Acabar com o almoço antes que o almoço acabe connosco. É este o título de um texto assinado por Henrique Raposo e publicado na semana passada no Expresso, no qual o escritor e colunista deste semanário defende que o hábito português de uma hora ou mais de almoço nos dias de trabalho “é um dos nossos maiores problemas económicos”.
Com almoços alargados, a jornada de trabalho acaba por se estender, com muitos trabalhadores a chegarem a casa depois das 19 ou mesmo das 20 horas. Este dia-a-dia “torna impossível a maternidade ou paternidade”.
Para Henrique Raposo, “a nossa fraca produtividade e a nossa baixa natalidade, talvez os nossos maiores problemas de fundo, têm a sua primeira raíz no absurdo hábito do almoço gigantesco durante a semana de trabalho”.
A questão dos horários que se estendem e do trabalho que se prolonga, no escritório ou em casa, tem sido assunto recorrente. Já em 2016, aquando da apresentação de um estudo sobre o impacto do excesso da carga horária laboral na saúde e na vida familiar, o psiquiatra Pedro Afonso alertava que “estamos passivamente a aceitar um novo tipo de esclavagismo”.
Hoje, em Portugal, e exceptuando o comércio e o trabalho por turnos, os horários são de 40 horas semanais, com dois dias de folga ao fim-de-semana, o que significa uma jornada de trabalho diária de oito horas.
Para António Poças, empresário e presidente da Nerlei, dois períodos de trabalho de quatro horas é a solução que “proporciona o maior equilíbrio”. Defende que, “quando possível”, a flexibilidade na hora de entrada e de saída e na duração da pausa de almoço “será a melhor forma de conciliar a vida profissional e pessoal”.
Mas, alerta, a necessária e desejada flexibilidade “não está plasmada na lei, devido à necessidade de proteger os abusos por parte das empresas, e esse facto acaba por tornar muito rígido o acordo de horário com os trabalhadores, indo contra os seus próprios interesses”.
Pedro da Quitéria Faria afirma que a legislação contempla já uma série de mecanismos que permitem a flexibilidade (aponta o banco de horas, os regimes de teletrabalho, os contratos intermitentes e o regime de adaptabilidade), mas frisa que, “na prática, estes mecanismos são pouco usados”.
Deve-se isto, na opinião do especialista em direito laboral, à cultura empresarial vigente – “o empregador entende que se a pessoa estiver em casa pode não estar realmente a trabalhar” – e à mentalidade dos próprios trabalhadores, que entendem que a sua posição pode ficar fragilizada por falta de reporte face aos seus superiores.
O advogado lembra que nem todos os sectores são passíveis de ser alvo de aplicação de mecanismos de flexibilidade. “Não se imagina que um trabalhador fabril possa trabalhar a partir de casa”. Por outro lado, os instrumentos de regulação colectiva podem também não permitir a aplicação desses mecanismos.
Para o presidente da Nerlei, hora de entrada e de saída e duração do almoço são factores que variam de pessoa para pessoa, e também ao longo das fases da vida. “Há quem prefira ter uma hora de almoço mais longa porque lhe permite ir a casa, ou tratar de algum assunto pessoal, ou mesmo ir ao ginásio; há quem prefira entrar mais cedo e sair mais cedo porque deixa os filhos a essa hora na escola, mas também há quem prefira fazer exercício de manhã e começar mais tarde”.
António Poças entende que, de modo geral, “os problemas de horários em Portugal ocorrem nos locais com horários de funcionamento superior às 40 horas semanais e em que a conjugação dos turnos torna difícil a normalidade do dia-a-dia”.
Quanto à possibilidade de reduzir a hora de almoço para antecipar o fim da jornada, considera que faz sentido nas empresas situadas em centros urbanos. Mas defende que, ainda assim, é preferível apostar na flexibilidade, “garantindo um tempo mínimo comum a toda a equipa e períodos do dia em que umas pessoas estão a trabalhar e outras não, de forma a ajustar à preferência e necessidade de cada um”.
[LER_MAIS] Será isto viável em Portugal? Para Ricardo Gonçalves, fundador da empresa Collectiv, a redução da hora de almoço é um dos passos de um processo mais amplo no sentido da diminuição das jornadas de trabalho, que em muitos casos são superiores às oito horas definidas na lei.
“Os números são bastante elucidativos e reveladores de que não é por passar mais horas no local de trabalho que a produtividade aumenta. Temos de começar a ser mais orientados à eficiência e eficácia e não às aparências”, escreveu recentemente na Visão.
“Todos os estudos apontam que Portugal é um dos países com os horários de trabalho mais alargados e menor produtividade”, lembra Mário Ceitil.
O presidente da Associação Portuguesa de Gestão das Pessoas frisa que, actualmente, num contexto em que a tecnologia permite que se trabalhe a partir de qualquer local, “não faz sentido persistir num horário com muitas horas”.
A produtividade, lembra, depende de diversas variáveis, uma delas o facto de o trabalhador ter noção do valor criado pela função que desempenha.
Quanto à hora de almoço, defende que é importante uma pausa entre tarefas, embora reconheça que poderá ser negativo se for demasiado extensa.
E lembra que em muitos países nórdicos ela é só de meia hora, para permitir que os trabalhadores saiam cedo do trabalho e seja possível aquilo a que se chama work-life integration. Integração entre vida profissional e pessoal, mais do que apenas equilíbrio.