O dia ainda é na praia e a noite na Kiay, como diz o vosso lema?
Foi criado pela minha mulher, a Lara, em 1991, e colou. Ela foi uma das pessoas que me ajudou a dinamizar a Kiay e, ainda hoje, é quem faz toda a parte promocional e relações públicas. A ideia por detrás do lema prende-se com a ideia de que, durante o dia, as pessoas vão para a praia, mas, à noite, quando voltam para a casa, vão divertir-se à Kiay. É um mote dirigido, essencialmente, à emigração, que é constituída por pessoas com raízes no interior e não nas localidades junto à praia. Em Agosto, cerca de 90% dos nossos frequentadores são emigrantes que passam o Verão em casa de familiares.
A Kiay é uma espécie de paragem obrigatória para os emigrantes? O Verão não é Verão se não se passar pela praia e pela Kiay?
A Kiay é uma tradição. As pessoas de cá, porque trabalham, só aparecem aos fins-de-semana, especialmente ao sábado à noite, mas os emigrantes, a quem sempre acarinhámos e que se habituaram a espectáculos e a DJ a animá-los, vêm a semana inteira. Se passarmos a música que eles querem, afastamos o público nacional, que não gosta de música francesa. Porém, começa a haver uma boa mistura entre os dois públicos, porque conseguimos agradar a ambos e até temos pistas diferentes, mas durante muito tempo era preciso escolher entre uns e outros. Quando chegava Agosto, era preciso "fazer uma lavagem aos DJ" e explicar-lhes que tinham de mudar o género de música. O que acontecia, há 30 anos, era os "portugueses" irem todos para a Riomar e a Locopinha e os "franceses" vinham todos aqui. Mas, de lá para cá, criámos uma empatimuito grande com os emigrantes e, hoje, até já são os filhos que vêm à Kiay, perpetuando a tradição. Sabem que são bem acolhidos, que colocamos música para eles… e são pessoas que dão valor a isso. Ao contrário dos "portugueses" que não dão valor ao requinte e cuidado que temos na decoração, no modo como servimos ou ao cartaz. Se colocarmos um artista caro aqui a animar, os "portugueses" torcem o nariz porque não querem pagar mais para o ver. Depois, vão para o Algarve e pagam o triplo, mas já não se importam.
A Kiay é a sobrevivente das grandes discotecas dos anos 90. Como se consegue tal longevidade?
Do nosso tempo – abrimos em Outubro de 1982 – havia a Riomar, na Praia da Vieira, e a Sunset, de Alcobaça. Acredito que conseguimos manter-nos como um local de eleição devido ao trabalho incansável e ao facto de a gerência estar muito envolvida em todos os aspectos do negócio. Penso que se passa o mesmo nas grandes empresas. Temos orgulho do nosso trabalho e temos também muito cuidado com os artistas que contratamos. Isto é como uma ementa de um restaurante; se não se dinamiza a cozinha e não se inova, as pessoas vão cansar-se e procurar novas experiências. Além disso, temos muito orgulho na nossa equipa. São 40 pessoas escolhidas a dedo. Elas são a alma da casa.
O público mudou muito desde os anos 80?
Noto que tínhamos uma maneira de nos divertimos, e de estar na discoteca, e o público actual tem outra. É algo que muda a cada dez ou 15 anos! Quem vier cá numa das nossas festas K80, onde recordamos os anos 80, vai poder ver uma coisa muito interessante: as pessoas dançam viradas umas para as outras, falam entre si, cantam e dançam, em grupinhos! Em contraste, o público actual dança virado para a cabine, com a mão ou com o telemóvel no ar, à espera que aconteça algo. Socializam na mesma, mas a pista de dança tem um aspecto completamente diferente. Penso que nos anos 80 havia uma maior convivência de grupo e, hoje, nota-se um certo individualismo. Provavelmente, não tem nada de mal… A música também mudou, mas tem ciclos. Vai e volta. Neste momento, nota-se o regresso de alguns estilos do "antigamente". A rave matou as pistas de dança, mas, felizmente, a música voltou a ser mais alegre.
Falando de Pombal, continua a ser um concelho "charneira", preso entre o litoral e o interior, como dizia Narciso Mota?
Vivemos mesmo na fronteira entre Leiria e Pombal. Leiria será sempre "a cidade" e vai sê-lo cada vez mais. É o centro para onde tudo e todos convergem. A única coisa, a meu ver, que pode realmente desenvolver uma cidade como Pombal, é a existência de uma escola superior ou universidade. Traz muitas ideias novas e mais população jovem a qualquer cidade. Não sei se teria capacidade de acolher ensino superior, mas era algo que contribuiria para o seu desenvolvimento. Fica numa zona central, com bons acessos, entre Lisboa, Porto e Coimbra, e tem muito potencial turístico, mas não tem bons acessos, por exemplo às praias. Além disso, falta-lhe mais uma saída da A1.
Onde?
Na fronteira entre as Meirinhas (Pombal) e o Barracão (Leiria), claro! Para usar os actuais acessos é preciso percorrer vários quilómetros. Quem habita a norte de Leiria e a sul de Pombal tem de andar para trás e para a frente. Nem os acessos directos de Leiria à praia são bons. Não se pode promover turisticamente algo, quando é preciso andar às curvinhas até lá chegar. As zonas litorais de Leiria e Pombal estão mal servidas a nível de acessos. E, claro, há muito património e muitas atracções culturais, mas falta na região uma grande atracção. Algo que chamasse, efectivamente, muitas pessoas. Costumo brincar com esta ideia, e dizer que falta um parque de diversões. Quero dizer, falta algo que traga outros públicos à região. Não pode ser só pela história ou pelos castelos e igrejas, por mais belos que sejam. Mas, acima de tudo, e tenho de voltar a frisar isto: Pombal só teria a ganhar com um pólo de ensino superior. Por que não um pólo do Instituto Politécnico de Leiria? Leiria e Caldas da Rainha têm beneficiado muito da existência de escolas superiores.
Qual é a sua opinião acerca de uma abertura da Base Aérea de Monte Real ao tráfego civil?
Não há dúvida alguma que iria dinamizar a região. Se houver a possibilidade de haver um aeroporto civil, esta é a melhor zona para o colocar. Sei que não os podemos ter em todo o lado e há o exemplo negativo da antiga Base Aérea de Beja, praticamente sem rentabilidade. Um aeroporto iria impelir muitas outras melhorias em termos de infra-estruturas na região. Há muitas questões envolvidas e é preciso pesar bem cada uma delas. Sim, temos Fátima e Coimbra, que são pólos de atracção turística, mas estamos a cerca de duas horas de dois grandes aeroportos. E será que um turista não preferirá ir primeiro para Lisboa e Porto e só depois [LER_MAIS] conhecer o resto do País? Por outro lado, estando numa zona de forte emigração, é fácil imaginar um cenário onde os emigrantes vindos de Paris, Genebra ou Londres, numa companhia lowcost, aterrariam em Monte Real. E ainda falta falar da questão dos comboios, que são uma prioridade essencial para qualquer País.
O IC2/EN1 continua a ter um dos seu "pontos negros" nas Meirinhas?
Os acidentes quase acabaram desde que se fizeram caixas de viragem. Era algo tão simples de solucionar! A colocação de separadores centrais no IC2 até Leiria também foi uma boa medida. Mas, por outro lado, a estrada tem cada vez mais movimento. Já se falou em fazer uma estrada paralela, mas não sou adepto disso, porque iria retirar clientes ao comércio local. Parece-me mais racional alargar as vias, porque há espaço, à excepção de um pequeno troço.
Mas a localidade permanecerá cortada ao meio.
Isso não é problemático. O que precisa, parece-me, é de duas vias para cada lado. De outro modo e dado o aumento de tráfego, o trânsito irá congestionar muito. De Leiria até às Meirinhas há muito espaço para criar mais duas vias na estrada e colocar um separador central.
Sendo um empresário ligado à área do entretenimento, qual é a sua opinião acerca da candidatura de Leiria a Capital Europeia da Cultura 2027?
Seria óptimo que se realizasse em Leiria. Traria mais e outros públicos, daria a conhecer ao Mundo o nome da cidade e de toda a região. Seria uma boa aposta em termos de marketing territorial. Temos de mostrar que estamos cá e o resto acontece, praticamente, sozinho. Sendo uma candidatura de âmbito regional será algo que iria beneficiar não apenas a cidade e o concelho de Leiria, mas toda a área geográfica que a ela se associar. Quem sabe? Até poderia impulsionar a decisão de abrir um aeroporto civil em Monte Real!
O pronto-a-vestir que se transformou em discoteca
Jorge Duarte, 57 anos, é natural de Meirinhas, filho de pais emigrantes rumou com eles a França, com apenas ano e meio, mas não se deu bem por terras de Astérix e Obélix e os pais entregaram-no à guarda dos avós, que viviam naquela freguesia de Pombal.
Em 1965, os progenitores regressaram para abrir o restaurante Paris, que ainda hoje está de portas abertas mesmo ao lado da discoteca Kiay. Estudou em Leiria, no Colégio Conciliar de Maria Imaculada, depois continuou o percurso académico em Pombal, tendo terminado o ensino secundário na antiga Escola Comercial – Escola Secundária Domingos Sequeira -, em Leiria.
Após disso, foi tomar conta da loja de ponto-a-vestir do pai, nas Meirinhas. Com 19 anos, começou a frequentar as várias discotecas da zona, um ritual de passagem à vida adulta muito comum na época. "Ia ao 22, em Ourém, ao Papagaio, em Mira de Aire, à Eurosol, em Leiria, e à Anacruse, em Pombal", conta e recorda que foi aquela convivência com os estabelecimentos de diversão nocturna que o puseram a considerar abrir a Kiay.
"Ir à discoteca era a moda, mas lá dentro não acontecia quase nada. Havia uma bola de espelhos no meio, um foco a apontar para ela e já estava bom!" O pai não via com bons olhos as constantes saídas nocturnas do filho e, por isso, foi com surpresa que Jorge, um dia, ouviu-o questionar a sua ideia de abrir uma discoteca. "Isso dá mesmo dinheiro?", perguntou o pai.
Perante a resposta positiva, fez uma aritmética rápida de cabeça e, passado pouco tempo, nos idos de 1981, a Kiay começava a erguer-se num terreno ao lado do Paris. O espaço abriu portas em Outubro de 1982 e continua a ser uma referência na animação nocturna nacional.