisco (Espuma) e Rafael Traquino (Ditch Days) também acumulam histórico na música, enquanto Carolina Chora se estreia a encabeçar a barreira de som.
O tema “Sangue Menstrual” foi gravado, misturado e masterizado no Balneário Studio, por Nuno Rancho. A banda deverá lançar um segundo single até ao final do Verão. E espera, antes disso, estrear-se a tocar ao vivo.