Com a mãe na prisão, a cumprir pena por um crime de homicídio, Daniel Sixto Júnior foi entregue à avó, após a morte do pai, quando tinha apenas 8 anos. O facto de sofrer de paralisia cerebral não o livrou de crescer num ambiente de maus-tratos, vítima alegadamente da sua avó, que terá usado os bens que lhe pertenciam em proveito próprio. Por isso, acusa o Estado de falta de proteção, sobretudo, tendo em conta a sua deficiência. E, aos 28 anos, decidiu iniciar uma luta em tribunal para reclamar justiça e evitar que outras pessoas com deficiência venham a passar pelo mesmo.
Num processo contra a Procuradoria da Instância Central de Família e Menores de Caldas da Rainha, o jovem, licenciado em Ciências da Comunicação, queixa-se do “incumprimento do dever legal de instaurar providência tutelar cível – concretamente tutela e administração de bens relativamente ao autor, durante a sua menoridade”, e pede uma indemnização de cerca de 270 mil euros, por “danos patrimoniais e não patrimoniais”. Mas, acima de tudo, Daniel Júnior, pretende que a sua acção sirva de exemplo, para “que não volte a acontecer o mesmo a outras pessoas com deficiência”.
Em declarações ao JORNAL DE LEIRIA, por intermédio de um dos seus terapeutas, tendo em conta a sua dificuldade em comunicar [LER_MAIS]verbalmente, o jovem sintetiza em poucas palavras a razão da sua revolta: “No início, fizeram uma providência cautelar de dois anos e nunca mais a renovaram. Não foi feita a tutela e apenas abriram o processo para atribuir a pensão de sobrevivência, pela morte do meu pai”.
Daniel confessa ainda que foi maltratado pela avó, acusando-a de “abuso de confiança” por ter movimentado a sua conta, recorrendo a “assinaturas e procurações falsas”. Neste sentido, considera que o Estado deve ser responsabilizado, por não ter nomeado ninguém “capaz de cuidar” de si, mesmo depois da avó ter assumido que não tinha competências para tal.
Para ser ressarcido dos danos que diz ter sido vítima, no final de Setembro de 2020, instaurou no Tribunal Administrativo e Fiscal (TAF) de Leiria uma “acção administrativa de responsabilidade civil extracontratual do Estado”, pedindo a condenação do Ministério Público a pagar-lhe a quantia de 270.613,58 euros, a título de “indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, acrescida de juros vencidos e vincendos até efectivo e integral pagamento”, refere o acórdão a que o JORNAL DE LEIRIA teve acesso.
Numa primeira fase, a acção foi indeferida por um juiz do TAF de Leiria, que se julgou incompetente para decidir sobre este processo, por entender que a instauração da tutela “se impunha obrigatoriamente aos serviços do Ministério Público” e que as alegações constantes do processo “constituem actuações e ocorrências jurisdicionais relativas a tribunais não integrados na jurisdição administrativa e fiscal”.
Os autos foram então remetidos ao Tribunal Judicial da Comarca de Leiria e distribuídos ao Juízo Central Cível de Leiria, instância onde foi apresentada contestação por parte do Ministério Público, alegando que “a responsabilidade invocada na acção não decorre de erro judiciário imputado a um magistrado no exercício das suas funções, mas por danos que se alega serem resultantes do exercício da função jurisdicional do Estado, através dos tribunais e, da actuação de um órgão da administração da justiça”.
A pedido do presidente do Supremo Tribunal de Justiça, o processo seguiu para o Tribunal dos Conflitos, que declarou o TAF competente para julgar a acção.
No entanto, Daniel Sixto Júnior garante que o processo está distribuído desde Junho de 2021, sem que se tenham registado desenvolvimentos. “Já fiz o requerimento para acelerar o processo, já fiz queixa ao Conselho Superior Administrativo e a juíza parece insensível ao meu caso. Isto tem sido um grande desgaste”, desabafa.