Encontramos Susana a tentar adormecer o pequeno Sebastião, com dois anos e meio, no jardim, deitados sobre uma manta. Ao lado, Mateus, de cinco anos, vai saltitando, descalço, entre a corda que está pendurada na árvore, as costas do cão Wally e o baloiço. Por momentos, esquece Anis, a sua codorniz de estimação que morreu nesse dia, brincando, sob o olhar atento de Laurentina, a vizinha de 86 anos, que “há uma data de tempo” não via crianças por aquelas bandas.
As ‘bandas’ a que nos referimos é a aldeia de Penedos Belos, na freguesia de São Bento, Porto de Mós, para onde Susana Laranjeiro, educadora social, e o marido, Leandro Romano, engenheiro informático, se mudaram há cerca de seis anos. Ela estava grávida de Mateus, que, tal como o irmão, nasceu na casa que os pais construíram de raiz, num terreno que era da avó de Leandro.
O mais velho ainda frequentou o jardim de infância durante dois anos. Mas a falta do contacto com a natureza, “reflectiu-se no seu bem-estar” e os pais acabaram por o retirar. Susana reconhece que foi uma decisão “difícil”, mas “muito ponderada”.
“Sair do rebanho não é fácil. Contudo, a consciência de que crescer em contacto com a natureza e com os animais é bastante benéfico para a sua formação, levou-nos a dar esse passo”, conta a educadora social, que deixou o emprego como directora técnica de um lar de idosos para assumir o papel de mãe quase a tempo inteiro.
Entre o cuidar e a educação dos filhos, vai fazendo trabalhos pontuais, como o projecto de emoções nas escolas que está a desenvolver em Alcanena. Da experiência com os filhos e do contacto com outros pais, o casal foi consolidando a ideia de criar um centro de aprendizagem na aldeia.
Fizeram obras na casa da avó de Leandro, localizada ao lado da sua, e que serve de apoio ao projecto. “Estava vazia. Havia duas utilizações possíveis: turismo ou um espaço onde pudéssemos partilhar com outras famílias esta filosofia de vida. A segunda hipótese levou a melhor”, conta Susana.
O projecto dá ainda os primeiros passos, mas o casal acredita que pode funcionar. Uma das primeiras iniciativas acontece este domingo, dia 15, com uma actividade de playgroup, que mais não é do que uma tarde de brincadeira entre pais e filhos, que inclui uma sessão sensorial e de mindfulness, contacto com animais e um concerto.
O brincar ao ar livre será o ‘prato principal’. E Mateus até pode ser um bom guia na exploração do espaço, que conhece como as palmas das mãos e onde dá asas à imaginação. A mãe conta que, um destes dias, construiu uma ventoinha, apenas com um pau, um prego que encontrou no chão e uma flor (jarro). Tem também o seu “esconderijo” de pedras, onde guarda as “mais bonitas” que encontra e iniciou-se agora na caça aos grilos, que depois volta a devolver à natureza.
“É um meio estimulante para a aprendizagem e para a criatividade”, alega a mãe, frisando, que, apesar de o filho mais velho não frequentar a escola oficial – o mais novo ainda não tem idade – convive com outras crianças e é “muito sociável”. “Sinto que eles são felizes aqui. E isso é o fundamental”, assume Susana Laranjeiro, que realça ainda a relação inter-geracional criada com a vizinha, que há anos que não tinha outros residentes por perto, e que quer replicar no centro de aprendizagem, com o envolvimento de outras pessoas da aldeia.
Porque, como diz o provérbio africano, “é preciso uma aldeia inteira para educar uma criança”. E a aldeia “também pode ganhar muito com essa relação”, acrescenta Susana Laranjeiro.