Foi em Alvaiázere, onde viveu até aos 10 anos e onde regressa com frequência, que Dulce Freire teve os primeiros contactos com o mundo rural. Agora, esse mundo é ponto de partida para o estudo que a historiadora vai desenvolver sobre a introdução, circulação e cultivo de sementes na Península Ibérica (1750-1950).
A investigação será financiada pelo Conselho Europeu de Investigação, que lhe atribuiu a prestigiada bolsa Starting-Grant, no valor de 1,5 milhões de euros. O objectivo do projecto é perceber “como é que as sementes trazidas do(s) novo(s) mundo(s) se disseminaram” por Portugal e Espanha e “avaliar os impactos que tiveram nas agriculturas e culinárias regionais”.
A investigação incluirá também a elaboração, “pela primeira vez”, de uma cartografia histórica digital das sementes cultivadas na Península Ibérica, através de um modelo que poderá depois ser replicado em outros países da Europa e do mundo, construindo uma cartografia “global”. Investigadora do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, Dulce Freire vai liderar uma equipa-multidisciplinar, constituída por cinco investigadores de pós-doutoramento e dois estudantes de doutoramento, juntando a história, com a biologia, agronomia e a geografia.
Em declarações ao JORNAL DE LEIRIA, a investigadora explica que o projecto articula duas componentes. Por um lado, a pesquisa em arquivos históricos, “europeus e não só”, onde se incluem herbários, livros de botânica, memórias e correspondência. Por outro, trabalho de campo, que incluirá cerca de 150 entrevistas.
Numa primeira fase, será feito um levantamento das variedades de sementes agrícolas cultivadas em Portugal e Espanha a partir de meados do século XVIII, bem como a identificação de “inovações introduzidas”, avaliando se, com isso, “houve um aumento ou a redução dos rendimentos agrícolas nas diferentes regiões”.
[LER_MAIS] Para esta parte do trabalho, será pedida a colaboração de voluntários, através de “uma missão de ciência cidadã” a lançar em 2019. Depois desta abordagem geral, serão seleccionados três locais para fazer estudos específicos. Um deles, explica Dulce Freire, irá analisar o impacto da introdução do milho, “em confronto com o trigo e o centeio que já antes eram cultivados” na Península Ibérica.
O segundo, estará focado na “disseminação das muitas variedades de feijão e avaliar como substituíram, ou não, as lentilhas, o grão, o chícharo ou as favas”. No último, “vão observar-se as mudanças nas hortas com a introdução de novas frutas e vegetais”.
“Há saberes e práticas do passado que podem ser úteis para garantir um futuro com agricultura e alimentação sustentáveis”, afirma a investigadora, frisando “os problemas de perda de agro-biodiversidade” e a necessidade de encontrar “soluções sustentáveis” para alimentar a população mundial.
“Perceber quais foram as variedades das novas sementes, trazidas das colónias, que falharam ou melhor se adaptaram nas diferentes regiões dos países ibéricos, permite esclarecer questões que estão nas agendas políticas e científicas europeias e mundiais”,afirma Dulce Freire, que vê neste projecto a oportunidade de “resgatar conhecimentos associados às sementes cultivadas” e divulgá-los para “toda a comunidade”.
Isto porque, no final, “as entrevistas, os mapas e outros materiais vão ficar acessíveis para todos num arquivo digital”.
Dulce Freire nasceu em Alvaiázere, tendo feito a instrução básica na escola de Besteiro, freguesia de Pelmá. Mudou-se para Lisboa com apenas dez anos, mas mantém “fortes ligações” com a sua terra natal, onde regressa “com frequência” para estar com a família e amigos. “Mas também porque prefiro viver onde me sinto bem”, acrescenta a investigadora, licenciada em história pela Faculdade de Ciências Sociais e Humanas da Universidade Nova de Lisboa.
É ainda mestre com uma dissertação galardoada com o Prémio de História da Fundação Mário Soares, e doutorada em História Económica e Social Contemporânea. Investigadora auxiliar do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, tem direccionado as suas pesquisas para temáticas relacionadas com a história rural e agrária em contextos portugueses e ibéricos.
Tem no prelo Portugal e a terra – Itinerários de modernização na segunda metade do século XX e o livro colectivo Contrabando na fronteira lusoespanhola. Práticas, memórias e patrimónios.