É uma colectânea de poemas, aos 90 anos de idade. Os primeiros remontam, provavelmente, à década de 70. “Gritos de alma, como se dizia no meu tempo”, comenta José Luís Tinoco, que acedeu, finalmente, a publicá-los.
“O que se passa é que houve umas pessoas que descobriram aquilo a que eu chamava a minha poesia de gaveta ou a minha poesia clandestina”, conta ao JORNAL DE LEIRIA, numa resposta gravada e enviada com a colaboração do filho, Luís Tinoco.
Perseguição dos Dias é o primeiro livro de poesia do arquitecto, músico, letrista, ilustrador, cartoonista, grafista e artista plástico nascido a 27 de Dezembro de 1932 – e a apresentação ao público, no próximo domingo, constitui um dos momentos mais aguardados da Ronda Poética, que decorre entre 20 e 25 de Abril, em Leiria.
“Pulsões a que dei resposta e sentimentos que consegui verbalizar”, descreve José Luís Tinoco. Perseguição dos Dias “é ao fim ao cabo a perseguição da vida numa antecipação da morte”. Agora que o livro existe, com 75 poemas, o autor continua a rejeitar que lhe chamem poeta, mas admite ter encontrado na poesia, ao longo de décadas, “um espaço mental em branco”, como, na pintura, descobriu a “luta corpo a corpo com uma superfície em branco”.
“Há dois tempos aqui: o tempo em que aquilo era clandestino, uma coisa feita para recreio (…) e depois uma altura a partir da qual, perante a opinião de pessoas que considero muito, cheguei à conclusão que talvez valessem a pena”. Luís Tinoco e Luís Filipe Castro Mendes (responsável pela curadoria da Ronda) trabalharam com Anabela Graça (vereadora com o pelouro da Cultura na Câmara de Leiria) para retirar os poemas do pó e da sombra. O embaixador (e poeta premiado) destaca o “espírito de perfeccionismo” de José Luís Tinoco, com os textos a permanecerem num círculo realmente restrito durante meio século. “Foi uma surpresa”, reconhece. E conclui: “Uma estreia aos 90 anos confesso que não conheço”.
“Um grande poeta”
Na colectânea que vai ser lançada no Centro de Diálogo Intercultural de Leiria – Igreja da Misericórdia, durante uma sessão com início às 11 horas, assiste-se, segundo Luís Filipe Castro Mendes, à revelação “de um grande poeta” e está reunida poesia “de grande qualidade” e “sabedoria”, “sem fragilidades” e “sem facilidades”, “extremamente densa” e “extremamente culta”. E há “muita coisa escrita” fora da edição.
Natural de Leiria, mas a residir em Lisboa desde os anos 50, José Luís Tinoco continua a sentar-se ao piano e a manter a rotina de se deslocar ao ateliê que tem em casa. Nos últimos meses, entregou várias versões e revisões. “Convencêmo-lo a dar uma versão final àqueles poemas”. No prefácio, o antigo ministro da Cultura destaca um deles:
“Amanhã vou encontrar-te entre as raízes
e o que sobrar da respiração da noite
junto às nascentes
onde bebem os sobreviventes do sol e dos temporais
descobrir-te nesse vago rumor de vidros e de estrelas que se move sobre as pedras
e só agora começo a entender
nítido azul que há-de cobrir o resto dos teus dias”
Arrancado a ferros
Segundo Luís Tinoco, é o album Homo-Sapiens, nos anos 70, em que José Luís Tinoco, além de teclados e guitarras, “trabalhou sobre a obra de poetas portugueses” e escreveu “textos originais”, que constitui a fronteira entre as canções, que “nunca assumiu como actividade poética”, mas, sempre, “como actividade de letrista”, e outra dimensão.
“Deu por ele a intensificar a escrita” e “a investir naquilo que já considera poesia”, embora, só esporadicamente partilhada com terceiros, em contextos isolados. Continuou a colaborar com escritores, e com actores, como Sinde Filipe, que leu textos dele. Perseguição dos Dias é, por isso, “o resultado de poesia escrita durante um período longo de tempo”, assinala Luís Tinoco. “E muitas vezes reescrita”.
Filho de Agostinho Gomes Tinoco (reitor do Liceu Rodrigues Lobo, em Leiria, e director do Círculo de Cultura Musical, do Museu e do Arquivo Distrital de Leiria) e de Maria Carlota Tinoco (pianista e professora de piano), José Luís Tinoco é pai de João Tinoco, designer gráfico, e de Luís Tinoco, compositor e professor.
Com extensa obra, destacou-se junto do público generalista com a canção “Madrugada” (música e letra) interpretada por Duarte Mendes, que em 1975 ganhou o Festival da Canção. Também compôs fados e canções para Carlos do Carmo.
Hoje, apesar dos 90 anos, mantém os interesses de uma vida. “Não desiste das suas rotinas, por breves que sejam”, adianta Luís Tinoco.
Em 2014, o realizador Laurent Filipe filmou um documentário sobre José Luís Tinoco, que, no ano passado, foi homenageado pela Câmara de Leiria, para assinalar o 90.º aniversário, com um concerto em que o neto, Bernardo Tinoco, saxofonista, liderou um quarteto jazz, género de que o avô foi pioneiro em Portugal.