Desde Janeiro deste ano que já morreram dez pessoas no Itinerário Complementar 8 (IC8), no distrito de Leiria. O número foi engrossado esta segunda-feira com a morte de seis homens, em sequência da colisão frontal de dois veículos ligeiros de mercadorias a poucos metros do nó de saída para São João da Ribeira, em Pombal. Eram cerca das 7 horas, quando, inexplicavelmente, a carrinha que transportav
a quatro pessoas no sentido Pombal-Figueira da Foz saiu da sua faixa de rodagem e embateu de frente com o veículo que circulava em sentido contrário, onde seguiam dois ocupantes. A colisão ‘empurrou’ a carrinha cerca de 12 metros para trás. O local é uma recta e à hora do embate a zona estava coberta de nevoeiro.
As causas estão ainda por explicar. Cabe agora ao Núcleo de Investigação Criminal de Acidentes de Viação tentar perceber o acidente. No local, a GNR informou apenas o que era visível: um veículo saiu da sua faixa e colidiu com outro que seguia em sentido contrário. Ultrapassagem? Doença súbita? Problema técnico? Despiste? As causas podem ser variadas e, sem sobreviventes, obrigará a GNR a uma investigação pormenorizada para tentar encontrar as respostas que muitos querem ter.
O comandante do Destacamento de Trânsito de Leiria da GNR, Daniel de Matos, afirma apenas que um dos veículos envolvidos no acidente tinha sido fiscalizado por uma operação Stop da GNR, cerca de "20 a 30 minutos" antes, não tendo sido detectado "nada de grave".
As seis vítimas do acidente tiveram morte quase imediata, revela o comandante dos Bombeiros Voluntários de Pombal, Paulo Albano, explicando que “logo que os primeiros meios chegaram ao local, perceberam que dificilmente iriam conseguir retirar alguém com vida”.
“Não encontrámos ninguém com sinais vitais. A preocupação imediata foi tentar perceber se havia alguém com vida e conseguir criar espaço para fazer essa avaliação", acrescenta. Os trabalhos de desencarceramento foram demorados, uma vez que o embate "provocou deformação em ambos os veículos" e "todo o habitáculo dos passageiros foi destruído".
As vítimas, com idades entre os 21 e os 36 anos, são todas residentes no concelho de Pombal e eram funcionários das empresas Ihaugusto e da Pavimilhas.
O deputado do PSD e presidente da Junta de Freguesia de Pombal, Pedro Pimpão, conta ao JORNAL DE LEIRIA que eram pessoas “muito conhecidas” na zona, o que “abalou muito a comunidade local”. “Um deles era filho de uma professora da escola da Fonte Nova, pelo que durante o funeral [ter-se-á realizado ontem] a escola foi encerrada.
Pedro Pimpão lamenta as seis mortes e volta a defender a requalificação do IC8. “Não quero fazer qualquer aproveitamento político desta situação”, frisa ao JORNAL DE LEIRIA, mas recorda os vários acidentes mortais, incluindo atropelamentos, que se têm registado no troço Pombal-Ansião.
“O investimento quer Infraestruturas de Portugal anunciou para o distrito é irrisório e o IC8 nem aparece referido em nenhum dos documentos, o que evidencia que não será prioritário. O IC8 é uma via muito importante para a nossa região. Tem muito tráfego e é utilizado para transporte de mercadorias para Espanha. É sem dúvida uma das vias de desenvolvimento económico da região”, insiste Pedro [LER_MAIS] Pimpão.
O deputado salienta que o Governo anunciou “medidas de discriminação positiva para os concelhos que foram afectados pelos incêndios, mas não investe na principal via destes territórios. É contraditório e as populações sentem-se enganadas”. Pedro Pimpão espera que o trágico acidente que foi muito mediatizado leve os “responsáveis políticos a perceber a evidência deste problema e que aprovem a requalificação desta via”.
“Vou dar oportunidade ao Ministério do Planeamento e das Infraestruturas para avançar com alguma acção, reagindo a este acontecimento. Se nada for feito, vamos exigir intervenções.” 16 mortes em dez anos “Nos últimos dez anos registaram- -se 16 mortos em nove acidentes”, lamenta Diogo Mateus, presidente da Câmara de Pombal, e um dos rostos mais visíveis da reivindicação pela requalificação do IC8.
O autarca espera que, agora, o Governo dê prioridade a esta via e que “perceba que as propostas dos responsáveis locais não são caprichos, não são egoísmos nem reivindicações estéreis. São verdadeiras preocupações. Não penso que seja necessário ter mais mortes para se avançar com a requalificação”, frisa.
Diogo Mateus salienta que a “prevenção e identificação de situações mais complicadas” são também “responsabilidades de quem governa”. Nesse sentido, a própria autarquia avançou com várias intervenções em vias nacionais para “reduzir os níveis de risco de perigosidade, nomeadamente na Estrada Nacional (EN) n.º 1 (IC2) e na EN109”.
“Foi um investimento de dois milhões de euros assumidos pelo Município. O plano da Infraestruturas de Portugal (IP) prevê um investimento de 5,6 milhões de euros para todo o distrito de Leiria. Percebemos que o valor está muito longe do necessário para intervir no que é prioritário.”
O presidente da Câmara de Pombal critica ainda que algumas prioridades tenham em conta “os amigos” e “critérios eleitoralistas”, sem “preocupações com o povo que paga os seus impostos e que deveria vê-los aplicados no que é prioritário”. Assim, “vamos ter filhos órfãos de pais e viúvos ou viúvas de vítimas de acidentes rodoviários, porque quem tem obrigação de salvaguardar a população fez outras escolhas”.
Em 2014, Leiria uniu-se e cortou uma das principais vias que liga Lisboa ao Porto. A manifestação silenciosa no IC2 em protesto contra as inúmeras mortes causadas por acidentes de viação resultou numa intervenção na via. O Governo cedeu e colocou separadores, pondo fim às colisões mortais.
Diogo Mateus espera que não sejam necessárias acções idênticas no IC8, mas admite que resultam como pressão junto do Governo. Aliás, no concelho de Pombal foi realizada uma marcha lenta em 2017, que permitiu um acordo entre a IP e a autarquia para avançarem obras no IC2.
“Vamos abrir o concurso público para a intervenção e seremos nós os donos da obra.” “Não entendo que se Portugal tem tanta folga financeira como é apregoado, por que razão não são aplicadas verbas nas situações que são necessárias e prioritárias para a população”, acrescenta o autarca.
Acidentes mortais
De acordo com o Comando Territorial de Leiria da GNR, "durante o presente ano, em consequência dos acidentes ocorridos no IC8, na área policiada por esta unidade, resultaram 10 mortos, 5 feridos graves e 22 feridos ligeiros".
A requalificação do IC8 já é reclamada há pelo menos oito anos pela população de Pombal. Há cerca de dois meses, a Assembleia da República recomendou ao Governo a "requalificação urgente" do IC8 para "salvaguardar a segurança de pessoas e bens", depois dos deputados do PSD eleitos por Leiria terem enviado uma recomendação ao Governo.
Em Maio, fora a Comunidade Intermunicipal da Região de Leiria (CIMRL) a considerar que o adiamento de obras no referido troço era "indigno de um Portugal moderno, socialmente injusto e facto de inibição de pessoas e de actividade económica, o prolongamento ao longo de vários anos da situação de negligência grave do Estado, através da ausência de uma intervenção profunda de requalificação do IC8, no troço que liga Pombal a Avelar (Ansião)”.
No documento, denominado Pela requalificação e segurança do IC8 e IC2 nos concelhos de Ansião e Pombal, na região de Leiria, a CIMRL sublinha ser “dever do Estado Português garantir as condições de segurança dos cidadãos e pessoas colectivas, a igualdade de oportunidades e a coesão territorial”.
A missiva da CIMRL adianta que o troço do IC8 que liga Outeiro do Louriçal, no concelho de Pombal, e Pontão, em Avelar, “é uma das vias rodoviárias mais perigosas em Portugal, várias vezes apelidada de ‘estrada da morte’, em função do elevado número de acidentes rodoviários com vítimas mortais”.
Esta “situação grave” já foi exposta pelo presidente da Câmara de Ansião, António José Domingues, sublinha o documento. Em Maio deste ano, fonte da GNR revelou ao JORNAL DE LEIRIA que “de acordo com os dados dos acidentes de que resultaram vítimas, a velocidade excessiva e a prática de condução inadequada foram as causas que deram origem à maioria das ocorrências”.
“O troço do IC8 entre Pombal e Avelar, já no concelho de Ansião, só tem o nome IC [itinerário complementar], não tem traçado de IC. Há falta de cruzamentos desnivelados e de faixas de ultrapassagem e o trânsito lento, devido aos pesados de mercadorias, tractores e outros veículos, provoca algum congestionamento”, referiu na mesma reportagem Neves Marques, comandante dos Bombeiros Voluntários de Ansião.
Segundo o comandante, “quem faz este trajecto, muitas vezes, é para ligação à A23, A17 ou A1 e vem habituado a uma velocidade de auto- -estrada”. No entanto, o IC8, que tem zonas onde é proibido andar a mais de 50 ou 70 quilómetros por hora, pode levar a “algum descuido e desatenção dos condutores”.
Neves Marques afirma que o piso foi recentemente renovado, mas é “sinuoso” e a falta de características típicas de um IC “pode influenciar muitos dos acidentes, levando à sinistralidade que se tem verificado”.
“São 30 quilómetros de uma via que está classificada como IC, mas onde se pode entrar e sair de casas, onde se encontram tractores e outros veículos lentos. A velocidade tem influência nos acidentes, mas qualquer pessoa que coloque IC8 no GPS terá indicação que pode circular até 100 quilómetros por hora, quando há zonas de limites mais baixos”, sublinha.
O comandante apela, por isso, a uma “intervenção urgente”, pelo menos neste troço entre Pombal e Avelar, dotando a via de características de itinerário complementar.
Moção aprovada em Pombal
A Assembleia Municipal de Pombal aprovou por maioria uma moção que solicita ao Governo que “avance rapidamente com as obras de requalificação do IC8, inscrevendo em sede de orçamento do Estado para o próximo ano a verba destinada a esse efeito”. Carlos Lopes, deputado do PS, bancada que propôs a moção, garante que não se trata de “aproveitamento político”, mas “para que situações desta natureza não voltem a acontecer”. “Temos o dever moral de alertar quem tem obrigação de zelar por aquela via e não podemos compactuar que o IC8 seja um cemitério. Esta proposta é para fazermos a pressão sobre o nosso Governo para que de uma vez por todas assuma o IC8 como uma prioridade.” A Mesa da Assembleia propôs ainda um voto de pesar pelas “vítimas do trágico acidente, que deixou todo o concelho consternado” e um minuto de silêncio, aprovados por unanimidade.