Casa roubada, trancas à porta. Agora que 86% do Pinhal de Leiria ardeu, tudo fica em causa. Até a gestão daquele território com 11.062 hectares, que é propriedade do Estado na tutela do ICNF – Instituto de Conservação da Natureza e das Florestas. Entregar a particulares? Ao Município? Ou deixar na mesma? Ainda as cinzas não tinham arrefecido e já o ministro as revolvia. Questionado sobre o futuro, Capoulas Santos abriu a porta à entrada de privados na administração do Pinhal do Rei, como também é conhecido. As reacções não tardaram, dos partidos políticos aos grupos ambientalistas.
Quarta-feira, 18 de Outubro. Um dia depois de os bombeiros darem o incêndio como dominado. O ministro da Agricultura, Florestas e Desenvolvimento Rural visita a Mata Nacional de Leiria e encontra-se com autarcas, na Marinha Grande. "Há outras fórmulas, hoje, que permitem uma gestão mais eficiente do que a administração central", diz aos jornalistas, citado pela agência Lusa. Capoulas Santos admite que há a perspectiva de colocar "na gestão da floresta, em primeiro lugar, quem está mais próximo dos interesses privados". E mostra-se aberto a "novas formas de gestão que sejam mais eficazes, mais próximas e que permitam uma gestão mais profissional", com a participação de empresas, cooperativas, autarquias ou entidades em que as autarquias participem.
As críticas ao ICNF – desinvestimento e incúria no Pinhal de Leiria, ao longo de anos – andam a par com a degradação dos serviços florestais do Estado, que têm hoje menos meios, trabalhadores e orçamento. Para a Câmara da Marinha Grande, "não é o momento próprio" para tomar decisões, "porque muito há ainda a pensar, a estudar", afirma a nova presidente do executivo. O Município quer gerir o Pinhal do Rei? "Naturalmente que será uma preocupação da nossa parte, mas tem de ser com conhecimento e pesando todos os prós e contras. Quando a hipótese estiver estudada e devidamente enquadrada, nesse momento se tomará uma decisão", diz Cidália Ferreira.
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PCP propõe fórum e comissão. Em desacordo está o PCP, segunda força política no concelho, para quem "o problema não é o princípio da gestão pública pelo Estado, mas sim a carência de meios" e "o progressivo desinvestimento". Os comunistas manifestam “total oposição a qualquer tentativa de privatização, directa ou indirecta, da maior mata nacional”. Mas o partido também rejeita a municipalização. Na visão do PCP, faz falta envolver mais "as autarquias da região, bem como as populações". Daí a proposta: um fórum sobre a protecção e recuperação do Pinhal do Rei, que envolva Governo, autarquias, partidos, associações de bombeiros e população. E uma comissão de acompanhamento que envolva a Câmara e as juntas de freguesia.
Quercus contra privados. Também para a Quercus, o incêndio "não pode servir de desculpa para que de forma apressada e irreflectida se adoptem medidas que venham afastar" a gestão das matas nacionais "da esfera do Estado", incluindo o Pinhal de Leiria. Nomeadamente, por "pressões mediáticas e dos múltiplos grupos de interesse". Tal como o PCP, a associação ambientalista considera que os problemas e dificuldades na gestão florestal de áreas tuteladas pelo Estado "em nada tem a ver com a falta de capacidade" do ICNF, "mas sim com a falta de financiamento crónico e de esvaziamento de competências de que estes serviços têm sido vítimas dos sucessivos governos nas últimas décadas".
A associação propõe uma "alteração dos modelos de gestão das matas nacionais" para colocar como prioridades "o usufruto dos cidadãos, a conservação da natureza e biodiversidade e o combate às alterações climáticas". E exige "o reforço das competências e dos meios financeiros e humanos dos serviços florestais do Estado". Isto porque, na óptica da Quercus, "só o Estado pode garantir a perpetuação para o usufruto das gerações futuras" do Pinhal de Leiria, que classifica de jóia da coroa das matas nacionais.
Estado só tem 1,6% da floresta. Da Acréscimo – Associação de Promoção ao Investimento Florestal, chega o alerta para "a localização estratégica" do Pinhal de Leiria, "quer em termos de potencial urbanístico", a dois passos das praias, "quer de manifesto interesse para a expansão de culturas lenhícolas de ciclo curto" – ou seja, características que abrem o apetite dos privados. A associação lembra que o Estado português "detém a menor percentagem de área florestal pública ao nível da União Europeia (1,6%)".
Primeiras medidas. Capoulas Santos garantiu que a gestão de combustível no Pinhal do Rei era adequada do ponto de vista técnico, com base na informação que lhe chegava dos serviços. Mas, após o incêndio, o próprio Município da Marinha Grande admitiu que a limpeza da Mata não estava "tão bem quanto seria desejável", apesar do ordenamento "exemplar". Entretanto, o secretário de Estado das Florestas, Miguel Freitas, anunciou já que o Governo vai preparar um pacote de medidas para as matas nacionais afectadas pelos incêndios. Quer um relatório de ocorrências, plano de corte de árvores, programa de intervenção para o futuro, expectativas de financiamento e modelo de aplicação das receitas da madeira. As propostas vão sair do ICNF, que tem quatro meses para as apresentar.