Se fechar os olhos, Helena Reis ainda consegue sentir a areia molhada a moldar-se entre os dedos gorduchos do irmão Zé Pedro, à sombra da barraca de praia que a família alugava ao dia, na Praia do Pedrógão. Até aos quatro anos aquele era o areal que o guitarrista dos Xutos & Pontapés (desaparecido em 2017) melhor conhecia, muito antes da família comprar uma casa na Praia do Vau, no Algarve.
“Tenho as melhores memórias desses Verões no Pedrógão. Éramos muitos, nós – na altura ainda só quatro irmãos – e os primos”, conta ao Jornal de Leiria a irmã Helena, autora da biografia do músico (Não Sou o Único, 2007). Foi aí que pela primeira vez revelou publicamente alguns relatos desses anos dourados, quando a família passava os verões no Louriçal (Pombal), onde o avô paterno era médico.
No livro, Helena Reis cita o diário da mãe: “no dia 28 de julho de 1957, foi à beira-mar pela primeira vez: gostou imenso da areia, riu-se muito, mas teve muito medo da água”. Rapidamente perderia o medo. “E durante quase toda a sua vida, viverá perto da água. Estão para vir os verões passados na Praia do Pedrógão, Figueira da Foz, Praia da Rocha, Praia do Vau, Dili (Timor) e tantos outros”, acrescenta Helena na biografia do irmão.
“O Zé Pedro adorava a praia”, sublinha agora ao Jornal de Leiria, nostálgica desse tempo em que tudo se resumia a família, festa, dias longos e serões de província. Os avós viviam num casarão, na vila do Louriçal, onde os mais antigos ainda se lembram do Dr. Reis, o médico que andava a cavalo pelas aldeias da freguesia, acompanhado de um cão. Nessa casa (dos avós paternos) “havia sempre um rádio ligado”, além do piano onde a avó Mimi (Maria da Conceição) tocava todos os dias, “e às vezes até nas festas do Louriçal”.
No areal da Praia do Pedrógão a família Reis fazia grandes piqueniques. “A nossa mãe adorava a praia e por isso ficávamos por lá o dia todo. Fazíamos castelos de areia, com muitas conchas e pedrinhas, jogos diversos. E cantávamos muito, sempre. A nossa mãe era muito alegre e punha-nos sempre a cantar”, recorda Helena Reis, que voltou ao Pedrógão mais tarde, algumas vezes já adulta, “para me recordar daqueles tempos fantásticos”.
Os amigos de Miguel Franco na Nazaré
É de memórias (boas e más) que se faz o capítulo da Nazaré na vida da pintora Maria João Franco, filha de Miguel Franco, o actor, encenador e dramaturgo natural de Leiria – cujo nome foi perpetuado num Teatro. No final da década de 50 e princípio da década de 60, a família recebia nas férias de verão um amigo especial: o escritor (e médico) Bernardo Santareno, que ficava alojado na mesma pensão.
Nesses anos dourados várias famílias de Leiria passavam férias na Nazaré, onde os dias eram de boa praia, muita conversa entre os adultos e brincadeira entre os mais novos; e as noites de animação na esplanada da praça ou nos bailes do Casino.
Maria João Franco tinha 13 anos quando conheceu Bernardo Santareno. “Ele tinha imensa graça. De tudo fazia uma piada qualquer, a começar por aquele ritual de se atirar à água, que não podia ter mais de dois centimentros de altura… porque ele não sabia nadar. Chapinhava ali, e depois recuperava os óculos (via muito mal) e voltava para a toalha. Também tinha dias em que oscilava essa graça com algum estado depressivo”.
A felicidade dos Verões da família Franco na Nazaré seria tragicamente interrompida pela morte súbita do irmão, em 1963. “Nunca soubemos a causa da morte – a minha mãe optou por não deixar autopsiar – mas a partir daí a Nazaré ficou para sempre associada a essa desgraça que se abateu sobre a nossa família”, conta a pintora ao Jornal de Leiria.
A partir daí Miguel Franco, a mulher Edith, e a filha Maria João, passam a fazer praia no Algarve. Bernardo Santareno (pseudónimo literário do médico psiquiatra António Martinho do Rosário) continuará a acompanhá-los até finais dos anos 70. Quando adoeceu, ficava-se por Cascais, e assim foi até à sua morte, a 29 de Agosto de 1980. E mesmo depois da morte dos pais, Maria João Franco não voltaria à Nazaré, a não ser de passagem.
São Martinho e São Pedro, da realeza à burguesia
“Tenho viajado muito em Portugal e no Estrangeiro, mas não conheço nada mais lindo que São Martinho do Porto”, terá dito um dia o Rei D. Carlos, deslumbrado com a beleza da baía que cativou diversos monarcas no final do século XIX e princípio do século XX, de tal forma que a baía acabaria por ficar conhecida como “o bidé das marquesas”.
Entre a realeza e a burguesia que ali se instalava no verão, às senhoras bastava “molhar os pés na água”, sabendo que “os longos cabelos molhados com água salgada produzem mais males do que aqueles que o banho é destinado a combater", aconselhava Ramalho Ortigão no seu livro As Praias de Portugal: Guia do Banhista e do Viajante, publicado em 1876.
A atracção por São Pedro de Moel
Os loucos anos 20 levaram a São Pedro de Moel o princípio de uma arquitectura de autor “ímpar no país”, como sublinha Gabriel Roldão, que ali mora há muitos anos. “Era uma praia frequentada por uma certa elite, que aqui se instalou”, conta ao Jornal de Leiria, certo de que se tornou “tão poderosa que levou a Câmara a fazerl -lhe o primeiro campo de ténis que aqui existiu”.
Um dos primeiros a chegar terá sido Geraldino de Brites (avó da escritora Maria Luís Roldão Brites, de Pombal), “que era mais do que um médico, era um cientista”. Como São Pedro era, afinal, uma aldeia, Geraldino construiu ali o palacete quando o filho – o advogado pombalense [LER_MAIS] Luís Brites – se perdeu de amores por uma rapariga da Marinha Grande, filha de um industrial, da família de Gabriel Roldão. Luís Brites era amigo íntimo de Álvaro Cunhal. E por isso haveria de acolher muitas vezes o líder comunista na casa de São Pedro.
Entretanto, nos anos 60/70 São Pedro assistiu a uma nova leva de veraneantes, seduzidos pela beleza da praia e pela proximidade das matas, do Pinhal do Rei. Foi o caso da actriz Eunice Muñoz, que no princípio da década de 70 mandou construir uma moradia, na parte mais nova, a sul de São Pedro.
“Encontrava-a muitas vezes aqui, ela gostava muito de conversar com toda a gente”, recorda Gabriel Roldão. A actriz acabou por vender a casa nos anos 90, e desde então não mais foi vista na praia.
As sugestões de figuras nacionais e internacionais na região
Grabriel, o Pensador, artista: Praia do Norte (Nazaré)
“Deu saudade da Nazaré agora, ao passar pela placa na estrada a caminho do show em Pombal”, escrevia no seu instagram oficial – onde comunica diariamente com os fãs – o músico brasileiro Gabriel o Pensador, a 29 de Julho último.
Estávamos em plenas Festas do Bodo e o artista seleccionou um conjunto de fotografias da autoria de Manuel Ricardo, que retratam uma das vezes em que foi surfar para a praia do Norte, onde regressa sempre que pode.
De resto, também por lá já encontrou MacNamara, o surfista profissional que se apaixonou pelas ondas gigantes ao mesmo tempo que as colocava na história e no mapa mundial. E nesse dia deixou a promessa: “essa semana vai dar um surf, vai rolar Nazaré”, ele que popularizou o tema Solitário Surfista que faz parte de qualquer concerto, entre os muitos que tem agendados para Portugal até ao final deste Verão.
Alice Vieira, escritora: Livraria Arquivo
“Há lugares onde se vai muito, outros onde se vai menos…E normalmente eu só viajo em trabalho. Vou onde me chamam-e devo dizer que me chamam muito, mas muito mais para o norte”, revela a escritora Alice Vieira, que há muitos anos passa os verões na Ericeira. “Mas tenho uma grande recordação de Leiria : há quase 40 anos, estava eu a começar as minhas lides de escritora, uma escola de Leiria convidou-me para lá ir. Chego à hora marcada mas a professora não estava à porta à minha espera. Passa então um miúdo a correr, viu-me e parou: "Tu é que és a Alice Vieira?" "Sou." " A escritora?" "Sim" "Ah… Nos meus livros os escritores estão todos mortos…" E desandou.
Esse episódio – que a acompanha para onde quer que vá – já foi também contado na Livraria Arquivo, que é o local recomendado por Alice Vieira por estas paragens. “Aqueles encontros são sempre uma alegria, cheios de gente, pais ou professores levam os miúdos, e com conversa muito animada. Possivelmente o miúdo de há 40 anos também já lá esteve, a confirmar que nem todos os escritores estão mortos…”
Ruy de Carvalho, actor: Praia Fluvial de Poço Corga
“Se tiver de recomendar a alguém um local calmo, bonito e agradável para passar uns dias de férias é a praia fluvial de Poço Corga, em Castanheira de Pera”. O actor Ruy de Carvalho tornou-se uma presença assídua no interior norte do distrito de Leiria depois dos fogos de Junho de 2017.
Desde então regressa regularmente a Nodeirinho (Pedrógão Grande) e à Quinta da Nogueira, no Bolo (Castanheira de Pêra), por via da amizade com o pintor João Viola e a mulher, Dina Duarte. “O Ruy apareceu a primeira vez poucos dias depois do fogo, acompanhado de vários actores e outros artistas. Vinham distribuir águas e mantimentos pelas pessoas afectadas. Desde então ficámos amigos”, conta João Viola.
Paula Carvalho, a filha do actor, que o acompanha sempre nessas deslocações, acrescenta ao Jornal de Leiria que há outro local muito apreciado pela família: “as casas de campo Aldeia de Camelo, igualmente em Castanheira de Pera”.
Maria Flor Pedroso, jornalista: Barragem do Cabril
“A minha sugestão é comer um maravilhoso bucho no restaurante Lago Verde, com vista para a barragem do Cabril”. Poucos sabem que a jornalista – directora de informação da RTP – tem ali as suas raízes: “a família do meu pai é de Pedrógão Grande, dos Escalos do Meio. Uma aldeia que não foi atingida pelo fogo”, conta ao Jornal de Leiria.
Por esta altura a Barragem do Cabril é visitada por milhares de turistas, que aproveitam as piscinas naturais para banhos nos dias quentes do interior; mas também pelos amantes dos desportos náuticos. Cabril é uma das maiores barragens portuguesas, uma obra de arquitetura construída com o objetivo de ser uma reserva de água doce, mas que acabou por dar também lugar a um amplo espaço de lazer ao ar livre, ideal para os amantes da natureza.
Marcelo Rebelo de Sousa, Presidente da República: Praia das Rocas
Foi há um ano que o Presidente da República quis dar o exemplo e promover o interior – entretanto afectado pelo grande incêndio de 17 de Junho – levando com ele um batalhão de jornalistas. A ideia era “contagiar os portugueses para umas férias diferentes” e por isso Marcelo Rebelo de Sousa quis experimentar uma série de praias fluviais nos concelhos afectados pelo fogo. “Estou agradavelmente surpreendido. Há aqui uma reação vital”, frisou o Presidente aos jornalistas, quando experimentava pela primeira vez o complexo da Praia das Rocas, em Castanheira de Pera.
Ficaram célebres as fotos dentro de água, com miúdos e graúdos. Não se sabe se foi o efeito Marcelo ou se a divulgação (à escala nacional) do espaço, na sequência dos incêndios, mas a verdade é que a empresa municipal que gere a Praia das Rocas registou no ano passado o recorde de entradas no espaço (mais de 100 mil) – onde continuam a faltar sombras, que esgotam rapidamente, mesmo com um reforço de chapéus e espreguiçadeiras que aconteceu no início da época balnear.
Francisco José Viegas, escritor: São Pedro de Moel
“Desde que o Algarve foi inventado que vale a pena passear pelo resto do país. Na minha adolescência (vínhamos de Trás-os-Montes por uma temporada), São Pedro de Moel era um destino para crepúsculos românticos e dias de praia como sabemos: fresquinhos de manhã (com camisola), temperados à tarde, de passeios rente ao mar pela noite. Ainda hoje São Pedro tem esse apelo à minha memória, de quando – em 1976 – ouvíamos Ramones (Judy Is a Punk e I Wanna Be Your Boyfriend) em cassetes no areal. Passados 40 anos, se houvesse verão, gosto de v isitar São Pedro”.
O testemunho de Francisco José Viegas é cristalino como as águas do mar em dias de céu azul. O jornalista e escritor que regressa amiúde também recomenda outros lugares da região neste Agosto: “Óbidos, naturalmente. A vila, prefiro-a fora do Verão – mas a Lagoa de Óbidos é de todo o ano, tal como a sua praia, os caminhos entre pinhais, dois restaurantes que eu sei, e o cheiro do mar bravo. Chegar lá é metade do prazer”.
E finalmente, São Martinho do Porto – “o meio-círculo da sua baía, branca e sua, vale por tudo; tal como ir comer peixe fora da estação, e ver o rebentamento das ondas para lá do túnel de rochas, ou a memória de Salir”.