Já vários concertos esgotaram na edição deste ano do Festival de Música de Alcobaça. O público do Cistermúsica, seja o festival, seja a temporada, tem aumentado?
Tem, porque o festival também tem tentado ter um espaço um bocadinho maior de relação com a comunidade, que é algo que já vem desde 2019, quando começámos a fazer incursões nas músicas do mundo, no jazz, na clássica mais, se calhar, mainstream. Tentou-se, saindo da clássica, ir aos géneros que sejam confinantes.
Que número de espectadores esperam totalizar este ano?
Acho que vamos chegar a mais de 12 mil pessoas no contexto da temporada.
De Janeiro a Dezembro.
Sim. No ano passado tivemos cerca de 10.500.
Estamos a falar de público principalmente local e regional ou público nacional?
Depende muito dos concertos. Por exemplo, uma tendência, e acho que é visível em todo o Oeste, temos tido uma imigração de terceira idade, de uma idade mais avançada, muito forte. Estados Unidos, França, Holanda, Inglaterra, Alemanha, são tipicamente estas origens. O que é que acontece? Concerto do Quarteto Tágide, da semana passada, no Celeiro, tínhamos cerca de 80 pessoas, metade eram estrangeiros. Portanto, nos concertos de música de câmara, nota-se, evidente, a presença destas pessoas. Depois, quando olhamos para as questões mais jazzísticas, mais outros mundos, nota-se mais a comunidade local. Os concertos clássicos têm um conjunto de clientes fiéis, locais, mas aí conseguimos ter outra capacidade de atracção. O concerto de abertura, 400 pessoas, nós fazemos um registro prévio e tínhamos desde Coimbra, Lisboa, Santarém, Aveiro, portanto, muitas origens.
E que festivais vos fazem sombra?
Nenhum. O que gostamos é de ter parceiros. Temos um grande parceiro no Festival de Música de Leiria, uma relação que temos vindo a construir há anos com o Orfeão. Mas obviamente que há muitos festivais no País que têm uma tipologia próxima da nossa.
Costumam dizer que o vosso é o maior festival de música clássica em Portugal.
Sim, pela abrangência de locais que temos, pelo número de concertos e de espectáculos que apresentamos, arrogamo-nos esse título.
E com um orçamento de 600 mil euros [na temporada] há margem para crescer, ainda?
Há sempre.
E como? Ou com que objetivos? O que é que está na vossa visão?
Duas dimensões. Uma de consolidação deste modelo anual de programação. E a partir do momento em que o fazemos, há sempre margem para mais. Há um sonho, que já vem de há muito tempo atrás, que é de conseguirmos internacionalizar o festival de uma forma mais evidente.
Com mais programação internacional ou com extensões do festival fora daqui?
Os dois caminhos são possíveis. Aquilo que é mais evidente é garantir que existem mais programas internacionais cá. Esse é o mais fácil, é uma questão financeira, de contratação. Essa parte nós estamos a tentar fazer. Mas, por exemplo, temos o sonho de trazer uma orquestra internacional e isso implica um esforço financeiro que é muito relevante. Mas, sim, o festival tem a possibilidade de crescer pela dinâmica artística, pela dinâmica geográfica, porque estamos sempre à procura de novos parceiros onde quer que eles surjam e que façam sentido, mas também pela dinâmica temporal, que foi aquilo que acabámos por fazer a partir do momento em que criámos um modelo de temporada.
Na dimensão geográfica, têm actuado pela proximidade e depois pela lógica da rota de Cister. Admitem que possam surgir outras ligações?
A rota de Cister é mesmo uma âncora porque na prática é levar música a património edificado cisterciense e é uma coisa que nos dá mesmo muito gozo: sair de Alcobaça, ir a diversos sítios do País e às vezes ser o único momento em que aquele sítio está aberto ao público ou dos poucos momentos em que está aberto ao público. Estamos há anos a tentar relacionar-nos mais efectivamente com o Mosteiro de Celas, estamos neste momento a falar com o Município de Coimbra para ver se conseguimos, porque era muito interessante estar lá. Depois surgem as redes, das relações que vão existindo, com o Município de Leiria por exemplo, onde todos os anos temos vindo a fazer programação, com Porto de Mós, onde estamos a fazer o Ciclo de Concertos em Meio Natural.
O distrito tem 16 concelhos e ainda há Ourém bastante perto. O Cistermúsica não vai a mais concelhos porque não se tem proporcionado ou há alguma falta de interesse das câmaras municipais?
Estas questões têm muito a ver com as relações que se estabelecem e nós em dado momento, através até da Oeste CIM, conseguimos estar em três ou quatro concelhos. Óbvio que nós o que sentimos é que os municípios em princípio privilegiam os agentes locais e fazem muito bem. Por outro lado, também acho que com a competência que temos e com a experiência e com as relações que estabelecemos no mundo artístico conseguimos trazer uma oferta diferenciada e portanto aí há espaço para todos. Estamos sempre disponíveis para desafios e gostamos muito de os fazer.
A vossa temporada leva géneros musicais a públicos que não têm contacto tão frequente ou mesmo nunca tiveram contacto com esta oferta?
Acho que é uma das missões que nós temos e é também um desafio. Faz parte da nossa missão dar espaço a que se apresentem programas que não são feitos com muita frequência ou, por outro lado, encontrar um programa que possa seduzir as pessoas onde vamos.
Com o Orfeão, há diálogo e tem sido frutuoso para ambas as partes?
Muito. O Orfeão ocupa um espaço que nós ocupamos também aqui: o espaço do ensino, através do ensino artístico especializado, articulado, mas também o espaço da programação artística e o espaço da promoção de agentes artísticos e culturais. Se calhar a aproximação foi mais evidente em 2020 quando ambas as instituições sofreram, vou chamar, um ataque severo ao financiamento do ensino artístico, que alterou as regras de financiamento às instituições. Para nós cortou-nos em 70% o financiamento. Levou a que houvesse um concurso adicional. Nós tínhamos 110 vagas financiadas em 2018, passámos a 38 em 2020 e depois com a recuperação deste concurso adicional ficámos nas 79.
A visão que levou aos cortes no financiamento do ensino artístico é algo que conseguem compreender de alguma maneira?
Houve uma motivação política da redistribuição do valor.
Por outras instituições e regiões?
Por outras regiões. Inclusivamente, numa das exposições que fizemos na Assembleia da República, levámos um gráfico onde demonstrámos que os 3% do financiamento que tinha sido retirado a Leiria, à Oeste CIM e à zona de Santarém, tinha sido distribuído em Lisboa e no Porto.
O que temos, como pano de fundo, é que não há ensino artístico a não ser por via de instituições como a vossa.
Isso. Ou como o Orfeão ou como a Ourearte ou como a SAMP.
Ensino artístico que é uma das vertentes do ensino público em Portugal.
Era aí que eu ia. O preâmbulo do de creto de lei, que legisla, ou que define as regras, para esta tipologia de ensino, indica que ele deve ser oferecido essencialmente nos sítios onde não existe oferta pública. É uma das razões da nossa argumentação em 2020. Como é que, se nas áreas metropolitanas de Lisboa e do Porto existem diversas opções de ensino público para estas áreas artísticas, houve um reforço das verbas de financiamento na distribuição? Portanto, o Governo, tendo tomado a boa decisão há muitos anos atrás de permitir que haja um ensino artístico especializado articulado com o ensino público, então sim, tem de ser o garante deste financiamento. Para termos uma ideia, os valores de financiamento por aluno são os mesmos desde 2015. Para além do constrangimento do financiamento, existe ainda o valor por aluno. Se o financiamento em 2015 fosse actualizado à taxa de inflação, seguramente estaríamos com mais 30% ou 40% de valor financiado.
Considerando o universo da Academia de Música de Alcobaça e da Academia de Dança de Alcobaça, quantos alunos é que estão convosco, no articulado e fora do articulado?
Devemos ter à volta de 650 alunos directamente com estas áreas.
Uma instituição como a vossa ainda é atractiva para as novas gerações?
É, acho que sim, acho que é. Lá está, nós temos muito mais procura do que aquilo que temos capacidade de oferecer.
Quem contribui mais para o financiamento da temporada Cistermúsica, são as entidades públicas ou o sector privado?
Vou começar por lhe falar de um aspecto mais abrangente que é o plano da DGArtes que nós temos, o Plano de Apoio Sustentado. Esse plano, para nós, permitiu-nos olhar para a área artística de uma forma mais estável e mais longa no tempo e então consolidou as actividades que fazemos regularmente, o Cistermúsica, o Gravíssimo e o nosso plano de acção e mediação cultural e artística, e permitiu-nos ir ao Festival de Ópera de Óbidos, desafiando o município local. Tem um orçamento na ordem de um milhão de euros por cada ano, em que a DGArtes contribui com 24%. Este orçamento global tinha um apoio de 55 público e 45 privado. Na execução, estamos muito próximos disso.
Qual é a percentagem da bilhética?
8 a 10% mas tem sido um esforço.
Esse peso dos privados é bom?
É muito bom. No nosso plano de 2017 estaria se calhar nos 70-30 ou 75-25. É um caminho que temos vindo a fazer. A responsabilidade social das empresas, a existência de muitas fundações ligadas a grandes áreas de actividade que têm e que entendem na sua missão ter impacto cultural, impacto na área da inclusão, também permite manter essas parcerias.
Está há meio ano no cargo de presidente. Quais são os maiores desafios no comando de um navio com este tamanho?
O desafio essencial é um desafio de estabilidade porque uma associação sem fins lucrativos cuja missão está associada à educação, à área artística, mas também às relações com a comunidade através de muitas ofertas que temos, e que na prática tem uma grande dependência de concursos de processos concursais, seja na área de educação seja na área artística, acaba por não ter a capacidade, como uma empresa, de controlar a oferta, controlar o preço. Esta sensação leva a que o primeiro foco seja um foco de sustentabilidade ou de consolidação. O legado que o Rui Morais aqui deixou, sendo o grande motor desta associação desde os anos 2000 até quase ontem, foi também essa a cultura organizacional, procurar ser profissional e ao mesmo tempo nunca perder a dimensão de uma associação sem fins lucrativos que não fita o lucro mas que por outro lado fita a sobrevivência e a independência financeira. E depois vamos olhar para a frente com olhos de querer deixar uma marca. Há um projecto em curso de novas instalações aqui ao nosso lado, um edifício sede para a associação que consiga contemplar estas vertentes todas. Mas também esta área dos projectos para a comunidade: nós temos um impacto muito forte na nossa comunidade local através das AECs, através dos CAFs, aquilo que é denominado a escola a tempo inteiro [e] junto de muitas IPSS onde levamos música, dança, expressão corporal, expressão musical.
Estes edifícios não são vossos?
Temos tudo arrendado. E portanto essa é a grande ambição e grande parte do trabalho que temos vindo a fazer de gestão e estratégico ao longo dos últimos anos tem sido de encontrar forma de a instituição se capitalizar para poder abraçar uma coisa deste género. E a terceira [vertente] permitir que as coisas que já fazemos ganhem outra dimensão, permitir que tenhamos equipas de produção mais alargadas em que o empenho que hoje é brutal seja dividido por mais pessoas, por mais braços. E olhar para a área social ainda com mais impacto. Há aqui um espaço muito interessante que é o espaço do envelhecimento activo, da terceira e da quarta idade, e do relacionar as artes com este momento. Nós podemos ter um papel aí.