Pouco passava das 10 horas de segunda- feira quando os habituais gritos de brincadeira e conversas em tom elevado que dominam os tempos de recreio deram lugar ao pânico e ansiedade dos alunos da Escola Básica e Secundária Amadeu Gaudêncio, na Nazaré, que presenciaram um homem a ser baleado. Um cenário sem filtro e sem qualquer aviso prévio que vai ser difícil de esquecer.
“Naturalmente este vai ser um assunto falado por algum tempo e estará presente na memória de toda a comunidade escolar. Mas uma boa forma de voltar à normalidade é retomar as rotinas”, considera a psicóloga Alexandra Lázaro.
O avô de um estudante foi morto pelo ex-genro, no átrio da escola, após agressões com arma branca e o disparo de vários tiros, o que deixou em pânico alunos, funcionários e professores. A tragédia teve origem “num desentendimento” entre “familiares de um aluno", revelou Bruno Soares, comissário da PSP de Leiria.
A psicóloga adianta que quem não presenciou o episódio “estará em melhores condições para prosseguir normalmente com os seus dias” e poderão ser estes a apoiar, “através da relação interpessoal, dos que presenciaram directamente o episódio em questão”.
“Creio que com um apoio interpessoal que surge naturalmente nestas situações, aos poucos, tudo voltará à normalidade.” Depois do crime, a escola foi encerrada, tendo reaberto as portas na terça-feira. A Direcção reuniu com os alunos durante a manhã antes das aulas e disponibilizou-se para receber os encarregados de educação.
Para o psicólogo António Frazão, “não é possível definir a natureza e a gravidade do impacto, dado que as características e as vulnerabilidades pessoais jogam um papel essencial na forma como a realidade age sobre cada um”.
O especialista salienta que “ser exposto à violência física entre duas pessoas é, naturalmente, uma experiência negativa e potencialmente traumatizante” e se essa violência provoca a morte de alguém, “o impacto será certamente mais negativo”.
“Mais grave ainda se os espectadores destas agressões são crianças/adolescentes”, ou seja, “seres em construção”.
Admitindo que o impacto será “abrangente a toda a comunidade escolar”, Alexandra Lázaro entende que a forma como cada jovem irá lidarcom o acontecimento deverse- á, “em parte, ao modo como cada um experienciou e recorda o episódio”.
A psicóloga considera que “uma mesma situação pode ser, ou não, traumática, dependendo isso da forma como foi vivida, do envolvimento emocional, do entendimento e dos recursos psíquicos de cada um”. [LER_MAIS]
“Pensando que a escola deve e é normalmente vivenciada como um local seguro, poderão despertarse medos e ansiedades, próprios da percepção da possível iminência de situações inesperadas e da noção de impossibilidade de controlo de tudo o que nos rodeia”, alerta a especialista.
António Frazão constata, contudo, que “crianças e adolescentes estão demasiado expostas a situações de violência, de não respeito pelo outro e até pela sua integridade física”, o que sucede nos telejornais, como em muitos jogos, onde a “violência pura e dura e sem sentido (e mesmo a morte) são o prato forte repetidamente servido”.
Com o regresso à escola, o psicólogo aconselha a que a “normalidade” seja retomada “tendo em atenção que ignorar os factos não significa que as suas consequências sejam por si só minimizadas”.
“Ouvir e falar, em pequeno grupo, dos factos e dos sentimentos despertados é essencial. Sem forçar, mas criando condições que permitam com seriedade e serenamente, que os sentimentos sejam expressos e compreendidos”, acrescenta, recomendando que seria importante que as pessoas se habituassem a “dialogar sobre os factos, as preocupações, os medos, as ansiedades…” que todos sentem, seja em casa, com a família ou na escola com os professores e os colegas.
Também Alexandra Lázaro defende que “pais e comunidade escolar devem ser capazes de explicar aos jovens o carácter de excepção deste tipo de episódios e reenquadrá- -lo no contexto em que aconteceu”.
A psicóloga aconselha ainda que se deve ter em conta o “sofrimento da família” e “não explorar o tema de forma demasiado expositiva”.
“Este tipo de situações deixam-nos a pensar sobre a forma como educamos para o futuro, sobre a importância de atendermos à saúde mental dos futuros adultos, de educarmos para a cidadania, para os afectos, para as emoções e para a relação com o outro”, informa.
A psicóloga afirma que esta pode ser uma oportunidade para realizar “acções de sensibilização e programas dos mais variados, que visem fomentar um pensamento emocional, ajudando os jovens a reflectir sobre o que fazer com as emoções, sobre a importância das escolhas de vida e as consequências das suas acções”.
Poderão ainda “colocá-los a funcionar como grupo, uns com os outros, a olhar para o outro, a gerir conflitos, incitando a empatia e minimizando o individualismo.”
Suspeito em prisão preventiva
O suspeito de 38 anos que matou o ex-sogro já foi presente a primeiro interrogatório, sendo decretada a medida de coacção de prisão preventiva. Segundo o JORNAL DE LEIRIA apurou o homem e a exmulher têm um processo em tribunal relacionado com as questões da tutela, na sequência de uma separação conflituosa, tendo garantido uma permissão judicial para ver o filho, de 11 anos. Uma vez que a família materna da criança terá dificultado as visitas, tendo inclusive ameaçado o detido, o suspeito optou por se deslocar à escola para estar com o filho, evitando o contacto com os familiares. No entanto, a mãe foi avisada e deslocou-se ao estabelecimento de ensino, acompanhada do avô da criança, de 67 anos. Os três encontraram-se no átrio da escola, desentenderamse e o mais velho acabou por ser esfaqueado e baleado, vindo a morrer no hospital de Leiria. Perante este caso, António Frazão alerta para o uso abusivo dos “filhos como joguete entre pais desavindos e, naturalmente, sentimentos de culpa podem ser suscitados na criança que, precisará de atenção e apoio para poder lidar com a situação com o menos prejuízo possível”.