Vem do Rio de Janeiro e mantém residência em Leiria desde que a filha ingressou no Politécnico, em 2017, no curso de engenharia civil. E está activo, como sócio-gerente da Home Solutions, no sector imobiliário e da construção, em que já trabalhava, no Brasil, de onde é natural.
Em Portugal, Geraldo Oliveira começou por abrir uma agência de intercâmbio de estudantes internacionais. Só mais tarde se tornou cofundador da associação Global Diáspora, criada “para desenvolver o empreendedorismo migrante”, com sede em Leiria. “A nossa visão é da emancipação, do empoderamento, do crescimento”, explica. “Da não subsidiodependência, do não assistencialismo”.
Segundo os dados mais recentes do Instituto Nacional de Estatística, em 2023 havia 7.988 cidadãos brasileiros no concelho de Leiria com estatuto legal de residente, que representavam 62% dos imigrantes no concelho de Leiria com estatuto legal de residente. Cinco vezes mais do que em 2018. O trabalho, a educação e a segurança explicam estes números e este crescimento
Acho que sim. É um conjunto de factores. A educação, é, de facto, essencial. Olhar para o brasileiro como um grupo é uma visão equivocada, é como olhar para o europeu como um povo. Há motivações diversas. A segurança é um factor diferencial.
Nos últimos anos, o fluxo migratório é muito maior. É a situação política no Brasil?
Também, também. Os brasileiros utilizam as ferramentas digitais para propagar informação e desinformação. E isso atrai. O homem ganha um pouco mais do que o ordenado mínimo, compra um BMW e aí ele fotografa, ele põe nas redes sociais. Aquilo, de certa forma, traz outras pessoas em situação equivocada a pensar que aqui existe o sonho americano. As pessoas vêm viver o sonho lusitano.
Muita gente a vir com falsas esperanças?
Totalmente, porque Portugal não é um lugar para você ganhar dinheiro, é um lugar para você ter qualidade de vida.
Há movimentos migratórios dentro do país, de imigrantes brasileiros que deixam Lisboa e Porto para se instalarem em Leiria?
Muitos. Estamos a acompanhar um caso, recentemente, na associação, de uma família que vivia na Amadora e está a viver aqui nas Colmeias. Resolveram vir viver para cá porque têm um filho com necessidades educativas especiais e as escolas na área metropolitana de Lisboa são superlotadas, as respostas são quase inexistentes.
Mas também tem a ver com o custo de vida em Lisboa?
Também. Já acompanhámos casos de pessoas que vieram de Lisboa para aqui, mas que já saíram daqui e foram para Santarém, para baixar ainda mais o custo do arrendamento, porque o arrendamento disparou nos últimos anos, em Leiria.
Quais são os maiores desafios que se colocam aos imigrantes brasileiros quando chegam a Leiria?
Não há uma cultura mais próxima da cultura brasileira do que a cultura portuguesa, e vice-versa, então é muito fácil adaptar, isso é um ponto positivo. Mas há uma necessidade, também, de integrá-los [os imigrantes] porque hoje já somos tantos aqui que você consegue viver como se você estivesse vivendo no 28.º estado do Brasil. Você come comida brasileira, você se diverte no meio de brasileiros.
É um risco?
Não acho bom. Dos dois lados. O lado do imigrante, que não se integra, e o lado da sociedade, que acolhe. É necessário integrar porque faltam muitas informações.
O custo da habitação [e das rendas] é um problema?
Sim, sem dúvida. A taxa de esforço é altíssima. Digo a toda a gente: não é possível viver com dignidade sendo [apenas] uma pessoa a trabalhar no agregado familiar. E muita gente ganha o ordenado mínimo. Se você tirar líquidos 900 euros, você vai pagar 300, 400 euros num quarto, vai viver muito apertado.
Não fazem essas contas quando estão no Brasil?
Nunca fazem. Há milhares de youtubers a dar dicas falsas. Nós lutamos contra isso.
Acabam por ser surpreendidos quando chegam a Portugal?
Claro que sim. Primeiro, porque não vai ser fácil arrendar um imóvel. Conheço pessoas que chegaram a pagar nove meses de renda à cabeça.
Há proprietários que preferem não arrendar a brasileiros?
Claro que sim. Isso não é surpresa para ninguém e não é só em Portugal. Os venezuelanos sofrem imenso no Brasil. Para aqueles brasileiros que têm passaporte europeu, as dificuldades são menores.
São muitos os imigrantes brasileiros, mesmo famílias, que vivem em quartos ou têm de partilhar casa com outras pessoas?
Sim, já existe um número significativo de pessoas vivendo nessa condição. É geralmente aquele momento de chegar.
Alguns imigrantes brasileiros vêem Portugal como porta de entrada na Europa?
Não sei se é a porta de entrada para a Europa, é, talvez, um passaporte português, não só para a Europa. O brasileiro sonha muito com o sonho americano. O passaporte português vai dar entrada lá. Não permite que viva, mas vai conseguir entrar. E muitos utilizam Portugal também com a possibilidade de ter a porta aberta para os Estados Unidos. Embora muitos dos que cá estão, contratados por empresas portuguesas, são levados para França, são levados para Espanha, para a Itália.
A imigração em Leiria, de brasileiros, está diferente, se pensarmos nas habilitações académicas, no poder de compra e até nas zonas do Brasil de onde vêm?
Sem dúvida. As grandes cidades são as mais violentas. Aqueles em que pesa o factor violência, saem das grandes cidades. Conheci [em Portugal] muita gente do Rio de Janeiro, muita gente de Belo Horizonte, muita gente de cidades predominantemente na região sudeste. Há também um número grande de pessoas que vêm do centro-oeste, os goianos. Do sul do Brasil agora tem uma vaga também, mas vêm muitos com nacionalidade europeia. Há muita gente com altas qualificações. O grupo que trabalhámos aqui ontem, por exemplo, tem advogados, tem pessoas com formações superiores, que estão como operários fabris.
Por causa das equivalências?
Claro que sim. Há uma barreira corporativa que dificulta imenso o acesso à profissão. E há uma outra faceta, não tenho medo de dizer, de gente que se aproveita dessa mão de obra qualificada, porém, não certificada, para fazer ele trabalhar com as habilidades que ele tem, mas não remunera como uma pessoa com nível de escolarização. O caso da minha esposa: 40 meses para conseguir a equivalência [como terapeuta da fala]. Foi ser auxiliar de acção directa num lar de idosos. E trabalhou em fábrica. Nós viemos sem privação económica, com dinheiro para mobilar uma casa, comprar um carro, e mesmo assim tivemos uma jornada muito difícil na adaptação.
O que a vossa associação diz é que, os brasileiros, já não os encontramos apenas na restauração, por exemplo, ou noutros trabalhos indiferenciados, mas também como empreendedores.
Muitos, muitos. Somos o quarto país [Portugal] em termos de empreendedorismo imigrante na União Europeia, estamos na quarta posição. Onde os imigrantes mais geram o seu próprio posto de trabalho ou empregam outras pessoas. E há um número crescente de empregadores estrangeiros, além do abrir o seu próprio negócio.
Também está a acontecer com brasileiros e em Leiria?
Sim, há muitos casos, há muita gente a empreender.
Para os que trabalham para outrem, é fácil conseguir um contrato de trabalho?
Fácil, fácil. Dificilmente você vai a um sector hoje na economia em que você não tenha um brasileiro lá a trabalhar. Somos uma força hoje muito grande.
Alguns trabalham e recebem sem terem contrato?
Ainda há. As medidas tomadas por esse governo actual com relação ao fim da manifestação de interesse criaram algumas dificuldades a esse processo de legalização, principalmente, nessa transição de um modelo para o outro, e realmente há algumas pessoas que estão à margem. A forma que estava, a meu ver, não era boa, porque as pessoas estavam a vir de forma desorganizada. Vinham, vendiam tudo e muitas vezes ficavam numa situação pior do que estavam no país de origem.
Quanto tempo, em média, está a demorar o processo de legalização?
Não tenho dados para lhe dizer. Vou dar o exemplo desse caso específico do visto para procura de trabalho. Ele vem, ele procura trabalho, ele é contratado e aí ele começa a via crucis [caminho da cruz] na AIMA [Agência para a Integração, Migrações e Asilo]. É imprevisível, porque a tal lista dos 400 mil processos em atraso parece que nunca acaba. Muito demorado.
Temos 8 mil, segundo o INE, legais em Leiria, residentes [imigrantes brasileiros]. Quantos serão os ainda não legais?
Para cada um que eu tenho aqui [na associação Global Diáspora], eu tenho pelo menos dois em condição ilegal, em média. Já excedeu o prazo de turista e ainda não conseguiu iniciar um processo nem de reagrupamento familiar nem nada.
Geralmente, nos anos recentes, os imigrantes brasileiros que chegam a Leiria, chegam sozinhos ou vêm com a família?
Nós temos aqui um perfil de atendimento muito familiar.
E com planos para ficar ou para voltar?
A maior parte diz que fica. Mas se melhorar lá [no Brasil] as pessoas vão embora.
Como é que vê esta ligação que por vezes tem sido feita entre imigração e insegurança?
Não há como negar esse sentimento, que decorre, eu acho, do crescimento das cidades. Vivo aqui [em Leiria] há cerca de oito anos. Há muito mais gente, a cidade pulsa, como não pulsava há oito anos. E a consequência disso é a violência, é o trânsito, e as pessoas têm de achar o bode expiatório, não é? Vamos colocar na conta do migrante. Mas não sejamos românticos: o que provoca insegurança é a desigualdade. E a falta de integração. É necessário trabalhar as populações que chegam e é isso que tentamos fazer de uma forma enfática e persistente. Fazer um trabalho de base e propagar a forma de viver aqui. As pessoas acham que quem vai promover a integração é a polícia. Não é a polícia. A polícia não tem competências para fazer integração, a polícia tem é competência de manter a segurança. E muitos líderes pensam que isso é um caso de polícia.
Então, quem vai promover a integração?
É a sociedade civil, são os imigrantes aculturados ou assimilados. Há imensos aqui. É usar esses multiplicadores e é trabalhar os líderes dessas comunidades. Por exemplo, falei das igrejas evangélicas: pode ser o pastor da Assembleia de Deus.
A comunidade brasileira sente preconceito, no dia a dia, em Leiria?
De forma frontal, não. Acontece às escondidas, em perfis privados, em redes sociais.