O plástico vive novos desafios, relacionados com a reciclagem e sustentabilidade, entre outros. Está a indústria preparada para lhes responder?
Está mais preparada do que o consumidor. É um facto que a indústria não estava a dar a devida atenção ao tema da sustentabilidade. Mas tem feito algo – provavelmente não o suficiente – relativamente a esse assunto. Um tema complicado de pôr na agenda, porque não vendia, porque os meios de comunicação e as redes sociais não pegavam nele. A sociedade de consumo em que vivemos quer sempre melhor, mas por vezes com base em estudos pouco científicos. ‘Vamos acabar com os plásticos’ é um slogan que pega bem, mas muitas vezes estamos a substituir os plásticos por produtos que, do ponto de vista ambiental, são muito piores, que têm uma carga anti-ambiente muito superior à dos plásticos. Estes acabam por ser penalizados pela sua visibilidade.
O plástico tem estado debaixo de fogo, acusado de ser a causa maior da poluição mundial…
Claro que sabemos que há mais plástico do que peixes no mar, mas quem é que o pôs lá? As garrafas não nasceram nos oceanos. Há todo um trabalho que tem de ser feito através da cadeia de valor. E quando se fala nela vale a pena olhar para dois grandes actores: a indústria, como um todo, e o enquadramento regulatório. Porque este é fundamental. Sem um forte enquadramento regulatório não se conseguirá dar a volta ao tema. A articulação entre o Estado, a União Europeia e a indústria é fundamental. Não nos esqueçamos que quando se fala do lado mais visível do problema da poluição, que são os mares, 80% do que lá vai parar vem de dez rios do sudeste asiático e de África. Estar em África a falar de sustentabilidade a uma pessoa que não tem um dólar por dia para comer… Talvez não seja a sua prioridade. A Europa representa 1% da poluição dos mares. Este é um problema global, que tem a ver com a sociedade em que vivemos. Mas é impossível hoje viver sem plástico. Está estudado que mais de 40% da logística alimentar seria perdida caso se acabasse com o plástico. Passar a acondiconar o leite em garrafas de vidro? Não tenho nada contra este material, que é extraordinário, mas a carga de CO2, quer na produção de uma garrafa de vidro quer no seu transporte, é muito superior ao do plástico. Isto tem de ser tudo avaliado.
Em 2021 deixa de ser permitido o uso de alguns produtos plásticos de utilização única. É uma medida acertada?
É uma medida política, que tem muito de reacção de instituições regulamentares face a pressões da opinião pública. E mais uma vez pouco sustentada. Há aqui um problema grave. A indústria não tem resposta para implementar instantaneamente soluções alternativas. Por isso, este tema do single use plastic implica sobretudo que é preciso pensar em algo a médio prazo e não em querer soluções instantâneas, que politicamente são muito interessantes, mas do ponto de vista do ambiente não nos vão levar a lado nenhum.
A reciclagem que temos era adequada há 20 anos, não o é agora?
[LER_MAIS]Nem há 20 anos era a adequada. Até há dois anos, a indústria petroquímica não olhava para a reciclagem como um negócio, mas sim como algo concorrencial ao seu próprio negócio, não entendendo o que era o futuro.
No que toca à recolha, há que incentivar o consumidor a depositar os resíduos nos locais certos…
Absolutamente. Daí o enquadramento regulatório ser fundamental, por exemplo quando se fala do chamado depósito [tara]. É uma legislação recente em Portugal, mas cujo enquadramento ainda está áquem do que devia ser feito. Isto já funciona numa série de países.
O plástico é um material com futuro garantido?
É o material que vai permitir que a sociedade continue a ter futuro. Não podemos pensar no plástico só na vertente da embalagem. Vejam-se as vertentes médica, automóvel, nos electrodomésticos, entre outras. Tudo tem plástico.
Mão-de-obra e factores energéticos são constrangimentos que podem condicionar o desenvolvimento desta indústria em Portugal?
Creio que não. Cada vez mais, caminhamos para uma indústria de capital intensivo, em que a automação será uma realidade. Acredito que o tema da mão-de-obra não qualificada não será um problema. Temos de nos preocupar em dar formação a quem trabalha connosco. O tema da formação é cada vez mais relevante quando se fala de mão-de-obra.
A Logoplaste recebeu no ano passado mais de cinco mil candidaturas de emprego. É fácil encontrar as pessoas certas para os diferentes lugares?
Depende dos mercados. A grande preocupação prende-se com o centro de desenvolvimento, no qual são necessários data cientist, pessoas que saibam tratar informação. Aqui pode ser menos fácil encontrar os candidatos correctos. Mas em alguns mercados onde trabalhamos, conseguir recursos humanos qualificados é complicadíssimo. Os Estados Unidos, por exemplo, são um dos países mais complicados para encontrar pessoas para trabalhar.
Que conselhos daria a um jovem que entre agora no mercado de trabalho e que se queira distinguir?
Não dou conselhos a ninguém porque acho que dar conselhos é algo arrogante. Mas diria que o segredo é trabalhar. E estar muito alerta e muito atento ao que se passa à nossa volta e ser extremamente persistente. Hoje vejo em alguma da nossa juventude que o tema do compromisso, do investimento de grande parte do tempo no trabalho, talvez não seja a grande prioridade. Existe muito a preocupação da vida equilibrada, com o tema do lazer muito presente. Mas é complicado querer ser dos melhores sem esforço. No pain no gain, como dizem os americanos. É claramente assim.
A Logoplaste é uma das maiores empresas mundiais de fabrico de plástico, com 71 fábricas em 17 países. Como é que se gere um negócio desta dimensão?
Com gente melhor do que qualquer um de nós. O grande segredo é as pessoas que contratamos serem melhores do que as pessoas que temos na empresa. Assim se consegue crescer e fazer com que a empresa se desenvolva. Depois, tem de existir uma enorme capacidade de delegação. Queremos que cada pessoa sinta que a empresa é sua e que o trabalho que faz é reconhecido. Tem de haver objectivos claros sobre o que deve fazer, participando no desenvolvimento desses mesmos objectivos.
Algumas das apostas nos países onde a empresa está actualmente vieram a revelar-se um erro…
Claro que sim. Diria até que é melhor uma pessoa errar do que estar sempre a acertar. Tendemos a aprender mais com os erros do que com o que se faz bem. Tivemos erros graves. Não há história de sucesso sem grandes insucessos. Em 1991 a Logoplaste estava praticamente falida, foi preciso reinventá-la. Em termos de processo de internacionalização, errámos na estratégia mais de uma vez, errámos nas contratações das pessoas chave para alguns dos mercados… Fizemos erros clamorosos. O importante é reconhecer o erro muito rapidamente e agir em conformidade.
O que tem a Logoplaste de diferente para merecer a confiança, durante tantos anos e repetidamente, de gigantes mundiais como a Heinz, Coca-Cola, Danone, L’Oreál, ou Protector & Gamble?
O trabalho de uma equipa fantástica, de pessoas extraordinárias, e muita persistência. Nada acontece de um dia para o outro. Há três anos, para continuarmos a crescer, abrimos o capital, porque só assim podíamos desenvolver a empresa e continuar a crescer com a Henkel, por exemplo. Só chegámos ao ponto de ter novos contratos para assinar e um crescimento muito forte com estas grandes empresas de renome internacional porque tivemos 20 anos a investir, a crescer, depois de começar do zero, de bater à porta, de insistir. Mas depois temos de provar que conseguimos.
Disse há uns anos numa entrevista que falta liderança e cosmopolitismo aos empresários portugueses. Mantém esta opinião ou algo mudou?
Mudou muito. Houve uma renovação geracional. Portugal hoje é muito mais cosmopolita, até devido ao turismo. Mas acredito que a classe empresarial portuguesa ainda é pouco forte. Manifesta-se pouco, não é compreensível que não tenha posições de forma mais acintosa sobre o que se passa no País. Devemos defender o nosso País, e a única forma de o fazer é com posições estruturadas, que se assumem publicamente e de maneira forte. E para isso é que servem as associações.
É presidente do Conselho da Diáspora. Como definiria a diáspora portuguesa hoje, numa altura em que já não se fala tanto em emigração mas antes em mobilidade?
Os 5,5 milhões de portugueses que vivem lá fora continuam a ser as mesmas pessoas. O que mudou muito foi o mundo onde vivemos. Conceitos como emigração e imigração estão algo ultrapassados. Temos um mundo no qual todos circulamos. Hoje, ir dois ou três anos estudar para França, Inglaterra, Estados Unidos, Brasil ou China, regressar, estar cá uns anos, voltar a sair para trabalhar, faz parte da realidade. O conceito de fronteiras é completamente diferente de há 20 anos ou de quando entrámos na então Comunidade Europeia. Por isso, quando vejo políticas que passam por dar seis mil euros às pessoas, para voltarem para Portugal… é ridículo. As pessoas que queremos que voltem, que são as mais qualificadas, com todo o respeito pelas outras todas, não vêm por seis mil euros. Vêm se forem criadas condições, enquadramento, oportunidades.
Perfil
Entre a banca e os negócios
Filipe de Botton é licenciado em Gestão de Empresas pela Universidade Católica Portuguesa. Foi fundador e membro da administração da Interfinança, e fundador e membro da administração da Fonsecas & Burnay Gestão de Activos Mobiliários e Imobiliários. Fundou, em 1976, com o seu pai, a Logoplaste, passando a CEO em 1991. Foi distinguido como Empresário do Ano de 2004 pelo Congresso Internacional de Empreendedorismo e Venture Capital e recebeu o prémio Personalidade de Marketing Industrial 2004. Em 2006 foi designado Grande-Oficial da Ordem do Mérito, em 2011 recebeu o Prémio Carreira da Universidade Católica Portuguesa e em 2014 foi agraciado com a Grã-Cruz da Ordem do Mérito Empresarial Classe Industrial. É presidente da direcção e sócio-fundador do Conselho da Diáspora Portuguesa e conselheiro do Comércio Exterior de França. É igualmente presidente da Comissão Executiva do CADin – Centro de Apoio Neuro Desenvolvimento e Inclusão.