Na época 1993/1994, a cidade vibrava com a subida da União de Leiria à Liga Portuguesa (1.ª divisão) e, no plantel, Manuel Lavos foi um dos jogadores que fez a diferença.
Formado no clube do Lis, com passagens pelo GD Monte Real, Lousanense e Nelas, é transferido do Mirense para o clube que o viu crescer, numa altura em que, para ser titular na baliza, tinha de prestar provas durante vários anos. “Na altura, não se apostava em guarda-redes novos. Hoje, aposto em guarda-redes com 16 anos, mas naquela altura, só aos 24 ou 25 anos é que se dizia que começávamos a ser guarda-redes”.
Viveu aqueles dois anos no melhor campeonato nacional e, ao longo da carreira, conta com passagens por Vila Real, Machico, Marinhense, Leça FC, Camacha e as últimas cinco épocas da carreira no Caranguejeira, já enquanto amador.
Na despedida do futebol enquanto sénior, ainda fez cinco jogos com um dos polegares partido, não fosse a competitividade e o compromisso duas das suas maiores características.
Claro que ainda experimentou os veteranos e, em vez de ser o guardião das redes, jogava à frente. Contudo, a falta do guarda-redes titular levou-o mesmo para a baliza no último jogo da carreira.
Manuel Lavos decidiu que tinha de se fazer à vida e foi em França que encontrou um local para trabalhar. Mudou de vida, mas não esperava que a vida mudasse tanto.
“Chego numa segunda a França, começo a trabalhar na terça e na sexta-feira, às oito menos um quarto, fico sem perna”, conta.
Um acidente de trabalho em Estrasburgo, em 2014, próximo ao local onde pouco tempo depois descarrilou um TGV na sua viagem inaugural, esmagou-lhe a perna esquerda e atirou-o para uma longa recuperação, onde o objectivo sempre foi continuar a andar.
Este antigo guarda-redes sempre viu o lado positivo da vida, contudo, no dia em que foi levado ao hospital, acreditava que “ia morrer”. “Estou aqui hoje porque quem me safou fui eu. Quando vejo a placa de betão a vir directa a mim, saltei, e há uma viga de ferro que me manda ao chão”, recorda.
Entalado, foi ele que deu indicação aos colegas para lhe rasgarem as calças e fazerem um garrote à volta da perna, para estancar o sangue. Até entrar na ambulância, esteve sempre consciente e apercebeu-se da gravidade da situação. “Quando acordo na ressonância, penso que estou morto”, recorda.
Seguiram-se três meses hospitalizado, outros três numa clínica de recuperação e mais cinco num hospital de dia.
Graças à sua vida dedicada ao desporto, os médicos decidiram cortar a perna abaixo do joelho, uma ‘quebra’ de protocolo que actualmente lhe dá muito mais movimento.
Admite que ‘saltou’ a fase de negação e aceitou imediatamente – e de forma surpreendente – a sua nova condição. “A minha realidade é esta. Vale a pena olhar para trás? Não, é olhar para a frente”
Ser guarda-redes ajudou
“O futebol ajudou-me e ser guarda-redes ainda mais, porque o guarda-redes tem uma educação completamente diferente dos outros jogadores. O guarda-redes está sozinho durante o jogo todo, os outros jogadores estão associados. Pode fazer 95 minutos muito bons, mas se ele dá um frango aos 96, perde o jogo. O avançado pode falhar milhentas vezes e fica 0-0. O guarda-redes não pode falhar.”
Com esta ideia presente, regressou ao futebol no SCL Marrazes e começou a treinar os guarda-redes.
Não tirou o curso – até porque é muito recente – e acredita que não se aprende com os livros, mas com a experiência. “Há um desafio: estou sem perna e vou demonstrar que não há barreiras, não há impossíveis. É o que digo: olhem para mim e para o que consigo fazer. Não faço o treino igual como os outros? Faço. É dedicação e resiliência.”
Já passou por vários emblemas e, nesta última época, esteve ao serviço das equipas da Academia do Sporting de Leiria, em Monte Real.
Lamenta o facto de haver poucos treinadores de guarda-redes que realmente entendam as especificidades desta posição e esforça-se para que os seus jogadores se sintam confortáveis na baliza.
“O guarda-redes tem de ser o primeiro a dar o sinal à equipa quando sofre golo. Ir buscar a bola dentro da baliza e vamos lá. E se dão um frango, temos de viver com os nossos demónios. Quanto melhor sabem viver com os seus demónios, melhores guarda-redes se tornam, para lidar com a frustração e o erro”.