De há cinco anos a esta parte que é assim. Todas as quartas-feiras, quer chova quer faça calor ou frio, são noites de Brisas do Lis Night Run. Ontem, cumpriu-se a 261.ª edição de um evento que saiu para a rua a 3 de Abril de 2013 e que mudou, de forma muito significativa, a relação de Leiria com a prática da actividade física.
Esta verdadeira febre da corrida e da caminhada, promovida pela secção Pédatleta do Núcleo de Espeleologia de Leiria (NEL), acabou por contagiar outras vilas e cidades da região e transformou, para melhor, muitas vidas.
Os números falam por si. Nas 260 edições já realizadas foram contabilizadas quase 350 mil participações, tendo sido percorridos perto de 932 mil quilómetros, uma distância suficiente para ir 2,4 vezes da terra à lua ou para dar 23 vezes a volta ao mundo.
O dia 4 de Setembro de 2013 mantém-se como o mais frequentado de sempre, com o registo de 2.898 de participantes que encherem por completo a Praça Rodrigues Lobo, que, desde o início, se mantém como ponto de encontro.
Hoje, o número de aderentes é mais reduzido – até porque entretanto surgiram outras iniciativas do género em várias localidades à volta de Leiria, como Alcobaça, Batalha ou Porto de Mós -, mas as sementes estão lançadas e não há dúvidas de que a região está hoje mais saudável, muito por 'culpa' das Brisas do Lis Night Run.
Para Luís Subtil, presidente do NEL, um dos principais impactos do evento prende-se com a forma como as pessoas “usufruem hoje da cidade”, proporcionando uma “maior aproximação” da população residente na envolvente de Leiria à sua urbe.
“Isso é visível, por exemplo, na extraordinária afluência ao Polis, nomeadamente por parte de pessoas que, por influência das Brisas, tiveram a coragem de dar esse passo”, alega. O dirigente do NEL realça ainda as “mudança de hábitos” que o evento proporcionou, estimulando pessoas que tinham vidas sedentárias para a prática de actividade física.
“Temos a percepção que contribuímos para melhorias significativas na qualidade de vida. Isso mesmo é-nos transmitido por inúmeros testemunhos.”
Para Luís Subtil, o sucesso da iniciativa deve-se também à “maior consciencialização” das pessoas para a importância da actividade física na saúde e bem-estar. Se por um lado, as Brisas “despertaram esse gosto por caminhar ou correr”, por outro, o fenómeno propagou–se porque “as pessoas estão hoje muito mais predispostas para a prática de exercício e conscientes dos benefícios” dessa actividade.
Do sofá para provas de 100 quilómetros
Vítor Santos não praticava qualquer desporto e “odiava” correr. “Era sobretudo adepto do sofá”, graceja. Até que um dia entrou numa loja e encontrou uma t-shirt da qual gostou muito. Só que o seu tamanho habitual – XL – já não entrava. “Recusei comprar o XXL e decidi perder peso”. Tinha então 46 anos e 98 quilos.
Começou por pequenas caminhadas na zona de Pernelhas, onde vive. Entretanto, as Brisas do Lis Night Run davam os primeiros passos e Vítor Santos deixou-se convencer pela mulher a experimentar. Ao fim de um mês e meio já não se sentia satisfeito só com as caminhadas.
Queria mais. Experimentou a corrida e ficou convencido. De tal forma que, meses depois, já estava a fazer a sua primeira prova, a mítica meia-maratona da Nazaré. “Fiquei apaixonado”. Da estrada passou também para o trail. Inicialmente não gostou muito mas, por insistência de alguns companheiros, continuou e hoje está rendido.
[LER_MAIS] No ano passado, participou, pela primeira vez, num ultra-trail na serra de S. Mamede, em Portalegre, conseguindo terminar os 100 quilómetros de prova. Este ano vai repetir e o objectivo é melhorar o tempo.
“Os pódios não são para mim. A medalha é chegar ao fim em condições de ir trabalhar no dia seguinte”, assegura Vítor Santos, que, desde que começou a praticar desporto, por 'culpa' das Brisas do Lis Night Run, perdeu 22 quilos.
“As Brisas mudaram completamente a minha vida. Ganhei muita qualidade de vida. Física e mentalmente sinto-me bastante melhor. Até tenho outra disponibilidade para o trabalho”, confessa, frisando que a prática desportiva foi também acompanhada de uma mudança de hábitos alimentares. “Uma coisa puxa a outra. Quando traçamos objectivos, precisamos de levar uma vida mais saudável.”
E, se há cinco anos Vítor Santos não fazia qualquer exercício, hoje só descansa uma vez por semana. “Torna-se viciante. Estive parado no último mês e meio devido a lesão e já ninguém me aturava lá em casa”, confessa.
Quando já não chega a quarta-feira à noite
Ao adjectivo “viciante”, Paulo Dias acrescenta “apaixonante” para descrever a ligação que tem hoje com a corrida. Nos tempos de estudante praticou orientação, mas acabou por deixar a modalidade e, durante vários anos, abandonou a prática desportiva. Depois, vieram as Brisas do Lis Night Run e tudo mudou. Inicialmente, foi pela curiosidade, o “ver como era”.
Como muitos, começou pela caminhada, mas, passados três meses, já estava a experimentar a corrida. Deu asneira. “A primeira vez correu muito mal. Achava que, como já tinha feito desporto, seria relativamente fácil fazer os sete quilómetros. Não foi, porque não estava preparado”, conta este electricista, de 35 anos, residente em Souto da Carpalhosa.
Aprendeu a lição e começou a treinar “mais a sério”. Já não chegava a quarta-feira à noite e a participação nas Brisas. Juntou-se a mais alguns companheiros que conheceu na iniciativa do NEL Pédeatleta, onde está também Vítor Santos.
Hoje, o Junta- te a nós, como se auto-designam, chega a contar, nos dias bons, com 30 a 40 pessoas que se reúnem várias vezes por semana para correr e, “sobretudo conviver” e “desanuviar do stress e dos problemas do dia a dia”.
Desde 2016 que Paulo Dias participa em provas com regularidade. Faz estrada e trail e está agora a preparar-se para a aposta seguinte, os ultra-trails, com 100 ou mais quilómetros.
Odiava correr. Hoje faz ultra-maratonas
Embora praticasse exercício com regularidade num ginásio da cidade, Sónia Reis diz que as Brisas do Lis Night Run mudaram, “e muito”, a sua vida. Como? “Detestava correr”. Nem um quilómetro fazia e acabou a participar em ultra-maratonas, com mais de cem quilómetros.
A sua adesão à iniciativa do NEL surgiu a convite da monitora do ginásio que frequentava e que colaborava com o NEL Pédatleta no aquecimento dos participantes.
Sónia Reis começou por fazer caminhadas e, ao fim de algumas semana, já estava a ser desafiada para integrar o grupo de corrida lenta. Pouco tempo depois, surgiu a primeira corrida. Não só tinha vencido o medo, como estava a torna-se numa grande entusiasta de running.
A estreia num trail aconteceu meses depois, no Christams Light Trail. Conseguiu terminar os 15 quilómetros, atingindo os objectivos que havia traçado: “chegar ao fim”, divertir-se e “aproveitar uma experiência nova”.
Mas, à medida que o bichinho da corrida ganhava espaço na sua vida, as metas começaram a ser mais ambiciosas. Ia aumentando as distâncias, “sempre em busca da superação”. E, em Setembro de 2014, participou na sua primeira ultra-maratona, o Grande Trail Serra d'Arga, com 53 quilómetros. Ultrapassaria depois a barreira dos 100 quilómetros.
A aventura “mais louca” em que se meteu foi fazer 125 quilómetros de um dos Caminhos de Santiago em cerca de 35 horas sem dormir. “A superação das superações”, diz Sónia Reis, reconhecendo que “foi duríssimo”. Nos últimos tempos, a atleta tem estado “um pouco parada”, mas tenciona recomeçar em breve.
Admite, contudo, que, em termos de grandes distância já atingiu o “estádio da superação”. “Provei a mim mesma que conseguia. Tive de abdicar de muita coisa, sobretudo de tempo com a família e o os amigos. Agora, prefiro fazer provas de brincadeira com os amigos. As provas longas estão demasiado competitivas. Já não entusiasmam tanto” confessa.