Agricultores, pescadores, artistas. Todos cabem na radiografia. Mircea Sorin Albuțiu segue a corrente dos dias, da nascente até à foz. “Estou à procura de histórias e estou a sentir o rio e as pessoas que vivem ao longo do rio”. Quarenta quilómetros. O projecto iniciado há 19 meses mede gestos no caudal entre a aldeia de Fontes e a Praia da Vieira. “À parte das máquinas usadas agora na agricultura, penso que as coisas são como eram há cem anos. É como um círculo”. A relação com o rio “é a mesma”. Também há nómadas e cavalos debaixo de uma ponte, um caçador, uma bruxa.
O rio é o rio Lis (que atravessa o concelho de sul para norte) e o ponto de observação de Mircea Sorin Albuțiu (natural da Roménia, a residir em Leiria desde o ano passado) incorpora dezenas de fotografias e registos de vídeo, ilustração e entrevista para produzir um objecto artístico (próximo da instalação) que se manifesta além do real, no campo das possibilidades, território que já é, maioritariamente, do pensamento conceptual e da imaginação. “Garry Winogrand disse uma vez que o trabalho fotográfico tem de parecer mais interessante do que a realidade, caso contrário, não vale a pena fazê-lo”, comenta com o JORNAL DE LEIRIA. “Penso que este trabalho faz isso. Traz outra dimensão do rio Lis. Não é o rio Lis que se vê da janela do carro ou da bicicleta. São 19 meses de espera e de busca por algo que seja interessante para colocar no projecto”. Em resumo: “É como eu me sinto acerca do rio, não é o rio ele próprio. São sentimentos sobre as pessoas e sobre como este rio ajuda a comunidade a chegar mais longe”.
De que modo um fotógrafo nascido na Roménia se reflecte no rio que leva Leiria até ao mar? “No final do dia, nós, como fotógrafos, estamos nas nossas fotografias, porque é o nosso background, é a nossa escolha, é a nossa cultura impregnada em cada clique”. E o lugar do estranho até se pode considerar uma vantagem se o propósito não se perder na tradução. “Todas as pessoas daqui conhecem o rio Lis. Sabem tudo. Porque é que aquilo que eles vêem diariamente seria assim tão interessante para eles? Não seria. Por isso, tenho de mostrar-lhes outra coisa”.

No projecto Green Creek habitam músicos, uma bailarina, um pintor, designers. Durante a conversa, Mircea escolhe uma imagem: mostra garrafas com tintas para têxteis produzidas a partir de plantas do rio. Noutras, vêem-se campos de milho, uma bananeira, fogo, uma tatuagem, uma bota de borracha meio enterrada, um cão de louça, pratos com restos de comida. “Estou também a entrar dentro das casas”, explica. E há paisagens muito diferentes. A exploração do solo e da água, o rural e o urbano.
Fora da cidade, é um modo de existir. “Usam o rio para sobreviver”, assinala o autor. “Vejo muito trabalho e paixão”. Profissionalismo, realça. “As pessoas trabalham duramente, colocam muito esforço e são sérias no que fazem”. Nos campos do Lis, “a vida depende deste rio”.
No intervalo entre a primeira residência artística no Serra (iniciada em Janeiro de 2020) e o arranque de novo período de criação ancorado naquele espaço cultural localizado na Reixida (em Fevereiro do ano passado), Mircea Albuțiu chegou ao ângulo do projecto. “Quando vim, tinha outra ideia, mas senti esta conexão e energia e percebi que era isto, que tinha de fazer isto”.

Quase concluído, após mais de ano e meio, o trabalho emerge do tempo longo. “Não fico satisfeito com a superficialidade, tenho de ir às raízes”, aponta o fotógrafo romeno. “Fico bastante com o sujeito. Sejam pessoas ou sejam paisagens, fico”, salienta. “Sou uma pessoa bastante curiosa e penso que se ficar 10 minutos, é nada. Tenho de ficar um ano”. No final, o resultado é mistura de estética e pensamento. “Não sou bom com palavras, mas tento expressar- me através das fotografias. Há uma história aqui”.