Final de tarde de segunda-feira, dia 15. A sala de espera da Unidade Saúde Familiar (USF) D. Dinis, em Leiria, está praticamente vazia. Há pais a acompanhar os filhos, um adolesceste e uma criança, com febre. Irão ser observados por um dos dois médicos de serviço.
Na outra ponta do edifício, onde funciona a USF Cidade do Lis, há apenas uma pessoa a aguardar atendimento. Cenário diferente encontrámos na sala de espera do Centro de Saúde Gorjão Henriques, que ocupa a parte central do edifício. Quase não existem cadeiras disponíveis e há pessoas a aguardar há cerca de três horas, na esperança de conseguirem uma vaga nas consultas abertas.
“Cheguei às 15 e só fui atendida depois 18 horas”, conta uma utente. “Parece que há cidadãos de primeira e de segunda”, diz Sandra de Jesus, utente associada àquele centro de saúde, que lamenta não poder estar integrada na USF. “Como o meu médico não aderiu a nenhuma, tenho de continuar aqui. Devíamos ter liberdade de escolha”, defende.
Coordenador da USF D. Dinis – uma das primeiras a abrir no distrito – durante quase dez anos e onde continua a trabalhar, Borrego Pires reconhece haver “alguma razão” para os utentes que não se encontram abrangidos por estas unidades sentirem que há “uma saúde de primeira e de segunda”.
“É um modelo que, no geral, funciona bem e que tem conseguido ir ao encontro das necessidades dos utentes”, refere o médico, que aponta “o tipo de organização e a proximidade das decisões aos utentes” como duas das mais-valias destas unidades.
Para ilustrar o que acaba de dizer, mostra-nos a sua agenda do dia, onde foi intercalando atendimentos marcados pelos utentes para situações não urgentes, consultas de intersubstiutição para observar pacientes de outros colegas que não estão ou não tinham mais vagas, consultas abertas e pós-laborais: Pelo meio, ainda houve tempo para actividade não assistencial, onde se inclui a análise de meios complementares de diagnóstico e a emissão de receituário.
“Este tipo de organização permite que não se acumulem muitas pessoas em espemodelo pressupõe “trabalho de equipa”. Ou seja, quando há um elemento, seja médico, administrativo ou enfermeiro, que está ausente por férias, doença ou formação, por exemplo, as suas tarefas são redistribuídas pelos restantes profissionais, de forma a garantir o atendimento e, assim, assegurar o contrato de prestação de serviços com a tutela.
Esse acordo estabelece parâmetros de qualidade, acessibilidade e diversidade de serviços. Se os objectivos forem atingidos, “há incentivos financeiros” para os profissionais e para a unidade.
Actualmente, existem 16 USF no distrito, sendo que nove estão localizadas no Agrupamento de Centros de Saúde do Oeste Norte e as restantes sete no Pinhal Litoral. Neste último território, do qual fazem parte os concelhos de Batalha, Leiria, Marinha Grande, Pombal e Porto de Mós, há quase 90 mil utentes abrangidos por USF.
As mais recentes são a USF Mar (Peniche) e a UFS Pombal Oeste, constituídas em 2017, ano em que, de acordo com o último relatório estatístico do Ministério da Saúde, citado pelo Jornal Económico, foram abertas 12 novas unidades, um número aquém da meta traçada por este Governo que se propunha criar 25 por ano.
Se no geral, o modelo funciona, por que não existem então mais USF? Para Borrego Pires há uma responsabilidade partilhada. Por um lado, a tutela “não incentiva”. Por outro, há “falta de vontade” dos médicos que estão de fora. “No início as pessoas juntaram- se de acordo com as suas preferências pessoais e formas de trabalho. Agora, é mais complicado. Pressupõe um trabalho de mentalização e de sensibilização para a criação destas unidades. Quem manda, não tem feito esse trabalho”, diz Borrego Pires.
[LER_MAIS] Em entrevista recente ao JORNAL DE LEIRIA, Manuel Carvalho, coordenador da USF de Santiago, em Marrazes, Leiria, sublinhava a responsabilidade dos profissiois nesta matéria, frisando que a constituição destas unidades “é feita de forma voluntária”.
“À medida que se foram constituindo as USF, foram-se escolhendo os melhores. Os outros não podem ser expulsos, mas continuam a ter o direito a trabalhar. Por que não foram escolhidos? Ou porque não têm vontade de inovar ou porque são pessoas que não estão no lugar certo. É por essa razão que ainda existem centros de saúde”, alegava Manuel Carvalho que, apesar disso, acredita que, a breve prazo, a generalização das USF seja uma realidade.
Mas, para tal é necessário também que a “comunidade exerça pressão” nesse sentido, defende Borrego Pires. Pedro Sigalho, director do ACES do Pinhal Litoral, adverte, no entanto, que para haver mais USF são necessários recursos humanos, uma lacuna que considera ser o principal obstáculo para a constituição de mais unidades destas. “[Não existem mais] principalmente pela falta de profissionais”, afirma.