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O senhor Silva aumentou este ano a renda de todos os seus inquilinos até mais não poder – o que a lei permitia e o que a lei não permitia, com um recadinho via agência imobiliária:
– Que era melhor pagar o tal aumento para depois na altura de renovar o contrato o senhorio talvez não aumentar para o dobro, é que – o mercado sabe? – o mercado paga o dobro …
E porque raio não havia de aumentar se todos o faziam?
Haverá sempre 5 famílias de emigrantes ou estudantes que não se importam de pagar para ter um tecto, nem que seja ao preço de um rim e viverem o inferno da falta de espaço, da falta de privacidade, da falta de dignidade que é enfiar um magote de pessoas num T3.
O senhorio, coitado, recebeu a família da província em Lisboa e ouvia as queixas: que não há professores para os netos porque os professores não ganham para pagar uma casa, que não há médicos para os filhos porque os médicos não ganham para pagar uma casa – deve ser tudo mentira – sempre houve casas, os inquilinos é que são uns malandros – ficam a dever rendas e estragam tudo – perora o senhor Silva ao jantar, enxugando a boca sem lábios num guardanapo de pano dobrado em quatro.
Depois contam-lhe que é assim por todo o país e o senhor Silva encolhe os ombros: culpa da política já se vê. É por essas e outras que o senhor Silva há muito que não vota. Todos uns malandros.
Depois de jantar o Senhor Silva assiste sozinho ao futebol – que isso sim é um tempo bem gasto. No penálti duvidoso enerva-se, de repente dói-lhe um braço, o peito aperta-se-lhe e quer chamar alguém, mas não há ninguém a quem chamar.
A mulher tinha morrido há dois anos, vítima de tristeza, a família regressou à província nesse dia mais cedo – tinham visto um anúncio de um T2 a menos de 1200 euros tinham de correr para tentar a sorte e os telemóveis estavam no silêncio, o gato olhava-o indiferente e gordo e só a televisão continuava, com o som estridente: Gooooooooooolo!!!!!!!
O senhor Silva conseguiu sair para a rua na esperança de pedir ajuda, mas no bairro ninguém lhe tinha estima especial e evitavam-no: conhecido por regatear ao cêntimo a fruta na esquina e nunca dar gorjeta, nem bons dias ou agradecer, não era pessoa que tivesse um amigo por ali e sempre que possível, ignoravam-no.
Morreu no trânsito atrapalhando o tráfego.
A ambulância chegou uma hora depois: o técnico paramédico tinha sido despejado naquela manhã de um dos apartamentos do senhor Silva e não conseguiram substituí-lo a tempo.
A lei dos mercados, como se aprende na cartilha da teoria liberal, é assim: nunca falha.
