Que impactos trouxe a pandemia de Covid-19 ao sector da construção?
Na fase inicial, alguns dos nossos associados tiveram de parar à força, porque estavam mais ligados às obras públicas. A maior parte da actividade ligada à construção habitacional foi-se mantendo, porque se trabalha ao ar livre. O nosso sector ainda tem bastante resiliência e tem conseguido ultrapassar. Não foi um dos sectores mais afectados. Bem bastou a crise anterior que, essa sim, deixou poucas empresas a laborar e obrigou muitas a uma grande reestruturação. Nesta fase, ainda devido à pandemia, os promotores têm reduzido a vontade de continuar a investir. Temos tido muitos que neste momento estão a abrandar. Tinham projectos em andamento que cancelaram, ou então vão protelar o investimento. Os impactos vão sentir-se em breve.
No que toca ao investimento público, tem sido pouco…
Desde 2011 que contraiu muito. As autarquias têm conseguido manter um nível de produção razoável, mas a Administração Central tem feito muito pouco. A manutenção, por exemplo, continua a não ser devidamente valorizada. Há escolas, tribunais, conservatórias sem acessos para deficientes, edifícios onde não se investe na altura certa e depois é preciso gastar muito mais. Vai-se empurrando para o orçamento do ano seguinte, demora-se muito tempo a tomar decisões. Devia haver mais agilidade e mais flexibilidade nas obras de conservação.
O que está previsto para este ano e para o próximo pode ajudar o sector a ganhar nova dinâmica?
Tudo o que vier é benvindo. O Plano de Recuperação Económica e Social de Portugal 2020-2030 contempla uma série de prioridades, nomeadamente infra-estruturas viárias e rodoviárias, e até habitação social, que tem sido o parente pobre da habitação, é quase inexistente. Mas é importante haver mais investimento ao nível da habitação social, porque continua a haver muitas famílias a precisar de habitação e a não a conseguir adquirir, ou mesmo arrendar. É dever do Estado facilitar habitação condigna para todas as pessoas.
Por que é que o custo da habitação não baixa?
A crise de 2008 colocou os preços num patamar muito baixo. Desde então, deixou-se praticamente de construir, porque não era rentável, e também não havia muitos que conseguissem comprar. Ultimamente, o sector tem tido novo dinamismo, que me parece até um bocadinho exagerado, não sei se o mercado vai suportar a oferta que entretanto estará aí. O facto de as taxas de juro estarem muito baixas está a fazer com que muitos investidores que nada têm a ver com o sector optem por investir nesta área, em vez de deixarem o dinheiro no banco.
[LER_MAIS] Em Leiria, depois da crise de 2008, a construção nova de habitação praticamente parou. Agora corre-se o risco de voltar o excesso de oferta?
Penso que sim. As famílias que tinham possibilidades de adquirir habitação já o fizeram, e agora vamos atingir uma fase em que quem comprará serão famílias que chegam de fora. Tenho imóveis em promoção e tenho sentido algum abrandamento da procura.
As empresas estão a apostar sobretudo na construção nova ou na reabilitação?
A reabilitação é uma área estruturante. Devemos continuar a reabilitar o edificado, até por uma questão ambiental. Os centros das cidades têm de ser valorizados, para nosso bem-estar. Mas é mais fácil fazer novo do que reabilitar. Enquanto se puderem fazer edifícios novos, mais difícil será haver promotores a quererem investir na reabilitação. A não ser em locais estratégicos, muito interessantes, de muita procura. Mas ficaremos sempre condicionados a muitos factores, como a implantação e a orientação solar. Na reabilitação, há uma série de condicionantes a que não conseguimos fugir. Na habitação nova conseguem-se criar os projectos de acordo com as novas tendências, com mais áreas, mais varandas, maior exposição solar. Há uma série de vantagens na construção nova que dificilmente se atingem na reabilitação.
Quais os principais constrangimentos que se colocam actualmente às empresas de construção e obras públicas?
Trababalho há muito, mas o principal constrangimento reside nos recursos humanos, que estão envelhecer. Não tem havido entrada de jovens. É um sector que não tem sido valorizado pelos jovens e o próprio Estado não tem feito o seu trabalho. Tem-se demitido das suas obrigações, que passam por valorizar as actividades primárias, manuais, as profissões tradicionais. É hoje muito difícil captar um jovem para a área da construção, tal como o é para a indústria. Cabe ao Estado fazer algo para que se consiga captar uma franja grande de jovens que acabam o 12.º ano e vão para o mercado ocupar actividades indiferenciadas. Deve ser frustrante ter 20 anos e não ter profissão.
Não há jovens a acabar a escolaridade obrigatória e a entrar na actividade, como aprendizes…
Exacto. Antigamente pagava-se para aprender. O meu pai pagou para arranjar um empreiteiro que lhe ensinasse a profissão de pedreiro. E era um favor o mestre ensinar. Claro que hoje isto é impensável.
Os jovens não querem ser pedreiros porque é uma profissão mal paga, ou porque é socialmente menos valorizada?
A imagem das profissões tradicionais está muito distorcida. Por isso, muitas pessoas não conseguem visualizar-se a fazer uma profissão tradicional. Mas precisamos de jovens talentos, é preciso captá-los. Aqueles artistas que sabem fazer, com gosto, estão-se a perder. Esse gosto pelo que se faz está-se a perder. Sente-se que muita gente está no sector porque tem de ter um emprego. É verdade que também há alguma falta de reconhecimento social.
A construção é uma área ainda de muito trabalho manual, ou tem também havido avanços tecnológicos?
Tem. Existe hoje um boom enorme de novos materiais, de novas formas de fazer o trabalho, de novas ferramentas mais tecnológicas. O sector tem evoluído muito. Dizia-se antigamente que a construção era uma actividade pesada. Hoje é raro um operário pegar num peso superior a 30 quilos.
Não se constrói hoje da maneira que se construía há 20 anos, nem com o mesmo tipo de material…
Antigamente usava-se muito a pedra, hoje os materiais são muito mais sofisticados e o nível de exigência é maior. Fazer habitação actualmente é muito mais exigente. E a evolução da ciência fará com que no futuro os materiais tenham ainda melhores características.
Que desafios estruturantes tem o sector pela frente nos próximos anos?
O primeiro, e maior, é a formação profissional. Caso contrário ficaremos sem mão-de-obra. Será um problema grave. As pessoas irão pagar as habitações muito mais caras. Porque vai ser preciso pagar o trabalho e a vontade de o fazer.
Há empresas a recusar trabalho por não terem quem o faça?
Sem dúvida, e esse problema tem vindo a crescer. Os clientes querem fazer obras, mas as empresas não têm capacidade de resposta. Este ano, e já no ano passado, temos assistido a uma procura enorme dos nossos serviços, mas o sector encolheu muito desde 2011. Continuamos a ter poucas equipas a trabalhar em determinadas áreas, mais especializadas, porque muitas pessoas emigraram. Voltando aos desafios, a questão da mão-de-obra é sem dúvida o principal. É preciso revujenescer o sector, fazer formação profissional, porque a construção tem vindo a evoluir e está cada vez mais exigente.
Quais os objectivos da actual direcção para o mandato que agora inicia?
Um deles é ajudar os associados a assimilarem os novos conceitos de construção, ligados à sustentabilidade dos edifícios. Estes têm hoje particularidades muito diferentes das de há uns anos. A regulamentação é muito mais exigente, tanto ao nível da eficiência energética como acústica, e não só. Temos de ajudar os associados a assimilar essa cultura. Queremos também manter a evolução positiva no número de associados e atingir os 500 até final do ano. Temos de continuar a dinamizar a relação com as entidades parceiras e a estabelecer parcerias e protocolos com novas entidades, de modo a diversificar os apoios aos associados. Queremos igualmente divulgar a importância de ser associado da Aricop e as vantagens que traz. Temos também de continuar a alertar para a importância de trabalhar de forma regular, com os devidos alvarás e títulos de registo. Há muitas empresas a trabalhar sem habilitação legal. Queremos ainda dignificar a actividade, para atrairmos jovens. A captação de talentos é muito importante. E tudo aponta que o futuro será muito risonho para quem está ligado ao sector, porque há cada vez menos gente a trabalhar na área. Quem estiver no mercado vai estar confortável.
E vai ganhar muito dinheiro?
Vai estar confortável. O ganhar dinheiro é sempre relativo. Mas não terá os sobressaltos de poder perder o emprego. Vai haver tanta necessidade que se sair de uma empresa terá quatro à espera. Escasseiam os profissionais e isso não é bom. Para as empresas, uma grande procura sem capacidade de resposta cria muito stress, pressiona-as a fazer obra e mais obra. O excesso de trabalho não é saudavel nem para quem compra nem para quem faz. Actualmente existe um pico de trabalho que coloca a descoberto a necessidade de mão-de-obra qualificada. Compete ao Estado proporcionar os conhecimentos teóricos. Saber assentar um tijolo é muito pouco para quem está na actividade. É preciso perceber por que é que o tijolo tem de ter determinada dimensão e formato.
Perfil
“Não consigo fazer outra coisa”
Desde muito cedo que José Luís Sismeiro soube que queria que o seu futuro profissional passasse pela área da construção. Quando ingressou na então escola comercial para fazer o curso tecnológico escolheu construção civil, mas só havia outro candidato e não foi aberta nenhuma turma, recorda. Acabou por ter de ir para mecânica, mas a entrada na universidade, em Coimbra, fez-se no curso de Engenharia Civil. “Costumo dizer que não consigo fazer outra coisa, desde muito pequeno que quis seguir esta área. É uma actividade muito atraente, estamos sempre a fazer coisas novas”. Iniciou a sua carreira a trabalhar por conta de outrem e criou a sua empresa em 2006. Foi eleito em Junho deste ano para a direcção da Associação Regional dos Industriais de Construção e Obras Públicas e Leiria (Aricop).