“Havia uma promessa sobre a nossa vida, que a gente ia fundar uma igreja”, diz Nélia Amorim, na sala de culto da Assembleia de Deus Plena Paz, que dirige com o irmão, José Amorim, ambos naturais do Brasil.
A congregação fundada em 2016 convive em Leiria com várias denominações cristãs – além das assembleias de deus, estão radicados no concelho os adventistas, os baptistas, os greco-católicos ucranianos, os mórmons, a Igreja Maná e a IURD, entre outros grupos religiosos, a maioria deles evangélicos – e com crentes de religiões não cristãs, sobretudo os muçulmanos, que também têm espaço de oração, e os hindus.
Segundo a Comissão da Liberdade Religiosa, em Outubro do ano passado já existiam 94 comunidades religiosas não católicas radicadas em Portugal – e na lista de atestados de radicação encontram-se a Igreja Evangélica Baptista de Leiria (com mais de 100 anos) e a Igreja Evangélica Assembleia de Deus de Leiria.
O registo junto do Instituto dos Registos e do Notariado (IRN) para atribuição de número de contribuinte chegava quase a 900 grupos religiosos em todo o País, em meados de 2019 – a ausência de resposta ao pedido enviado há dias pelo JORNAL DE LEIRIA não permite saber quantos têm sede no concelho de Leiria. O que é certo é que têm vindo a aumentar, nos últimos anos, com destaque para os evangélicos, que facilmente se instalam em lojas, armazéns ou garagens e beneficiam do crescimento da imigração proveniente do Brasil.
A funcionar num pequeno pavilhão arrendado na Rua Paulo VI, diante de uma oficina de automóveis, a igreja evangélica Plena Paz conta com 70 membros, todos brasileiros. Já deu origem a outra congregação com o mesmo nome, em Caxarias, Ourém. E apoia uma missão em Moçambique, para onde são enviados donativos.
“Todas as pessoas que entram por essa porta, são ajudadas e conduzidas. A gente arranja casa, roupa, mobília, cesta básica”, afirma a pastora e vice-presidente. O apoio a desempregados e famílias com dificuldades económicas é, segundo Nélia Amorim, frequente.
As estatísticas do Serviço de Estrangeiros e Fronteiras (SEF) mostram que os cidadãos brasileiros constituem a maior comunidade estrangeira a residir no distrito de Leiria e quase triplicaram em cinco anos, de 2.964 em 2016 para 8.893 no ano passado.
As despesas da Plena Paz são suportadas com receitas provenientes das refeições cozinhadas nas instalações e vendidas nos dias de culto, mas, também, com o dinheiro de donativos e do dízimo, ou seja, a décima parte do salário. Nélia Amorim garante, no entanto, que só contribui quem quer e pode. Quase sempre, os obreiros que estão no topo da hierarquia, todos voluntários. “Aqui tudo tem de ser pago e alguém tem de pagar, porque o dinheiro não cai do céu. Quem paga somos nós que estamos ali na frente. Sou pastora e quero ver a igreja aberta”.
Na maior parte do tempo desde que aterrou em Portugal há 34 anos, Nélia Amorim tem trabalhado em fábricas, mas actualmente encontra-se de baixa. O irmão, José Amorim, pastor presidente da Plena Paz, é funcionário de uma empresa de moldes. Pregam a defesa da família e dos valores cristãos, numa mensagem que desaconselha as relações sexuais fora do matrimónio.
“Ensinamos a nossas meninas a se guardar para o casamento”, explica Nélia Amorim. “Discipulamos as nossas meninas para não usar roupa sensual, para não estar com aquelas maquilhagens berrantes, para não estar no Tik Tok com aquelas coisas todas, para não estar sensualizando, porque é muito triste hoje ver garotas de 12 e 13 anos na rua quase nuas”.
Entre princípios que rejeitam o aborto e a homossexualidade e preconizam a abstinência do álcool, do tabaco, das drogas e de outros vícios, o foco incide na mudança de comportamentos. Ainda assim, a congregação está “aberta para todos”, garante a vice-presidente. “Não discriminamos ninguém”.
Com cultos todas as quintas, sábados e domingos, onde não faltam as canções tocadas e cantadas ao vivo, a santa ceia, uma vez por mês, é a cerimónia mais importante na rotina da Plena Paz, durante a qual são apresentados os novos baptismos. Regularmente, há saídas para evangelização.
Cada assembleia de deus é autónoma e pode ser fundada por quem sente a vocação. “Alguém identifica esse chamado em ti. Uma vez identificado, você é trabalhado e se você for aprovado, aí os pastores derramam a unção de Deus sobre a tua vida e levantam para o pastoreado. É assim que funciona”.
“Nós cremos que Jesus cura”
Ainda mais recente, em Leiria, é a Igreja Baptista da Lagoinha, orientada localmente pelos pastores José Rezende (um antigo polícia e militar) e Marcilene Rezende, com o apoio de pastores auxiliares. O casal tem um filho de 19 anos e é originário do Brasil. Começou por estabelecer-se no Porto, até se mudar para Leiria, há três anos.
A comunidade que se reúne actualmente num pavilhão da zona industrial do Casal do Cego conta já com 110 membros, quase todos brasileiros. Nos cultos de domingo – transmitidos em tempo real no You Tube – é comum participarem fiéis que vêm de Alcobaça, Porto de Mós ou Caldas da Rainha.
Uma característica da Lagoinha, que é uma igreja evangélica baptista pentecostal e deve o nome ao bairro de Belo Horizonte onde nasceu em 1957, é a manifestação de louvores durante as cerimónias religiosas. “Nós gritamos, nós damos aleluia, nós damos glória a Deus, a gente canta, a gente levanta, a gente bate palma”, realça José Rezende. “O Espírito Santo está ali, no meio da comunhão, então as pessoas deixam-se levar pelo Espírito Santo, começam a orar em línguas, começam a ter visões, começam a profetizar, são coisas que acontecem durante um culto avivado”. Durante a semana, diariamente, o culto realiza-se em casas particulares, nos chamados grupos de crescimento, mais pequenos.
Os seguidores da Igreja Baptista da Lagoinha acreditam na manifestação de dons – “Se está na Bíblia, nós acreditamos. A Bíblia fala que a sombra de Pedro curava as pessoas”, diz o pastor – e no poder dos dons sobre os crentes: “Nós cremos que Jesus cura. É o que está na Bíblia: a oração com fé, ela pode curar o doente”.
José Rezende, 52 anos, reformado da carreira policial militar, é voluntário em Portugal, onde, para ajudar no rendimento da família, faz serviços de transporte de passageiros em veículo descaracterizado (TVDE). Não recebe salário da igreja, que tem como proveitos e suporte das despesas de funcionamento, entre outras fontes, o dízimo. Converteu-se em Belo Horizonte e veio para o Porto há sete anos auxiliar a primeira Igreja Baptista da Lagoinha em Portugal. Em Leiria, há três anos, começou por juntar numa habitação, todos os sábados, um grupo de quatro pessoas: ele, a mulher e outro casal. Cresceram para uma sala do hotel Eurosol e dali para uma loja no centro da cidade, até se mudarem, no ano passado, para as actuais instalações.
No Brasil, o pastor que trocou a doutrina católica pela evangélica experienciou várias situações violentas em contexto de trabalho. “Tive de agir de força, de violência. Graças a Deus, nunca tomei um tiro. Já atirei, mas não acertei. Nunca matei ninguém. Isso acontece, é da profissão”.
O número crescente de igrejas com actividade em Leiria é visto com naturalidade por José Rezende, que explica que a maioria dos brasileiros que chegam a Portugal para trabalhar são evangélicos e procuram um grupo para se integrarem, o que potencia o aparecimento de novas congregações.
Aos que precisam de ajuda, sejam brasileiros, portugueses ou de outra nacionalidade, membros da Lagoinha ou não, os que já cá estão procuram ajudar com cabazes de produtos alimentares, roupas ou informação sobre emprego e habitação. “Temos uma família portuguesa aqui que não vem à nossa igreja, mas nós ajudamos quando eles precisam. Eles nos pedem e a gente doa”.
“Jesus ainda virá nos meus dias”
Muito mais antiga em Leiria, é a Igreja Adventista do Sétimo Dia. Dinamiza espaços de culto na Cruz da Areia e na Gândara dos Olivais e totaliza, no concelho, aproximadamente 210 membros. Um deles é Emanuel São Bento, 59 anos, que recebeu o estatuto de ancião, ou seja, assume algumas responsabilidades na ausência do pastor. Os pais já eram adventistas e os filhos, já adultos, também são.
Um dos aspectos que mais distingue a denominação cristã protestante com raízes no século XIX nos Estados Unidos é o carácter profético da interpretação de alguns textos bíblicos, como o Apocalipse. “Nós cremos que Jesus vai voltar muito em breve. Eu, pessoalmente, creio que Jesus ainda virá nos meus dias, se eu viver uma existência normal”.
Em Leiria, no âmbito da Assistência Social Adventista, com 16 funcionários, a Igreja Adventista do Sétimo Dia oferece como respostas sociais um serviço de apoio domiciliário (alimentação, limpezas, higiene pessoal e tratamento de roupa) e um centro de dia na freguesia dos Parceiros (com actividades sócio-culturais), explica a directora técnica, Eunice Ferreira. E através da ADRA – Associação Adventista para o Desenvolvimento, Recursos e Assistência, acompanha dezena e meia de famílias com apoio alimentar.
Os adventistas não trabalham (e nem sequer cozinham) ao sábado, dia reservado para a família e para o culto, que habitualmente acontece depois de uma palestra sobre um tema proposto internacionalmente. Uma vez por trimestre, realizam cerimónias de baptismo (por vezes, em rios) e a santa ceia (com puro sumo de uva e pão sem fermento).
A saúde e a alimentação são temas observados com o rigor. “É muito importante estarmos bem fisicamente para podermos estar bem espiritualmente”, argumenta Emanuel São Bento, que, aos 59 anos, é predominantemente vegetariano e nunca experimentou carne de porco. “Para termos a nossa mente sadia, temos de nos abster de determinadas coisas. Um adventista não pode tomar drogas, um adventista não fuma, um adventista não bebe bebidas alcoólicas, seja em que situação for”.
Com a pandemia, as cerimónias na Cruz da Areia começaram a ser transmitidas online em directo, o que ainda sucede. Apesar de “tradicional e conservadora”, a igreja adventista, segundo Eunice Ferreira, “procura ser bastante inclusiva e acompanhar a forma como a sociedade vai evoluindo”. Também recentemente, o perfil da comunidade em Leiria começou a alterar-se e os fiéis brasileiros são agora “um número significativo”. Mais difícil, é captar os mais jovens. Alguns entram através dos clubes de desbravadores, que têm filosofia semelhante aos agrupamentos de escuteiros.
“Tentamos viver, ao máximo, a essência bíblica”, salienta Emanuel São Bento. Os adventistas não crêem no inferno, nem na imortalidade da alma, mas acreditam na vida eterna, para os que forem salvos. O juízo já decorre e “a salvação é pela fé”.
Avenida Combatentes da Grande Guerra
Assembleia de Deus de Leiria
Quinta do Alçada
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Rua Henrique Sommer
Comunidade Evangélica Ser Livre
Rua 25 de Abril
Igreja Adventista do Sétimo Dia de Leiria
Cruz da Areia e Gândara dos Olivais
Adventistas do Sétimo Dia Movimento de Reforma
Rua João de Deus
Igreja Greco-Católica Ucraniana
Bairro das Almoinhas
Igreja Reviver de Leiria
Barosa
Igreja Universal IURD
Rua Mouzinho de Albuquerque
Igreja Evangélica Viver em Cristo
Rua da Carreira de Tiro
Igreja Plena Paz
Rua Paulo VI
Igreja Mundial Bendito Serei
Rua Álvaro Pires de Miranda
Igreja ADMI Leiria
Quinta do Alçada
Igreja Batista da Lagoinha
Zona industrial do Casal do Cego
Mevam Leiria
Sismaria
Igreja Maná
Rua Paulo VI
CPEAD Leiria
Largo Camilo Castelo Branco