A tese desta minha crónica é a de que as coisas são, por vezes, bem mais simples do que parecem. Quando em meados do século XVIII os países nórdicos, protestantes, assumiram que a palavra de Deus, a que vem na Bíblia, deveria ser traduzida e lida por todos, acabou-se o analfabetismo em pouco mais que o tempo de uma geração.
Em Portugal, por exemplo, só na década de 70 do século XX se alcançariam os mesmos níveis da Finlândia e da Suécia, desse tempo.
Na realidade, o saber ler e escrever – e a cultura por extensão – nunca foi tida para as elites em Portugal como de grande conveniência, e o anseio de alguns pela sua universalidade sempre foi olhado com desconfiança.
Sinónimo, também, que as elites em Portugal durante séculos foram elites de herança e não de mérito. Quem ascende socialmente por mérito compreende a mobilidade social, integra-a, deseja-a e aspira à cultura; em contrapartida, as outras elites, as que são apenas herdadoras dos méritos alheios e não querem abrir mão deles, temem quase sempre os novos tempos e a democratização da cultura e da própria escolaridade. Receiam o saber, não lhe dão valor e tendem a sonegá-lo.
E este é, por conseguinte, um exemplo da inércia. Mas sabemos, também, que é possível ter “sucessos” na educação de gerações inteiras, rápida eficazmente quando há um projeto consistente, bem estruturado e… repressivo.
O Nazismo na Alemanha, o Estalinismo na União Soviética e o Maoismo na China, por exemplo, no espaço de uma geração moldaram uma juventude aos seus desígnios totalitários. Adolescentes idolatrariam o seu Führer ao ponto de delatarem os seus próprios pais às autoridades e dariam a vida por ele até ao último dia da tomada de Berlim, pelas tropas soviéticas.
(O rosto desses jovens, escutando Hitler, ficará [LER_MAIS] magnificamente filmado no Triunfo da Vontade, de Leni Riefenstahl). E jovens italianos de 15 e 16 anos integrariam milícias fascistas e matariam convictamente camponeses comunistas (e o contrário seguramente também terá acontecido), como tão trágica e poeticamente os irmãos Taviani filmarão na Noite de S. Lourenço.
Mas sempre admiro, na categoria dos projectos bem sucedidos no que à cultura e educação “democrática” dizem respeito, a forma tão eficaz como a cultura anglo-saxónica se tem imposto por essas escolas europeias, a reboque do ensino de inglês.
Projecto deliberado, consistente e bem executado, merece a nossa admiração e deixa-nos a pensar, por contraponto, sobre as fragilidades do “ensino” da cultura portuguesa.
Os professores de Inglês não ensinam só Inglês. Veiculam e inculcam deliberadamente na cultura dos seus alunos portugueses a cultura e as tradições anglosaxónicas. O currículo assim o determina e sugere e é, portanto, diligentemente seguido.
É ver todos os anos o entusiasmo de alunos e professores a celebrarem, por exemplo, o Halloween, o Saint Valentine's Day, e até outras tradições. Os átrios das escolas engalanam-se, os bares e refeitórios animam-se, as turmas divertem-se, os facebooks noticiam…
Do lado do programa do currículo de Português, quem divulga as tradições, quem fala delas, quem as relembra? Que fazemos nós, no currículo de Português para as promover?
Na verdade, afinal de contas, as coisas podem ser mais bem mais simples do que parecem. Depende do interesse e da vontade.
*Professor