A ação inicia-se na ilha de São Nicolau, no tempo da grande seca, 1943, com uma multidão de gente que espera entrar no veleiro «O Senhor das Areias» que os há de levar para a ilha de São Vicente, Soncente, onde esperam levar uma vida melhor. Dessa multidão apenas os que constam da lista de chamados poderão embarcar, embora alguns consigam entrar no barco “adoçando o mando do capitão, ou subtraindo-se à vigilância dos seus homens.”
A ação pode dividir-se em duas partes: a primeira – que narra a viagem, as condições de extrema pobreza dos passageiros bem como as esperanças que põem na migração – ocupa um terço da narrativa e introduz grande parte das personagens.
A segunda parte, que se inicia com o desembarque em São Vicente, expande a temática da fome, da miséria, do medo num contexto social mais amplo. Não poderá dizer-se que a ação se desenvolve em crescendo rumo a um clímax que deixe prever um desenlace. Nem há uma personagem principal à volta da qual decorre a narrativa.
Reconhecemos antes que cada personagem concorre, com a sua história triste e sombria, para a constatação de uma realidade amarga, árida, ocre, sufocante não só geograficamente mas também, e especialmente, em termos humanos, sociais e políticos.
De entre os passageiros, todos famintos e de uma magreza ávida, todos carregando os seus dramas, as suas debilidades, escolhemos aleatoriamente, Nhô Mocinho, 60 anos, com uma chaga exposta numa perna, homem de liceu, chegou a chefe de secção, que vem sem ter quem o acolha; Conchinha, grávida e famélica, durante a viagem tem a criança que morre ao nascer e é atirada ao mar, vindo ela própria a sucumbir à chegada ao cais e cujo corpo é levado pelo carro do lixo da administração.
[LER_MAIS] O capitão do veleiro Fonseca Morais é um homem bondoso que, ao longo da viagem, se mostra compreensivo com a situação trágica dos passageiros e manda preparar uma refeição de catchupa para todos, avisando sempre que comam pouco e devagar por causa da fome a que o corpo tem estado acostumado.
O moço do barco, Chico Afonso, é tocador de violão e cantador de mornas escritas pelo poeta Eugénio Tavares. Hora di bai é o nome de uma morna de Nhô Eugénio e dá o título ao romance. Em São Vicente vamos conhecer Nhá Vicência, uma viúva abastada e viajada, grande defensora das gentes e da terra de Cabo Verde, que nunca perde a esperança de que tudo há de melhorar.
Por oposição, é-nos apresentado Nhô Juca Florêncio, jornalista e poeta sem qualquer valor artístico, próximo do Dr. Maia da administração salazarista e seu bajulador, o que lhe dá autoridade para denunciar e mandar prender dois professores do liceu – um deles no Tarrafal – por defenderem o povo e para ele exigirem melhores condições.
Toda a ação é acabrunhante, como acabrunhante será ter vivido naquele tempo e naquele espaço. Mas a linguagem usada pelo autor é sempre doce, mesmo quando descreve os episódios mais violentos como são o momento da saída dos emigrantes para São Tomé, o do desfecho da “moia” ou o do assalto ao celeiro do ricaço da terra, Nhô Sebastião Cunha, açambarcador e explorador do povo faminto.
Linguagem amodorrada, melancólica, mas doce e poética, de uma beleza límpida e fulgente a contrastar com o horror da realidade descrita. Linguagem doce e marulhante como doces e marulhantes são as mornas entoadas por Chico Afonso.
"Hora di bai,/ Hora di dor!/Amor,/Dixa'n chorá/ Corpo catibo"
* Professora
Texto escrito de acordo com a nova ortografia