Não é todos os dias que uma nova compositora se estreia com um disco para orquestra. Aos 27 anos, Estela Alexandre consegue ainda outra proeza: apresenta-se acompanhada por músicos de referência no panorama nacional, em que se incluem, por exemplo, Bernardo Moreira, André Santos e Desidério Lázaro, entre outros, sobretudo da área do jazz.
Cantomilo chega esta sexta-feira (9 de Maio) ao público nos formatos CD, vinil e digital e é lançado ao vivo em Leiria no domingo, dia 11, com início às 18 horas, no Teatro José Lúcio da Silva. O título do álbum presta homenagem ao lugar de “vegetação abundante” em que a pianista escreveu alguns dos temas, em isolamento, durante a pandemia. E onde, “numa fase de redescoberta pessoal e artística”, lhe apareceram “duas grandes paixões: a composição e a Natureza”.
Ornatos e Carlos Paredes
Musa inesperada, a Natureza é “uma forte inspiração” no disco de estreia do projecto Estela Alexandre Orquestra, com o lugar de Cantomilo, nos arredores de Leiria, a servir de cenário para outros interesses – a música portuguesa e “o fascínio” por música para filmes. Além do jazz, o desfecho proporciona uma experiência cinematográfica, como uma viagem com banda sonora, em que o ouvinte fornece as imagens.
“Quando estou a compor não estou a pensar em corresponder a nada em específico, ou seja, não há pré-concepção. Diria que a urgência é a de fazer música”, assinala a compositora que cresceu em Leiria. Prova de que se entrega sem reservas a diferentes sonoridades, as faixas “Coisas”, um original dos Ornatos Violeta, “Dedicatória”, a evocar o génio de “Verdes Anos” de Carlos Paredes, e “Strange Fruit”, canção celebrizada nas vozes de Billie Holiday e Nina Simone, todas incluídas no alinhamento de Cantomilo.
“É-me de facto complexo catalogar esta música e dizer que este é um disco de jazz, porque apesar das influências e dos músicos que tocam nele, não sei bem se é jazz. Mas a verdade é que a própria definição de jazz é ampla e ambígua, também ela difícil de definir”, conclui Estela Alexandre.
Momento decisivo
O disco, que emerge “durante a pandemia e também devido à mesma”, por outro lado “é uma espécie de diário que documenta” o caminho percorrido pela artista, de caloira na Escola Superior de Música de Lisboa até se afirmar como compositora. A primeira vez em palco da Estela Alexandre Orquestra aconteceu no I Festival Internacional de Jazz de Oeiras, já este ano, em Fevereiro, no mesmo cartaz em que se destacavam concertos de Maria João, Mário Laginha e Carlos Bica.
O momento decisivo, segundo Estela Alexandre, viveu-o logo no primeiro ano da licenciatura em Piano, vertente Jazz, na primeira aula de instrumento. “Senti a urgência de falar sobre a minha aptidão, ou falta dela, para o virtuosismo pianístico. Felizmente este meu professor de piano era o Filipe Melo. Acolheu de imediato a minha partilha e mostrou interesse e preocupação em encontrar algo que fosse ao encontro do que eu procurava, ainda que, naquela altura, para mim fosse algo muito indefinido. O primeiro desafio foi compor um original para piano. Depois, fazer um arranjo para a formação que quisesse, com total liberdade”.
Cantomilo reúne sete temas, alguns gravados em casa, à distância, por diferentes músicos, durante a pandemia, outros registados, mais tarde, já em estúdio. “Tudo isto é parte da identidade deste trabalho discográfico”, diz Estela Alexandre. “Não imaginava que alguma vez saísse do papel e ganhasse vida, muito menos que daqui surgisse um disco”. A orquestra confere o toque de magia que se vai escutar já no domingo em Leiria. “Pela possibilidade de imersão que traz. Acabamos por conseguir uma massa sonora e uma imensidão de possibilidades de texturas, cores, formações, que com bandas ou formações mais pequenas não é tão fácil”.