André tem memórias dele a tocar no bar Holandês do Pedrógão mas agora é Hugo Pires que se mistura entre o público com os olhos postos no filho, também baterista. “Estou a vê-lo e está malta ao lado a dizer: é muito melhor do que o pai!”. Provocações à parte, a geração das bandas de garagem já tem descendência debaixo dos holofotes e os mais novos dividem com os mais velhos o gosto por amplificadores e fita gafa. “E é um orgulho”, comenta o antigo músico de No Sense ou Pinhal d’El Rei, actualmente no colectivo Lazyman, com que, em tempos, actuou no EDP Live Bands. “Projectamos neles aquilo que nós não fomos e queremos que eles sejam felizes assim”.
Não é exagero escrever que o filho, hoje com 19 anos e a estudar em Caldas da Rainha, na Escola Superior de Artes e Design, cresceu numa sala de ensaios, com o tio, e, claro, com o pai. “Desde pequenino se sentava na bateria ao meu colo”. Nem sempre seguem os mesmos artistas, mas partilham a paixão e o à vontade. Na primeira vez em palco, com a Filarmónica das Chãs, André vestiu-se de macaco para interpretar “Seven Nation Army”, dos White Stripes.
Leiria nos anos 90 são cassetes a circular entre amigos, que, a existirem ainda hoje, incluem, seguramente, os êxitos iniciais de Alice In Chains ou Pearl Jam, as maiores influências de Hugo Pires quando formou os Belly Buttons, no liceu, numa época em que a cidade começava a prestar atenção aos Phase (que viriam a assinar por uma multinacional e a gravar em Londres) e a Afonso Rodrigues (entretanto conhecido artisticamente como Sean Riley). “A geração do André, há muita coisa muito melhor, com outras dinâmicas. São mais criativos”, comenta. “Nós éramos muito fechados. Era tudo muito cru”. O filho desvaloriza: “Temos mais acesso”. Envolvido com Terrible Mistake e The Speechless Monolo#gue, toca guitarra, baixo e teclados, além de bateria, e está a aprender saxofone. “Ser músico de profissão não é um objectivo principal. Se der, dá, se não der, tudo bem. Mas quero estar sempre relacionado com a música”.
Concerto com cabeça de porco
“Garagem sim, garagem não”, diz João Mota, acerca dos ensaios de sábado à tarde nos Marrazes, antes de a Apple inventar o Garage Band e boa parte do mundo se transferir para a internet. “Metal em Leiria havia de todos os géneros. Grind, black metal, death metal, speed metal, folk, tudo”, descreve o guitarrista dos SPiTEFUL, que ensaiavam na Bidoeira. Para “um concerto mítico na Marinha Grande”, alguém “levou uma cabeça de porco” e atirou-a sobre a assistência.
O ponto de encontro e troca de ideias, frequentemente, ficava no Centro Comercial D. Dinis, na loja Alquimia. “Onde é que arranjavas um vocalista, um baixista? Era lá que metias um papel na porta. E ligavam-te”. João Mota continua a dirigir-se ao mesmo edifício, mas para trabalhar, na Void Software, de que é um dos sócios. A empresa mantém uma zona social e de formação, a Void Academy, no piso onde existiu a Alquimia, espaço que o filho, guitarrista como ele, aproveita com amigos nos projectos Wheels e The Third Floor. “Aprendi músicas de Metallica, o meu pai ensinou-me, aí no segundo ano”, recorda. “É a evolução natural. Desde que nasci que ele me mostrava música”. Os SPiTEFUL chegaram a editar pela Rastilho e a deixar Portugal para digressões na Roménia e na Polónia. Miguel Mota, de 18 anos, acredita que a geração dele pode sair-se ainda melhor. “Vamos ser estrelas”.
Um álbum a caminho
Outro sócio da Void, Hugo Larcher, é um antigo guitarrista dos Wicked Lounge, que gravaram rock alternativo para a editora Nova Independência e viveram o momento mais mediático na noite das bandas de garagem durante o programa de concertos que levou Bryan Adams ao estádio municipal de Leiria. “Quando começámos era só metal e punk, nós erámos mais rock, mais grunge”. Nesses anos, “um em cada três jovens tinha uma banda”, refere ao JORNAL DE LEIRIA, cenário que hoje, avalia o filho, João Reis, “é mais raro”.
Com 18 anos, João Reis integra os Wheels, The Third Floor e The Speecheless Monologue e, como vocalista, baixista ou guitarrista, já pisou os palcos do festival A Porta e do Texas Bar, por exemplo. Um concurso destinado a escolas promovido pelo Município de Leiria terá sido o gatilho para a comunidade de que faz parte e que agora se reúne regularmente na Void Academy. “Há malta com ideias e que quer fazer”, que “acaba por se juntar”, assinala. A energia das jam sessions obrigou os adultos a colocar limites, mas o espírito perdura e os novos músicos até se juntam só para escutar um vinil do princípio ao fim, como todos os melómanos, noutros tempos.
Depois de o pai influenciar João Reis, é o filho que inspira Hugo Larcher, de volta à guitarra, mesmo que esporadicamente, com os Wicked Lounge (e não só). A próxima grande novidade, no entanto, tem mesmo o nome de João Reis e é o álbum de estreia dos Wheels, provavelmente, já no início de 2024.