Completaram-se, este domingo, dois anos desde que tomou posse como presidente da câmara. Que balanço faz da primeira metade do mandato?
Houve uma forte capacidade de resposta do município aos desafios que surgiram, além de darmos cumprimento ao programa eleitoral. Mas, o principal balanço é feito pelas pessoas. Pelo feedback que recebemos, acho que estamos a responder às expectativas, sabendo que, em dois anos, muita coisa mudou. A capacidade de resposta e de adaptação de Leiria, no seu todo, ao novo contexto social é, de facto, extraordinária. Refiro-me, por exemplo, à explosão demográfica, à inflação, ao disparar dos custos com a habitação e aos novos problemas de mobilidade. São as dores de crescimento de uma cidade que se está a transformar. Temos mais pessoas a residir em Leiria e, consequentemente, mais carros a circular.
Têm também surgido alguns problemas de segurança.
O que mais me assusta é que Leiria perca a imagem de cidade segura. Não tolero agressões em discotecas ou na via pública. Foi por isso que se actuou para fechar o Mandarim e agora vamos fazer tudo para que feche a discoteca Guilt. Não posso aceitar determinados comportamentos que destroem um dos nosso trunfos: o sermos uma cidade segura. O que acontecerá se perdermos esse capital? Não podemos tolerar comportamentos que ponham em causa a segurança.
Como é que a cidade se está a adaptar a essas dores de crescimento?
Temos uma grande capacidade de adaptação táctica. Essa é uma das principais características reconhecidas à Câmara de Leiria. Revelámos isso na pandemia, na resposta aos refugiados da guerra na Ucrânia ou com os incêndios. Os principais problemas que temos nem são da competência da câmara, como é o caso do reforço de efectivos das forças de segurança ou da falta de médicos.
O município está a ultimar o regulamento de incentivos à fixação de médicos, com apoio à habitação. O que mais pode fazer?
Vamos ter de arranjar uma estratégia agressiva para captar médicos, recorrendo ao orçamento municipal. Os municípios vão entrar numa guerra pela captação de médicos, uma classe profissional muito importante para garantir qualidade de vida às populações. Vamos ter de usar argumentos para os fixar. Mal comparando, é como no futebol: criar condições para ter os melhores e em número suficiente. E não chega ter uma cidade bonita e com qualidade de vida. Teremos de dar apoios à habitação, mas também usar o orçamento municipal para pagar parte do vencimento, para que este possa ser acima da média.
O aumento da população pode ter agravado os problemas de mobilidade, mas estes não são de agora.
Em dois anos, arranjámos mais soluções do que alguns no passado. Criámos um parque de estacionamento periférico – o das Olhalvas – e vamos fazer outro junto à variante dos Capuchos. A escolha da localização do novo terminal rodoviário, incluindo estudos e trabalho político, fez-se em dois anos, com uma solução que permite recuperar o actual edifício, com estacionamento subterrâneo, habitação e comércio, e retirar autocarros do coração da cidade. Está-se a investir em viaturas eléctricas para transporte de passageiros, reduzindo a poluição e gerando mais qualidade de vida. As medidas não são suficientes, em virtude da explosão demográfica registada. Estamos a criar condições para aumentar o uso do transporte público e reforçar a mobilidade suave. É uma área difícil de trabalhar, sobretudo quando queremos soluções de curto prazo. Tivemos essa experiência, com a criação de ciclovias, alargamento de passeios e retirada de carros da cidade. São momentos difíceis, do ponto de vista político, para um autarca.
Por quê?
Há uma geração de pessoas que exige este tipo de investimento, mas que está calada e não dá apoio às medidas. E temos pessoas ruidosas, que querem que se mantenha o carro e o estacionamento na cidade, em contra-ciclo com as tendências e necessidades futuras. Na área da mobilidade, o trabalho tem de ser doseado, sob pena de andarmos muito à frente da vontade popular, perdendo capacidade política de intervenção. Veja-se o que aconteceu com o plano de mobilidade, que foi muito contestado porque tinha mudanças radicais. Criou-se um movimento de oposição àquilo que são as tendências actuais. Há uma obrigação de Leiria em investir na área da mobilidade, mas as pessoas têm também de mudar hábitos.
O fraco uso dos transportes públicos não se deve também à desadequação da oferta à procura?
Há dois grandes motivos. Um, tem que ver com os hábitos. Mas, reconheço que é preciso melhorar a qualidade do material circulante, os horários e os circuitos. Estamos a trabalhar nesse sentido. Num estudo de opinião recente sobre mobilidade, a maioria pedia mais transporte público… e estacionamento na cidade. Ou seja, transporte público para os outros, mas eu quero continuar a andar de carro. Há um trabalho de mudança de mentalidade, que vai passar muito pela questão geracional.
Uma das decisões mais contestadas do executivo prende-se com a localização da central de mobilidade. Juntar, numa mesma zona, o terminal rodoviário e o multiusos, onde já existem as piscinas, estádio e a feira do levante não é demasiado?
Aquela é uma zona em transformação. Há sempre alguém com uma opinião diferente da localização. Uns defendem nas Olhalvas, outros junto à estação de comboios… Há várias possibilidades, mas o único terreno municipal disponível é aquele. Por outro lado, a decisão está sustentada em critérios técnicos. Não foi uma vontade exclusivamente política. A localização cumpre com vários objectivos. Tira o terminal do coração de Leiria para uma zona onde existe o maior parque estacionamento da cidade, próximo de uma ponte que está sub-utilizada. O terminal fica directamente ligado a uma rotunda, pelo que, funcionará de maneira autónoma da rua Bernardo Pimenta. É uma solução muito equilibrada.
Não está a colocar na equação o congestionamento que hoje já se regista no nó da EN109.
E na Olhalvas está melhor? E na Estação, não teríamos problemas? Tomamos decisões comparando cenários. A solução para o terminal rodoviário não é perfeita. Mas, muitas pessoas que a contestam nunca usaram o terminal. Está confortável com a decisão? Estou muito confortável. Até ao final do mandato esperamos ter o terminal concluído, novos autocarros a circular e iniciar obra na Heróis de Angola, que irá transformar aquilo que é a vivência na cidade.
Um dos compromissos que assumiu foi o de resolver “definitivamente” o problema dos efluentes suinícolas e da requalificação da bacia do Lis. A recém-anunciada unidade de biometano é a solução?
Até há pouco tempo, ninguém acreditava nesta solução e todos defendiam a criação de uma estação de tratamento. Sempre dissemos que o tratamento não seria a solução e que teríamos de apostar numa estratégia da economia circular, olhando para o resíduo agro-pecuário como uma oportunidade energética e de valorização agrícola. Este é um investimento único no País. E Leiria têm dois projectos, um com apoio do PRR e o outro só com investimento privado.
No passado já foram anunciadas várias soluções. Que garantias de concretização oferece esta solução do biometano?
No passado, as propostas assentavam sobretudo em investimento público. Esta, assenta em investimento privado, numa lógica de rentabilidade que resulta também de um ambiente de crise energética que vivemos. A guerra trouxe-nos muitos problemas, mas veio acelerar a transição energética. Beneficiamos do ambiente que estamos a viver. O biometano é uma excelente alternativa ao gás natural. Nunca no passado tivemos uma resposta com este tipo de segurança técnica e com investimento privado. As propostas que estão em cima da mesa já têm acordos com os produtores agro-industriais e têm fontes de financiamento. Faltam os processos de licenciamento. É essa fase que vai começar agora. Estamos no bom caminho para cumprir dessa promessa.
Se conseguir, será a grande vitória do mandato?
Valorizamos pouco a nossa capacidade de fazer coisas boas e focamo- -nos muito nas coisas más. O problema dos efluentes é um ponto negro do concelho que ofusca tudo aquilo que fazemos de bom. Prejudica muito a imagem de qualidade de vida, que já temos.
A proposta para a alta velocidade passa pela requalificação e adaptação da actual estação de Leiria. Entretanto, a UF de Marrazes e Barosa já veio a público defender a construção de uma nova estação. Qual a sua posição?
O principal é que haja uma estação em Leiria. Temos uma grande oportunidade de transformar a cidade com o investimento na ferrovia, seja na modernização da Linha do Oeste, seja com alta velocidade, que nos aproximará muito de Lisboa, abrindo novas oportunidades de atracção de pessoas. Acredito que o investimento na ferrovia transformará Leiria. Uma estação de alta velocidade tem um impacto num raio superior a 100 hectares. A decisão será técnica. Se a opção for a construção de uma nova estação, tem de se garantir ligação à cidade com novos meios de acessibilidades. A prioridade é garantir uma estação em Leiria. Será, porventura, a principal decisão estratégica do Governo nas próximas décadas com impacto em Leiria.
Prefere uma nova estação ou um projecto a partir da actual?
A zona da Estação está muito urbanizada. Não é impossível construir uma estação, mas temos de medir os impactos. Por outro lado, a construção de uma nova estação pode permitir abrir a cidade. A pessoa a contratar [pela Infra-estruturas de Portugal] para o desenho urbano daquela zona é o arquitecto [Juan] Busquets, que tem um vasto currículo em planos de desenvolvimento associados a grandes projectos ferroviários. A minha principal preocupação é que a estação fique em Leiria.
Existe o risco de não ficar?
Na política há sempre esse risco. Quantas promessas já nos fizeram e que ficaram por cumprir? Não posso nunca dar por seguro as promessas feitas por outros. A garantia que me dão hoje é que vai haver estação de alta velocidade em Leiria.
Face à tomada de posição da Força Aérea no estudo para o novo aeroporto, a abertura de Monte Real à aviação civil é um dossier fechado?
O que se pretendia – ter uma estrutura civil para servir a região Centro – está muito dificultado, quer pelas opções de localização do futuro aeroporto, quer pelas posições tomadas no âmbito do estudo. Hoje, a decisão que se coloca é ter uma estrutura aeroportuária que sirva o País. A opção de Santarém é a que melhor serve a nossa região.
Vinte anos depois da inauguração, o estádio de Leiria continua por acabar, com as obras do topo norte a não saírem do papel. Quando é expectável que comece intervenção na Torre Nascente para instalar as Finanças?
A obra já foi adjudicada. Estamos a gerir o processo com a utilização do estádio, quer pela UDL, quer pela Taça da Liga. Ninguém me bate à porta a pedir a conclusão do topo norte do estádio. As pessoas pedem mais polícia na rua, mais médicos, mais professores. O principal problema do estádio é a dívida. Felizmente, o estádio tem um projecto desportivo forte, que temos ajudado. Estamos muito focados nisso.
O apoio à UDL não tem extravasado as competências da câmara?
Acho que não. Temos feito o possível dentro daquilo que é a nossa capacidade e da legalidade. É um projecto totalmente alternativo, reconhecido a nível nacional e europeu, feito com um investimento de um privado.
Voltando às obras do Topo Norte…
Se garantirmos financiamento para o centro de negócios, a obra avança. Não tendo, só avançaremos com o apoio de uma empresa que se queira fixar. Não quero cometer os erros do passado. Se alguma vez tiver de contrair dívida é para construir algo produtivo, com retorno, nas áreas da educação, saúde ou economia.
Como é que responde à acusação de que a cidade se transformou num salão de festas?
Há quem diga que fui o presidente que transformou Leiria do ponto de vista cultural. Os eventos foram muito importantes, mas admito alguns exageros e sobreposição, sobretudo, no último ano. Houve uma conjugação extraordinária: o fim do Covid, o retomar da agenda cultural e o termos sido Cidade Europeia do Desporto.
Foi excessivo?
Se queremos crescer, se queremos ser mais cidade, vamos ter de abandonar a ideia de uma Leiria onde não se passa nada, que é só para residentes, sem estrangeiros, sem problemas de trânsito. Há gente que quer que vivamos na pré-história. Mudámos o paradigma. Em alguns momentos pode ser um excesso, também porque se criou uma onda de fazer actividades que resulta muito do empreendedorismo cultural. Noutros sítios, as câmaras pagam para fazer festivais. Aqui, só temos que apoiar e estimular o trabalho em rede.
Na área da cultura, estão em fase final as obras na Villa Portela e da Black Box. Vai haver dinheiro e pessoas para ter actividade nesses espaços?
A Villa Portela será mais um espaço verde e de lazer, uma grande aposta de Leiria nos últimos anos. Permitirá vivenciar a natureza dentro da cidade e proporcionará uma abertura às artes contemporâneas, uma oferta que nos falta. A Black Box também estará vocacionada para essa oferta. Teremos de ter apoio externo para ajudar na dinâmica dos espaços. Na Black Box, o Teatro José Lúcio pode dar uma ajuda, mas a programação e a criatividade têm de vir do exterior. Na Villa Portela, artistas como Nuno Vieira e outros com currículo, podem ajudar. O processo é colaborativo. Foi assim que conseguimos fazer a transformação cultural de Leiria. Hoje, temos mais economia na área da cultura, quer pela câmara, que já remunera, quer pelas empresas que vão surgindo e pelo crescimento da oferta na área da música e da dança. Há uma economia da cultura que foi crescendo em resultado do ecossistema cultural que se criou.
O facto de ter uma oposição pouco expressiva, em termos numéricos, facilita-lhe o trabalho?
A oposição que tenho é muita. Alguma é obscura, trabalha na sombra e na lógica dos interesses. Segue lógicas individuais e pessoais e trabalha na penumbra, atrás do arbusto. Depois temos algumas pessoas que são líderes de opinião e que usam a sua influência e o seu pensamento, para criar também um movimento de contestação, muitas vezes inflacionado e ampliado. A mim, cumpre-me fazer o meu trabalho, cumprir o programa que foi sufragado. Daqui a dois anos, as pessoas avaliam.
Falou em oposição “obscura”. É uma indirecta ao anterior presidente de câmara, que tem sido seu crítico?
Não é o único crítico que tenho. Felizmente, muita gente critica o meu trabalho, o que me ajuda a melhorar.
Ter um cargo no governo é algo que o seduz?
Dediquei uma parte importante da minha vida à política. Já sou quase um veterano, mas tenho energia e o pensamento de um jovem. Enquanto estiver envolvido na Câmara de Leiria, não vou desviar um centímetro as minhas atenções. Já fui desafiado para outros lugares, mas estou nisto até ao fim. Quero cumprir e não desiludir os muitos que votaram em mim. Para uma pessoa que gosta de tomar decisões que ajudem as pessoas, ser autarca é o topo daquilo que é ser político. Ser autarca preenche-me como político. Não tenho qualquer vontade ou aspiração a ter outro trajecto político.
Depois de, no anterior mandato, ter assumido a presidência Câmara de Leiria, após a saída de Raul Castro para o Parlamento, Gonçalo Lopes foi eleito, há dois anos, com 52,5% dos votos. Natural de Leiria, diz que, para quem gosta de tomar “decisões que ajudem as pessoas”, ser autarca é o “topo” da carreira política. “Não tenho qualquer vontade ou aspiração a ter outro trajecto político”, afirma o autarca, de 48 anos, antigo jogador de andebol e dirigente no Atlético Clube da Sismaria. Formado em Economia no ISEG – Instituto Superior de Economia e Gestão, trabalhou como gestor e consultor nas áreas dos seguros, turismo, agricultura e de projectos de investimento comunitários. Foi director Regional do Instituto Português da Juventude e adjunto do Governo Civil de Leiria. Integra o executivo de Leiria desde 2009, tendo, como vereador, assumido os pelouros da Educação, Desporto, Desenvolvimento Económico e Cultura. Actualmente, é também presidente da Comunidade Intermunicipal da Região de Leiria.