A participação nas atividades do Centro do Património da Estremadura proporciona aos membros da sua Direção valiosas oportunidades de reflexão. Enquanto historiador, tendo a dar maior atenção ao devir do que à permanência.
Porém, é desta que se ocupa a recolha e revivificação de tradições populares, levada a cabo, entre outros agentes, pelas associações e ranchos folclóricos, com quem temos tido felizes ocasiões de conviver mais de perto, nomeadamente nos encontros “Falando de Etnografia”, organizados pelo CEPAE, em parceria com a Associação Folclórica da Região de Leiria – Alta Estremadura, nomeadamente nas sedes dos ranchos de Santa Catarina da Serra, Pombal e Alvorge.
Um dos aspetos mais referidos nestes encontros é o problema da genuinidade das reconstituições do traje, que nos pode levar longe em considerações.
Nestes casos, a genuinidade é medida pela memória daqueles de quem ainda nos lembramos – os nossos pais e avós.
É certo que a cultura popular, objeto da etnografia, se caracteriza por um vasto anonimato, pela tradição oral mais do que pela escrita e por lentas mudanças.
Não é de admirar que uma saia [LER_MAIS] dos anos trinta do séc. XX não fosse significativamente diferente de uma outra do fim do séc. XIX.
Porém, desenhos e gravuras, mais abundantes a partir de finais do séc. XVIII, bem como fotografias antigas, ilustram diferenças e mutações de costumes, por vezes oriundas de outros estratos sociais e regiões.
Lembro-me do c aso do fandango. Somos nós próprios – os da minha geração e de meus pais – quem assistiu a transformações mais dramáticas na cultura popular, que, na sua genuinidade de hoje, teríamos muita dificuldade em caracterizar.
Com legítima nostalgia, aferramo-nos à memória próxima como se longínqua e intemporal fosse.
A verdade, quer-me parecer, é que ainda não chegou à memória da cultura popular a democratização necessária para que esta possa ser encarada como parte de uma história maior, menos umbilical, capaz de se rever nas virtualidades e traumas das relações entre as classes populares e a restante sociedade; como parte da história do país, da rica relação entre regiões; como parte, em suma, da história e não como seu parente pobre.
*Vice-presidente da Direcção do CEPAE
Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990