15 de Março de 2019 – Massacre de Christchurch. Um homem australiano armado entra em duas mesquitas da cidade neozelandesa e mata 50 pessoas.
Minutos antes publica um manifesto de 74 páginas nas redes sociais, em que responsabiliza os imigrantes e revela que pretende desestabilizar e polarizar a sociedade ocidental.
Além da chacina que perpetrou, o terrorista cristão transmitiu em direto o seu ato através do Facebook, para gáudio e prazer de milhares de pessoas por todo o mundo que assistiram.
O terrorista foi detido e já levado a tribunal, procurando reclamar os “louros” da sua ação. Este ataque surpreende pela localização. Nova Zelândia e Austrália – país de origem do terrorista – são dois dos países mais seguros do mundo (2.º e 13.º, respetivamente, no Global Peace Index, da Vision of Humanity).
Pouco faria prever um massacre com estas dimensões, em países com poucas tensões sociais. Mais ainda, as motivações islamofóbicas e anti-imigração causam estranheza, uma vez que Nova Zelândia e Austrália são duas democracias consolidadas (4.º e 9.º, respetivamente, no Democracy Index, da Economist) e com altos níveis de liberdade política (6.º e 7.º, respetivamente, no Freedom in the World, da Freedom House).
Ou seja, em países em que a imigração não causa particulares sobressaltos, em que existe uma boa integração social, para além de mecanismos para proteger minorias e garantir formas de protesto organizadas, surpreende um ataque com estas características.
Olhando para a tendência dos últimos tempos, a terceira [LER_MAIS] década do século XXI que se aproxima ameaça ser a década da intolerância generalizada por quem é diferente.
Esta reação primitiva e quase animalesca de desconfiar de tudo o que é diferente tem vindo a ser exacerbada ultimamente, depois de algumas décadas de algum progresso na integração.
Nos últimos tempos, o maniqueísmo “nós contra eles” tem ganhado terreno, ao mesmo ritmo que nos diversos fóruns de debate se banalizou o trogloditismo, a pobreza de argumentos, a desonestidade intelectual e se privilegia “ser polémico” sobre “ser rigoroso”.
O maniqueísmo é também estimulado pela superficialidade e “efeito de bolha” que as redes sociais permitem. Se, para os cidadãos, os tempos deviam assustar, para as empresas parece ser business as usual.
As plataformas de media aproveitam e empolam a boçalidade para oferecer mais programas de péssima qualidade, baixo custo e alto nível de “polémica” – um maná dos céus.
As redes sociais, em particular a Facebook Inc., aproveitam a sua posição dominante e o manancial imenso de dados para gerar elevados lucros – mesmo que isso implique interferir em processos democráticos.
Afinal, vale tudo em troco de um aumento de lucros? É justo promover o ódio, a intolerância e a destruição de democracias a troco de uns dividendos adicionais?
Podem as empresas, nomeadamente as de media, continuar insensíveis a tudo isto? Cabe aos cidadãos, e aos seus representantes, decidir sobre isto. Antes que seja demasiado tarde.
*Professor e investigador
Texto escrito segundo as regras do Acordo Ortográfico de 1990