Uma expressão carismática semi-carente, provavelmente devido a episódios que ocorreram na infância, em que tudo o que é dito vem duma necessidade comilona de ser aceite. Observa-se, com alguma facilidade, que toda a parafernália adolescente é um estado de espírito permanente e funciona como um boomerang infinito que aponta para a sua verdade e simultaneamente para o seu oposto, sem desfase quase nenhum.
Anula-se manifestando a sua desvontade, e assim existe com a maior das opacidades. Viscoso. Mete-se o ego e entretém-se a vida com um buraco tão grande que não se vê a abertura, nem que é um buraco.
A obra é prioritária e deseja, quer, almeja, não existe portanto, é um isco coberto de imitações e repetições de procedimentos testados, comprovados e inúteis porque doutrem. A obra é uma espantosa fachada, algo que não se sabe bem onde começou, adivinha-se que na aceitação paterna mas não se sabe, e todo o tempo que resta serve ou deve servir, para desmontar os azulejos alheios e mostrar a carne viva e assustada que, ao frio, merece ser vista, experienciada e tratada como lhe acontecer.
A obra faz-se fazendo-se. Sem uma ideia clara da sua razão de ser, é um tique velho, demasiado velho, igual aos tiques dos outros, numa plataforma comum onde só cabe o que está escrito por pessoas que souberam o guião da maneira mais árdua, mais solitária, mais viva.
[LER_MAIS] Com uma pausa contemplativa que acontece talvez de 4 em 4 anos e por poucos segundos, pergunta-se a pergunta final, a pergunta mais pergunta de todas: porquê? É quando bate ou a depressão ou a liberdade, ou as duas, mas não ao mesmo tempo, cada uma preenche o seu momento.
Depois: tudo outra vez. A obra. A obra é tudo. Se não fizeres a obra, quem serás tu? Olha que a obra é um legado. Se não por ti, pelos teus filhos, homem de deus. Dos bisavós para os avós para os pais para os filhos passam inclinações, tendências, paixões.
Aculturar é, dizem-me, a palavra que define esta evidência, mas para mim é uma doença contagiosa que, como todas, é invasiva e tem muito pouco respeito pela experiência do outro.
*Músico