(Música: untitled love #2 – Omnichord Records – 2019)
Aliar palavra e imagem, num exercício de descons- trução e construção da poesia da imagem aliada à poética imagética é o ponto de partida do Fotografar Palavras. Escritores e fotógrafos partilham talento e energias, ilustrando a palavra, nesta iniciativa criada por Paulo Kellerman, escritor de Leiria, em 2016, e que tem como lado mais visível deste blogue – Fotografar Palavras.
Até 3 de Maio, o projecto tem uma face mais física exposta no m|i|mo – Museu da Imagem em Movimento, em Leiria, através de uma exposição que mostra essa ligação entre literatura e fotografia que, até hoje, já envolveu mais de 130 pessoas.
Dos mais de 2100 trabalhos originais já publicados, para esta mostra foram seleccionados 20.
Em Dezembro de 2018, aconteceu o primeiro encontro de participantes, na Livraria Arquivo, um dos principais espaços culturais de Leiria. Para os próximos quatro anos, já um acordo para a realização de quatro exposições.
Fotografias que descrevem palavras
Na maior parte das vezes, a legenda serve para descrever a imagem.
Num processo semiótico tradicional, ela é a última a aparecer, porém, neste projecto saído da cabeça de Kellerman, é a imagem que descreve a palavra e torna-se indissociável, numa simbiose e sinergia impossíveis de separar e assentes na experimentação mais pura.

“Há pessoas que tentam processos novos e usam o Fotografar Palavras como espaço de experiências. Agrada-me muito que saiam das suas áreas tradicionais e arrisquem”, conta o mentor da iniciativa.
Para a presente exposição, foram definidos critérios objectivos, sendo que a principal regra se prendeu com quem faria a escolha das fotografias patentes. Neste primeiro ano, coube aos 20 fotógrafos, com mais participações em 2019, fazer a selecção.
“Cada um deles ou delas escolheu a sua própria fotografia que mais lhes agradava. É uma coisa democrática que coloca em destaque o facto de não haver um ou mais ‘lideres supremos’ a decidir”, explica Paulo Kellerman.
E sem fazer um grande esforço de projecção de cenários possíveis, é curioso ver como este processo encontra eco num dos versos de Elsa Rodrigues, uma das participantes: “deste-me tudo o que não sou”.
A fotografia, neste caso, é de Selma Preciosa.
No próximo ano, caberá aos escritores com mais participações em 2020, fazer a selecção. E depois? “Depois, logo se verá. Está tudo em aberto”, brinca Paulo Kellerman, encolhendo os ombros.
Sem papéis fixos
O blogue Fotografar Palavras foi criado pelo escritor de Leiria em Agosto de 2016, com o objectivo de ser um projecto quase episódico, porém colaborativo. O sucesso e o entusiasmo foram tais que a iniciativa tomou um carácter mais permanente.
“Como conheço vários escritores e fotógrafos talentosos, com quem já tinha desenvolvido trabalhos em conjunto, em especial ebooks, surgiu-me a ideia de fazer algo que fosse mais dinâmico. Convidei-os, eles aceitaram e a iniciativa foi crescendo em escritos e imagens”, recorda.
Mais de 130 pessoas já fotografaram palavras, muitas de Leiria e das cidades e vilas dos arredores, muitas de outros pontos do País e muitas a viver noutros países e continentes. Também há um punhado de criativos brasileiros, que, curiosamente, não têm quaisquer ligações à cidade do Lis e, recentemente, apareceram os primeiros interessados de outras nacionalidades.
Um dos atractivos do Fotografar Palavras é que não há papéis fixos. Ora se pode ilustrar um escrito com uma imagem, ora se pode escrever algo e deixá-lo à solta, para que alguém fotografe uma legenda.
ESCRITORES
Catarina Vale
Joana M. Lopes
Rosa Boto Caiado
Elsa Margarida Rodrigues
Andreia Azevedo Moreira
A. M. Catarino
Paulo Kellerman
José Alberto Vasco
FOTÓGRAFOS
Artur Gomes
Carla De Sousa
Célia Guerra
Chico Vilaça
Cristina Vicente
Elisabete Antunes
Fernando Silva
Frankie Boy
Maria João Alves
Paula Melo
Peter A. Gilbert
Raquel Ferreira Coimbra
Selma Preciosa
Sílvia Bernardino
Sónia Silva
Teresa Bret Afonso
Teresa Maria Dos Santos
Teresa Marques Dos Santos
Vilma Serranoo
“O que é necessário é que os participantes colaborem uns com os outros. Mas também já surgiram casos de quem tenha participado nas duas artes.”
Dias após a celebração de mais um Dia Internacional da Mulher, há uma pergunta que se impõe ao organizador: “em termos de divisão de género, quem participa mais? As mulheres ou os homens?”
Kellerman sorri e admite que nunca fez tal contagem, mas que acredita que elas estão em maioria no projecto.
“Temos de continuar espantados”
Não há fotografias, nem tampouco número de participações obrigatórias.
Cada um faz a gestão da sua participação como quiser e colabora as vezes que entender.
Os escritores enviam frases, Paulo Kellerman, à boa maneira do futebol, distribui jogo pelos fotógrafos e o resultado é publicado em conjunto no [LER_MAIS]blogue. Sim, num “bom, velho, tradicional e datado blogue”. A partilha em redes sociais, porém, não está vedada.”Noventa por cento das publicações funciona desta maneira. É a essência do projecto. Embora haja casos de fotógrafos que enviam fotografias sem que haja palavras para elas e alguém irá escreve-lhes algo.”
O escritor refere ainda outra curiosidade: os participantes não conhecem a identidade de quem redige os textos e estes não conhecem a de quem fotografa. O produto final é sempre uma surpresa para ambos.
“Implica uma grande confiança entre as pessoas. Implica fazer bons ‘casamentos'”.
Aos quatro anos de idade, o grande desafio é o de impedir que os participantes e os visitantes do blogue percam o interesse e a vontade de buscar a novidade.
“Temos de continuar espantados com o que é feito. Isto passa pelo entusiasmo das pessoas e é por isso que cada um faz a gestão da sua participação. Quer seja semanalmente, quer seja de seis em seis meses…”
E são as redes sociais de cada um, as partilhas e uma dinâmica de contágio, que traz mais público, mais escritores e fotó- grafos, que também ajudam a manter a chama viva.