Fazem os primeiros ‘sprints’ por um palmarés recheado de conquistas. Aquecem em distâncias curtas, apostam no reforço muscular e puxam pelos limites na pista. As passadas largas mal tocam no laranja envelhecido do ‘tartan’, enquanto o sol cai e o início de mais uma noite de sexta-feira evidencia o esforço, a resiliência, o sofrimento.
Pelo caminho passam por dezenas de miúdos, muitos craques que têm dado cartas na formação e, por vezes, até campeões nacionais e mundiais.
Na mesma pista, enriquecida com caixas de areia e, por norma, colchões verticais, há grupos de trabalho que vestem camisolas de clubes diferentes, aperfeiçoam-se disciplinas distintas e destacam-se níveis de competição díspares.
Um fervilhar de actividade que se estende às grandes entradas do edifício, ao ginásio, às bancadas e até aos camarotes.
Chegam ao ponto de partida cansados, mas contentes por fazerem parte de um novo projecto. Diana Duarte e Ivo Gomes tentam acalmar a respiração enquanto se deitam no chão e esperam por novas indicações do treinador.
São dois dos rostos que marcam o regresso da equipa de atletismo da Casa do Benfica de Leiria, pela mão de George Silva, o técnico que garante que nesta pista “todos se dão bem”. E ele sabe do que fala, porque conhece como a palma da mão este palco de treino de campeões. O Estádio Municipal Dr. Magalhães Pessoa, de Leiria.
Foi a sua casa durante anos, viu este projecto nascer, responsabilizou-se pela gestão nos primeiros tempos, seguiu outros rumos, voltou a assumir a mesma responsabilidade até há poucos meses e agora regressou numa diferente perspectiva.
“Chega a ser uma loucura gerir este espaço com tanta coisa que aqui acontece, mas é um equipamento fantástico para todos os clubes e para a cidade”, conta-nos.
E o secretário do vereador do Desporto, novo responsável pela gestão do estádio, confirma.
Passa aqui muitas horas. Conta com uma equipa de cerca de uma dezena de pessoas e também ele confessa que faz “alguma ginástica para gerir os recursos humanos e os materiais” para conseguir acolher diariamente centenas de atletas, muitas provas de competição e até eventos.
“Estou deslumbrado, isto é um mundo, com muita dinâmica”, atira Tiago Brito.
Muito além das quatro linhas
É no relvado que a União Desportiva de Leiria tem lutado pelo sonho de construir o quarto grande clube do País. O envolvimento da cidade, a demonstração de ‘fair-play’ e o espectáculo que se alia ao futebol têm movido massas e batido consecutivos recordes de assistência na Liga 3. Um feito que orgulha o clube e a cidade.
Mas mesmo sem relvado por estes dias, porque ainda decorrem os trabalhos de substituição do ‘tapete’ e do sistema de drenagem, o estádio fervilha de actividade, de luta, de ambição, de sonhos.
É aqui, a escassos metros do rio Lis e sob a alcançada do castelo, que há palco para o trabalho diário dos campeões de Leiria. De várias modalidades.
“Não é, nem nunca foi”, sublinha o vereador do Desporto, “uma estrutura exclusiva para a prática de uma modalidade”. “Pretende-se que seja um local de experimentação, aprendizagem e também de potenciação de resultado desportivo”, enaltece Carlos Palheira.
A pista evidenciou a aposta no atletismo que tem conquistado os maiores títulos da modalidade para a cidade. Há camarotes com aulas de xadrez e também salas com esgrima, dança, kickboxing, tiro com arco, ténis de mesa, pentatlo moderno, bilhar, entre outras. Além disso, dá espaço a festas e eventos de âmbito corporativo e empresarial, como congressos e seminários.
“O Estádio é quase como um organismo vivo dada a multiplicidade de actividades que lá acontecem todos os dias”, aponta o vereador sobre o espaço que recebe dezenas de associações do concelho.
Além disso, durante a pandemia foi ‘palco’ de batalha e esperança da vacinação. Recentemente, transformou- se em acolhimento e casa para muitos refugiados da Ucrânia. Recebe ainda o Centro de Recolha de Sangue e passou a ser sinalizado como estrutura de apoio aos incêndios.
Exemplos que são, acrescenta Carlos Palheira, o “resultado da grande capacidade de adaptação da infraestrutura”.
Estádio pode ser potenciado
“O Estádio é bom, mas podia ser perfeito”. Anda de lado e às voltas na caixa de areia para fazer reforço dos pés, enquanto comenta a importância do estádio no percurso que tem trilhado. Nuno Cordeiro, de 16 anos, atleta da Juventude Vidigalense e recém-medalhado, assume que “antes não fazia ideia que o estádio tinha tanta actividade”, mas garante que “agora é visível a importância que tem para o desenvolvimento” dos atletas.
E já quase poderia fazer o percurso de casa até à entrada do estádio, na Porta 2, de olhos vendados, dado que treina seis dias por semana e é quase sempre aqui.
“Excepto aos domingos, feriados e dias de jogos porque está fechado”, aponta. “E quando chove”, acrescenta imediatamente uma das treinadoras do clube. “Talvez a solução fosse a construção do pavilhão de que tanto se fala”, comenta Daniela Ferreira.
A poucos metros, junto a grupos que estão a treinar lançamentos, os coordenadores do clube, João Bernardo e Tomé Agostinho, apontam ainda outras alternativas.
“Não é fácil, mas talvez se pudesse ter uma parte da pista coberta ou aproveitar melhor a área vazia do topo Norte”, comentam, assumindo que “há espaços onde dá para fazer algum trabalho, mas não dá, por exemplo, para saltos verticais”.
“Para o atletismo de Leiria poder dar um pulo, era fundamental que tivéssemos um espaço coberto”, acrescentam, já habituados a abrandar o ritmo em dias de chuva ou a procurar alternativas.
Primeira solução do topo Norte
O inacabado topo Norte, onde no início existiram bancadas amovíveis, tem sido mote para inúmeros projectos, mas continua sem uma solução.
Antes do início da nova época, a SAD da União Desportiva de Leiria, a par da melhoria da decoração de todo o equipamento, investiu em grandes lonas para lhe dar uma nova vida.
Recentemente, foi anunciado que a torre nascente vai ser arrendada pelo serviço distrital de finanças. A instalação dos serviços está prevista para 2025, depois das obras de preparação que o município terá de fazer no valor base de 3,5 milhões de euros. O contrato de arrendamento é de 15 anos e prevê uma renda mensal de perto de 30 mil euros por mês.
O restante espaço do topo Norte continua, para já, a servir para arrumação e zona de eventos.
Mas na gaveta guardam-se outros sonhos e ambições para aquela área.
Investimento superior a 100 milhões
O Estádio Municipal de Leiria foi construído no âmbito do Euro 2004, num investimento superior a 100 milhões de euros, entre cerca de 88 milhões para o equipamento desportivo e perto de 20 milhões para acessibilidades.
Ao longo destes 18 anos, destaca-se ainda o investimento de cerca de 580 mil euros em obras de manutenção e reparos em 2018 e outras largas centenas de milhares de euros em manutenção e recuperação do relvado.
Segundo o Relatório de Contas do Município de 2023, faltam liquidar cerca de 17 milhões de euros do investimento inicial.